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Coluna no GLOBO

Ainda no pântano

Quando os números começaram a melhorar na Secretaria do Tesouro, o governo nem pôde comemorar, porque já estava de olho nas dificuldades dos anos de 2018 e 2019. Mas foi um alívio verificar que o déficit do governo encolheu no final do ano. Ontem, o Tesouro divulgou que o rombo, previsto para ficar em R$ 159 bi, terminou o ano, como divulgado aqui no dia três de janeiro, mais de R$ 30 bilhões abaixo da meta.

A queda de 24,8% no rombo é uma boa notícia, mas o que a secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi, chamou a atenção foi para o fato de que o país está com um déficit de 1,9% do PIB. Só não é tão ruim porque no ano anterior havia sido de 2,5% do PIB. Não é possível esquecer que o país está no quarto ano de resultados negativos e o desequilíbrio entre receita e despesa ficou em R$ 124 bilhões. E eles continuarão no vermelho por, pelo menos, mais quatro anos, segundo as estimativas das instituições financeiras consultadas pelo Banco Central no Boletim Focus.

O ano passado foi tão incerto que no começo, diante de muita queda de arrecadação, o governo propôs elevar a meta para R$ 159 bi. No final do ano, os números começaram a melhorar e terminaram em um resultado menor do que a primeira meta que fora alterada. O medo do descumprimento, que pareceu em determinado momento bem provável, é que levou à mudança, que se revelou desnecessária.

Há vários problemas diante das autoridades da área econômica. Um é que 2018 já começa com diversas frustrações de receitas garantidas, mas muito pior parece ser 2019. As medidas de ajuste enviadas para o Congresso, para as contas deste ano, não foram aprovadas. A reforma da Previdência foi adiada e ainda não se sabe seu destino. E mais: o governo tem dificuldades hoje de preparar o Orçamento do ano que vem porque, pelas projeções de receitas e despesas, o país quebra a regra de não se endividar além dos gastos de capital.

O Orçamento de 2018 foi aprovado no Congresso contando com arrecadação que já se sabe que não acontecerá, como a da taxação dos fundos exclusivos. Há receitas incertas, como a da privatização da Eletrobras. Há uma vantagem em relação ao ano passado, o déficit da Previdência, que nos dois regimes, privado e público, aumentou o rombo em R$ 42 bilhões, talvez tenha um crescimento menor este ano porque o reajuste do salário mínimo foi de apenas 1,9%.

A Instituição Fiscal Independente estima que o governo tenha arrecadado entre R$ 75 bi e R$ 80 bilhões com receitas atípicas em 2017. São recursos que vieram por meio de programas como o Refis, os leilões do pré-sal e outras concessões à iniciativa privada. O problema, explica o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, é que em 2018 as receitas extraordinárias devem ficar em metade desse valor. Por isso, o quadro fiscal para o governo continuará sendo desafiador.

Os números das contas públicas mostram como o aumento de gastos com a Previdência está tirando recursos de outras áreas. Enquanto o déficit com o INSS teve um crescimento de 18% entre 2016 e 2017, os investimentos despencaram 31% entre os dois anos e voltaram ao nível de 2006 como percentual do PIB. A Previdência sobe, e ministérios importantes são obrigados a realizar cortes. A Saúde, por exemplo, gastou R$ 4,4 bilhões a menos do que o programado no Orçamento, e o Ministério da Educação, R$ 900 milhões.

As despesas com pessoal e encargos também pesam sobre as contas públicas. De um ano para o outro, o crescimento real, ou seja, acima da inflação, foi de 6,5% ou R$ 17,7 bilhões. E o responsável por isso foi o próprio governo Temer porque, ao chegar, apesar do quadro claro de dificuldades, concedeu aumento salarial aos servidores que se estendeu pelos anos seguintes. Depois, tentou suspender o reajuste de 2018 e, até agora, não conseguiu.

O Brasil atravessa um longo pântano fiscal e ontem foi o dia em que o governo anunciou que não afundamos tanto quanto estava previsto. Mesmo assim, o pântano permanece. Ele não é destino, contudo. O Brasil de 1991 a 2013 só teve um ano de déficit primário, em 1997. Por 22 anos o país construiu um ajuste que foi desfeito nos anos recentes. É fundamental que haja um horizonte de equilíbrio.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

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