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Economia

Estudo mostra que governo usa recursos de investimentos adiados para executar projetos sem ‘dinheiro novo’

Um terço dos gastos que foram postergados em 2016 ainda não foram realizados em 2018
A União já honrou R$ 16,5 bi em dívidas dos estados e municípios desde 2016 Foto: Pixabay
A União já honrou R$ 16,5 bi em dívidas dos estados e municípios desde 2016 Foto: Pixabay

BRASÍLIA - Levantamento feito pela Instituição Fiscal Independente (IFI), que será divulgado hoje, mostra que grande parte dos investimentos previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) ficam represados ao longo do ano e acabam sendo jogados para o período seguinte. Isso cria um cenário em que a equipe econômica passa o ano utilizando os chamados restos a pagar (RAP) — débitos de anos anteriores que são postergados — para realizar investimentos sem praticamente colocar dinheiro novo em projetos. O estudo mostra que, de tudo que foi inscrito como restos a pagar relativos a gastos discricionários (como investimentos e custeio dos órgãos) em 2016, 36% não foram quitados em 2017 e acabaram jogados para o ano seguinte. Em 2018, esse passivo soma R$ 91 bilhões.

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Os restos a pagar são despesas empenhadas mas não quitadas até 31 de dezembro de cada ano. Os investimentos que ficam sob o guarda-chuva da rubrica habitação tiveram uns dos percentuais mais elevados dessa modalidade: 87% de tudo o que foi pago no ano passado correspondem a gastos que haviam sido empurrados para frente em anos anteriores. Essa proporção também foi elevada em esporte e lazer (62,8%), urbanismo (51%) e saneamento (49,3%).

Na área de transportes, uma das principais destinações do investimento público do país, um terço do que foi executado no ano passado veio dos RAPs. O pesquisador da IFI Daniel Couri explica que as áreas que estão no topo desse ranking são caracterizadas por investimentos intensivos, alguns deles dentro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou por ações de apoio a projetos tocados por estados e municípios. Neste caso, são projetos executados com repasses de recursos da União.

— A consequência prática é que a lei orçamentária do ano deixa de ser um parâmetro confiável do que será realizado naquele exercício — diz Couri.

Gastos adiados
Execução de restos a pagar em relação ao total investido no ano (2017)
86,8%
Habitação
Desporto e lazer
62,8%
Urbanismo
51%
Saneamento
49,3%
Comércio e serviços
38,3
Transporte
33,1%
Gestão ambiental
31,8%
Agricultura
31,8%
Direitos da cidadania
31,6%
Organização agrária
25,1%
Restos a pagar por ano, em relação ao orçamento
Em R$ bilhões
282
(15,9%)
273
(15%)
240
(14%)
203
(12,4%)
201
(11,6%)
197
(12,8%)
187
(12,8%)
160
(11,5%)
155
(9%)
152
(8,8%)
100
(7,9%)
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
Fonte: IFI
Gastos adiados
Execução de restos a pagar em relação ao total investido no ano (2017)
86,8%
Habitação
Desporto e lazer
62,8%
Urbanismo
51%
Saneamento
49,3%
Comércio e serviços
38,3
Transporte
33,1%
Gestão ambiental
31,8%
Agricultura
31,8%
Direitos da cidadania
31,6%
Organização agrária
25,1%
Restos a pagar por ano, em relação ao orçamento
Em R$ bilhões
282
(15,9%)
273
(15%)
240
(14%)
197
(12,8%)
203
(12,4%)
201
(11,6%)
187
(12,8%)
160
(11,5%)
155
(9%)
152
(8,8%)
100
(7,9%)
2008
09
10
11
12
13
14
15
16
17
2018
Fonte: IFI

A IFI mostra que a maior parte dos gastos obrigatórios (como pessoal e benefícios previdenciários) inscritos são pagos ou cancelados já no ano seguinte. O problema é a despesa discricionária. Sem ter mais onde cortar, esses gastos foram os maiores afetados pelo ajuste fiscal do governo e foram sendo limados do Orçamento. Em relação ao PAC e às emendas parlamentares, o montante de restos a pagar inscritos em 2016 mas não pagos no ano seguinte foi de, respectivamente, 43,4% e 56,3%.

COMPETIÇÃO COM ORÇAMENTO

— O resultado do ajuste fiscal promovido a partir de meados de 2016 foi uma forte contenção das despesas discricionárias e necessidade de arrecadação de receitas atípicas. Um modelo insustentável. A postergação de despesas essenciais, como são os investimentos, via restos a pagar, é apenas o sintoma mais claro desse quadro intrincado — explica o diretor-executivo da IFI, Felipe Salto.

O estoque de restos a pagar ficou tão grande que passou a competir com o Orçamento do ano vigente. Hoje, ele equivale a 65% da despesa orçamentária autorizada. O levantamento mostra que, ao menos desde 2010, essa proporção sempre foi maior do que 53%. O estudo também revela que, após ter desacelerado por três anos consecutivos, o estoque de RAPs voltou a subir em 2018 e alcançou R$ 155 bilhões. O número é 5% maior que o saldo do início de 2017 e representa 9% do Orçamento. A IFI ressalta, no entanto, que o passivo é muito menor que o apresentado em 2014, quando o estoque de restos a pagar atingiu a máxima histórica de R$ 282 bilhões.

Além disso, o estudo mostra que 17% do estoque são restos a pagar processados, ou seja, cujas despesas já foram liquidadas e constam do passivo apenas porque houve uma impossibilidade de efetuar o pagamento nos últimos dias do ano.