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Por Helio Gurovitz

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Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cumprimenta o presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), durante discussão sobre reforma da Previdência — Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A desarticulação política do governo tornou o Centrão – bloco de partidos integrado por DEM, PR, PRB, PP e Solidariedade – protagonista na reforma da Previdência. O bloco foi o principal vitorioso na aprovação do parecer favorável à reforma no final da noite de ontem na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), por 48 votos a 18.

Para obter apoio do bloco, o governo aceitou alterar quatro pontos do texto original (leia mais aqui e aqui). Além disso, de acordo com relatos dos próprios parlamentares publicados na imprensa, o governo ofereceu um aumento no valor das emendas orçamentárias destinadas a cada deputado que votasse pela reforma na CCJ.

De R$ 15 milhões por ano, as emendas previstas no Orçamento passariam a R$ 25 milhões até 2022, resultando num incremento de R$ 40 milhões para cada deputado. Caso seja aprovada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Orçamento Impositivo, a maior parte desse valor teria execução obrigatória. Seria dinheiro controlado pelos parlamentares, destinado a projetos em suas bases – a velha política do “toma lá, dá cá” contra a qual Bolsonaro pregava na campanha eleitoral.

O Centrão sai da votação de ontem também como favorito a controlar os dois principais cargos na Comissão Especial da reforma que deverá ser estabelecida amanhã na Câmara: a presidência e a relatoria. O projeto original do governo continuará a ser desfigurado para garantir os votos do bloco – e as economias de R$ 1,1 trilhão almejadas e proclamadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, podem desde já ser consideradas um delírio.

Entre as principais alterações já cogitadas estão a exclusão do texto das mudanças no abono salarial, nas aposentadorias rurais e no Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a deficientes ou a idosos que não consigam comprovar tempo de contribuição. De acordo com os números do último relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, esses três itens somam economias de R$ 228,5 bilhões em dez anos. O máximo que a reforma poderia poupar aos cofres públicos cairia, portanto, a R$ 844 bilhões em uma década.

As alterações propostas por parlamentares do Centrão não ficariam por aí. Entrou em discussão também a suspensão da obrigatoriedade das mudanças nas previdências de Estados e municípios, que economizariam mais de R$ 500 bilhões no período (o trilhão proclamado por Guedes se refere apenas às economias para o governo federal).

Deputados ligados ao Centrão falam ainda em retirar do texto a criação do regime de capitalização, em mexer nos critérios para aposentadorias dos professores e em manter as regras para aposentadoria como matéria constitucional, dificultando mudanças futuras.

Nenhuma dessas mudanças precisará da oposição para ocorrer. Elas representam apenas uma espécie de custo mínimo que o governo deverá pagar para que a reforma prossiga em sua tramitação e obtenha os votos de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos, necessários à aprovação de qualquer emenda à Constituição.

A estratégia dos oposicionistas para barrar a reforma pôde ser vislumbrada na sessão de quase nove horas ontem na CCJ: tentar obstruir os trabalhos de todas as formas possíveis, usando quando necessário os argumentos mais estapafúrdios. Vale tudo, no limite até bate-boca e gritaria.

Tal atitude retira da oposição a credibilidade necessária para se fazer ouvir quando tem razão. Era o caso do pedido para que a CCJ aguardasse a divulgação pelo governo dos estudos que embasaram os cálculos das economias da reforma, esperados para amanhã.

Não era sensato a CCJ ter votado a constitucionalidade sem conhecer tais números, já que avaliar o impacto orçamentário é parte das exigências constitucionais sobre qualquer emenda – e, por definição, não existe reforma da Previdência sem impacto orçamentário.

Apesar disso, o presidente da CCJ, deputado Felipe Francischini, preferiu levar a cabo uma sessão tensa e exaustiva, com a apreciação (e rejeição) de nada menos que sete requerimentos pedindo adiamento da votação do parecer sobre a reforma, a arriscar deixar para outro dia e perder os votos já comprometidos. Ao todo, o texto levou 62 dias para superar a fase da CCJ (foram apenas 10 para o projeto enviado no governo Temer, que contava com uma base parlamentar estável).

Também é correto discutir o impacto da reforma sobre os diferentes estratos sociais, como quer a oposição. Mas é um absurdo que deputados preparados insistam que a reforma necessariamente prejudica os pobres, apenas porque o custo total é maior para os aposentados pelo INSS (R$ 671 bilhões em dez anos, segundo a IFI).

Em 2017, os 723 mil aposentados e pensionistas do governo federal ganhavam em média R$ 9.179 por mês, enquanto os 34,4 milhões de beneficiários do INSS recebiam R$ 1.200. No total, é evidente que o governo gastou mais com os mais de 34 milhões que ganham menos (R$ 557 bilhões, ante R$ 82 bilhões) – mas isso não reduz em um centavo o privilégio dos 723 mil.

O correto, portanto, é estimar o custo individual médio para cada beneficiário, de acordo com sua faixa de renda, para só então comparar as perdas dos mais pobres com as do alto funcionalismo público, pertencente à classe alta. Os números que o governo divulgará amanhã permitirão fazer esse cálculo, além de outras simulações. Contribuirão para dirimir enfim a questão e demonstrarão quem, na verdade, a oposição defende ao tentar barrar a reforma da Previdência: os pobres ou os privilégios do funcionalismo.

— Foto: Arte/G1

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