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Paulo Guedes adiantou a fórmula para ficar com as contas no azul a partir de 2020: controle de gastos, corte de despesas, redução de renúncias fiscais e reforma da Previdência. | Fernando Frazão/Agência Brasil
Paulo Guedes adiantou a fórmula para ficar com as contas no azul a partir de 2020: controle de gastos, corte de despesas, redução de renúncias fiscais e reforma da Previdência.| Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Zerar o déficit primário brasileiro no primeiro ano de mandato é um desafio e tanto. E talvez o próximo presidente consiga fazer isso... mas só em 2023, de acordo com os cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado. Antes desse prazo, só contando com receitas extraordinárias. 

A proposta mais ousada do plano econômico do presidente Jair Bolsonaro (PSL) é justamente fazer com que o resultado primário – a arrecadação do governo menos os gastos, excetuando os juros da dívida pública – deixe de ser negativo em 2019 e passe a ser positivo já em 2020. Mas, como sair de um rombo bilionário – a meta prevista para o resultado primário de 2019 é de R$ 139 bilhões negativos – para um superávit em dois anos?

Paulo Guedes, o superministro da Economia do novo governo, afirmou que a redução do déficit “é factível”, em entrevista no dia da eleição de Bolsonaro, 28 de outubro. As explicações dadas na entrevista foram lacônicas: controle de gastos, especialmente aos custos relacionados à folha de pagamento, corte de despesas e redução das renúncias fiscais, além da reforma da Previdência. E é isso que está posto no plano de governo do capitão, que crava o objetivo: “O déficit público primário precisa ser eliminado já no primeiro ano e convertido em superávit no segundo ano”.

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Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo concordam que é importante perseguir a redução do déficit primário, mas o prazo para executar a proposta causa divergências entre eles. Para 2018, o resultado primário pode ser de, no máximo, R$ 159 bilhões negativos. Uma projeção do IFI de outubro mostra que o governo pode fechar o ano com um rombo menor: R$ 135 bilhões. Esse valor é menor, inclusive, que a meta estabelecida para 2019.

Receitas extraordinárias

O diretor-executivo do IFI, Felipe Salto, considera importante sinalizar e adotar medidas que ajudem a reduzir estruturalmente o déficit. Mas, para ele, é preciso realismo, “uma vez que zerar um déficit bilionário de três dígitos é muito difícil. De um ano para outro, é praticamente impossível fazer isso”.

O IFI trabalha com projeções para o resultado primário do país até 2030, em três cenários – otimista, pessimista e base. No cenário base, o déficit primário só deve ser zerado em 2023 – mesmo na projeção mais otimista, a virada só ocorreria em 2021, depois, portanto, do prazo de dois anos estabelecido por Guedes. 

“Se isso acontecesse [a redução do déficit], acabaria sendo fruto de uma combinação de receitas atípicas muito grande, o que por si só não é ruim, mas seria muito pontual. Como é que faz no ano seguinte? O que você precisa ter é uma recuperação estrutural das receitas para ajudar a melhorar o resultado fiscal. E isso deve acontecer à medida que a economia se recupere”, pondera Salto.

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A aposta nas receitas extraordinárias é a avaliação de André Paes, diretor da Infinity Asset. “Ele não vai atingir essa meta através de receitas recorrentes. É factível, sim, se ele realmente conseguir fazer algumas coisas que vão gerar receitas extraordinárias”, analisa. Para ele, o plano de privatização pode gerar uma receita extraordinária suficiente para reduzir o déficit, dependendo da amplitude do pacote. 

Outras fontes de receita extra citadas por Paes seriam o fechamento de estatais deficitárias e a cessão onerosa da Petrobras. “Dessa forma, ele não atuaria só na geração de receita extraordinária, mas também com corte de despesa. Com a máquina pública andando mais leve, e o Brasil crescendo, é possível que a partir do terceiro ano o governo consiga gerar superávit sem depender das receitas extras”, pontua.

Propostas detalhadas

Todas essas ponderações são feitas com base em declarações e propostas apresentadas ao longo da campanha, mas ainda há pouco detalhamento oficial de como o governo colocaria esse plano em prática. É claro que o período de transição está apenas no início e ainda há muito o que explicar sobre como tirar essas ideias do papel.

“A proposta é ousada e não sei a dimensão da proposta em termos de ajuste fiscal. Para reduzir esse déficit, além da reforma da Previdência, tem que contar com o aumento da arrecadação. Todo mundo quer saber qual é a novidade que vem para ter uma mudança tão rápida de reversão de resultado primário”, pondera o professor de finanças do Insper, Ricardo Rocha.

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Felipe Salto, do IFI, também espera a apresentação de propostas mais concretas. A Instituição defende que é necessário avaliar e discutir melhor o lado da despesa. Salto pondera que desde a Constituição de 1988 a carga tributária vem crescendo, mas estagnou em meados de 2000, em razão das desonerações e da destruição do modelo de crescimento econômico.

“Um país que tem uma renda per capita ainda tão baixa não se pode dar ao luxo de crescer tão pouco. E nós fizemos isso. Isso foi ainda mais exacerbado pelas desonerações que golpearam, de certa forma, o fluxo das receitas que o governo arrecada. Então, nesse contexto é preciso entender que o lado da despesa é o prioritário”, defende.

Onde atacar: nas despesas

O Brasil possui uma série de despesas obrigatórias, além de limitações estabelecidas pelo teto de gastos, que fica mais baixo já a partir de 2019. O problema é que a evolução de algumas dessas despesas é preocupante e a maior delas é a Previdência – que passará por uma reforma, embora o governo ainda não tenha definido qual será.

Salto ainda lista os gastos com o funcionamento da máquina pública, salários e benefícios sociais, como o abono salarial, como pontos que devem ser discutidos por parlamentares e sociedade, para que os mecanismos de financiamento do estado – basicamente impostos, contribuições e a dívida pública – possam dar conta da evolução prevista para essas despesas.

Para ele, a recomendação é que o futuro governo comece a atacar o problema do resultado fiscal pelo lado das despesas “para que a gente não erre mais uma vez aumentando a carga tributária ou tomando medidas apenas do lado da receita, sem atacar essa questão mais estrutural”, explica o diretor da IFI.

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Ricardo Rocha, do Insper, lembra que o próprio Bolsonaro já deu declarações no sentido de que não haverá aumento de carga tributária. E, pondera, que pode haver uma proposta de rearranjo de impostos, que permitiria num prazo recorde reverter a situação fiscal. “Me parece só com Previdência ele não consegue fazer essa reversão. O que mais poderia fazer? A folha de ativos do funcionalismo custa muito, mas é difícil reduzi-la porque há estabilidade. Outras medidas dependem de aprovação do Congresso e são impopulares”, pontua.

Para aumentar as receitas sem incorrer no aumento de impostos, a única alternativa, na visão de André Paes, da Infinity Asset, é se ater à recuperação e ao crescimento da economia, atraindo mais confiança do investidor e consumidor, além de estabilização de preços. Aí entra a importância da reforma da Previdência: será ela que vai permitir que, no futuro, o governo consiga equilibrar as receitas recorrentes e manter o resultado primário.

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