Contribuintes bancaram no último ano mais de R$ 40 mil para cada aposentado ou pensionista dos regimes próprios de Previdência dos estados, mostram dados declarados por 15 governos ao Tesouro Nacional e compilados pelo economista Gabriel Leal de Barros, da IFI (Instituição Fiscal Independente).
Outras 9 unidades federativas com regimes previdenciários deficitários não informaram o valor coberto pelo Tesouro estadual, mas fecharam 2017 precisando destinar a cada inativo verbas de tributos equivalentes a R$ 28 mil, segundo o anuário estatístico mais recente da Previdência.
Com arrecadação insuficiente para pagar aposentadorias e pensões, a Previdência desses estados drena recursos de serviços como segurança, saúde ou educação.
Juntos, os 24 regimes previdenciários fecharam 2018 com um buraco estimado em mais de R$ 70 bilhões, dinheiro que equivale a abrir 60 km de metrô ou construir mais de 5.000 escolas.
Os dados fornecidos pelos estados seguem critérios diferentes e são defasados, o que dificulta um retrato preciso, mas revelam a escala do problema. Nas 24 UFs deficitárias, aposentados e pensionistas receberam em média todos os meses R$ 3.000 pagos pelos contribuintes.
“É como um programa assistencial, só que a transferência de renda é dos mais pobres para os mais ricos”, compara o consultor legislativo Pedro Nery. Aposentadorias médias dos servidores podem chegar a R$ 8.795 mensais (caso do Distrito Federal), e o rombo é pago com tributos que, proporcionalmente, pesam mais nas contas dos mais pobres.
O descompasso aumenta em velocidade superior à da economia brasileira: de 2007 a 2016, o rombo dos regimes próprios de Previdência estaduais passou de 0,8% do PIB para 1,2%, segundo o especialista em contas públicas Guilherme Tinoco.
E pode haver nos próximos anos uma “enxurrada de novas aposentadorias”, segundo o coordenador de políticas macroeconômicas do Ipea, Cláudio Hamilton dos Santos.
Perto da metade dos servidores atuais tem mais de 50 anos e já reúnem as condições para se aposentar ou estão perto disso, diz Santos.
O economista coordenou no Ipea a criação de indicador que uniformiza os dados estaduais para permitir comparações entre eles e ao longo do tempo, a partir do primeiro bimestre de 2006. Entre 2014 e 2017, a média de crescimento do número de inativos nos estados foi de 6,99% ao ano, segundo seus cálculos.
“É uma velocidade chinesa, equivale a dobrar o número em cerca de uma década”, diz.
Além disso, carreiras como professor e policial civil e militar --que representam a maioria do funcionalismo estadual-- se aposentam com menos idade e recebem benefícios por mais anos.
Outra pressão sobre as contas vem do fato de que os servidores que estão se aposentando agora têm direito a benefício equivalente ao salário do último cargo ocupado.
Em maior número e com vencimentos proporcionalmente mais altos, inativos consomem fatia cada vez maior da despesa de pessoal dos estados, mostra estudo de Gabriel Leal de Barros.
Em 2015, 30,5% do que os governos gastavam com pessoal ia para os inativos. Em 2018, a fatia se expandiu para 39,6%.
Obrigados a limitar despesas com pessoal a 60% da receita corrente líquida, governos têm segurado gastos com servidores da ativa, mas a economia acaba sendo superada pelo gasto com Previdência.
Em cinco estados (RS, MG, RJ, SC e ES) o peso dos aposentados e pensionistas já é maior que o dos servidores ativos tanto em número quanto em valor despendido. Em outros dez, a situação já é de empate.
Para Santos, para reverter essa tendência é preciso segurar o número de aposentados --algo que a reforma proposta pelo governo tentará obter com o aumento da idade mínima.
Reequilibrar as contas não é tarefa fácil, afirma o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência do setor público: “Não existe uma bala de prata”. Além de elevar a idade mínima, ele considera necessário subir a contribuição dos inativos e apertar as regras para policiais militares.
“Não acaba com o déficit, mas ao menos muda essa trajetória”, diz ele.
Pedro Nery observa que os estados têm hoje instrumentos limitados para combater os déficits, porque critérios de idade e tempo de contribuição e regra de cálculo dos benefícios possuem status constitucional e exigem número maior de votos no Congresso para serem alterados.
“As contribuições estão muito aquém do necessário para pagar os benefícios, ao arrepio da Constituição [o artigo que regula a aposentadoria do servidor determina que haja equilíbrio financeiro e atuarial]. Quem cobre a diferença é o restante da população, que não tem direito a se aposentar com as mesmas regras”, diz.
Reduzir a alta acelerada do número de inativos, diz Tinoco, apertando regras de aposentadoria, é necessário mas não suficiente. “A necessidade de amortização de dívida nos próximos anos deve trazer enormes dificuldades”.
Para reequilibrar as contas, ele considera necessário aperfeiçoar o arcabouço legal que restringe operações de crédito e contabilidade criativa, rever critérios para a estabilidade, regulamentar a greve e criar um conselho de gestão fiscal.
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