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Opinião|O papel da Instituição Fiscal Independente

Inserida no espírito da responsabilidade fiscal, sua missão é trazer luz para as contas públicas

Foto do author Felipe Salto
Atualização:

Há cerca de um século, um importante juiz norte-americano, Louis Brandeis, disse: “A luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. A Instituição Fiscal Independente (IFI), criada pela Resolução do Senado n.º 42/2016, nasce com uma missão muito clara, inserida no espírito da responsabilidade fiscal: trazer mais luz para as contas públicas.

O texto que previa a criação da IFI foi elaborado no gabinete do senador José Serra quando eu era assessor dele. Desse trabalho, que também envolveu consultores do Senado Federal e especialistas no tema, surgiu o projeto de resolução, de autoria do presidente Renan Calheiros, que criou a nova instituição.

A transparência é um dos vetores fundamentais para a elaboração de melhores políticas públicas e para a construção de um Estado efetivamente republicano. A eficiência, fazer mais com o mesmo, e a eficácia, fazer o melhor possível, estão diretamente relacionadas à informação de qualidade. A sociedade e os agentes econômicos decidem melhor, a economia prospera e o bem-estar social se amplia.

O desmonte das regras que garantiam o controle da dívida pública foi provocado pelo uso deliberado, ao longo de muitos anos, de práticas contábeis questionáveis – a chamada contabilidade criativa, incluindo as pedaladas fiscais. O ex-ministro Mailson da Nóbrega e eu denunciamos em artigo no Estado (Contabilidade criativa turva meta fiscal, 30/11/2009) o início desse processo.

A IFI é uma espécie de antídoto contra esse tipo de prática, pois será capaz de informar à população, em tempo hábil, sobre tudo o que acontece nas contas públicas. Os diretores da IFI têm mandato, o que é essencial do ponto de vista da garantia da independência e do apartidarismo.

Está fixado na lei que a IFI tem as funções de: divulgar suas estimativas de parâmetros e variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários; analisar a aderência do desempenho de indicadores fiscais e orçamentários às metas definidas na legislação pertinente; mensurar o impacto de eventos fiscais relevantes, especialmente os decorrentes de decisões dos Poderes da República, incluindo os custos das políticas monetária, creditícia e cambial; e projetar a evolução de variáveis fiscais determinantes para o equilíbrio de longo prazo do setor público.

Para dar exemplos concretos: a IFI vai elaborar estimativas próprias para as receitas do governo com base em critérios e modelos técnicos. Avaliará os resultados mensais do governo e do setor público consolidado em relação às metas fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. A instituição ainda realizará trabalhos como calcular o impacto de projetos de lei e de ações dos demais Poderes sobre o erário, incluídas as políticas sob responsabilidade do Banco Central.

Um ponto importante a destacar: a atuação da Instituição Fiscal Independente não terá intersecção com a atividade dos órgãos de controle. É preciso ter claro: o Tribunal de Contas da União (TCU) tem funções e prerrogativas exclusivas, que não se confundem com as da IFI. Enquanto o TCU tem poder para avaliar, julgar e punir, a nova instituição se limitará à produção de informações, análises, projeções, relatórios, pareceres e notas técnicas. A IFI não tem nenhum poder judicante, de supervisão ou normativo.

Veja-se, por exemplo, que no modelo americano há a convivência harmônica entre o Government Accountability Office, que se ocupa das funções de apoio ao controle externo do Congresso, e o Congressional Budget Office (CBO), a IFI dos EUA. Não há confusão quanto às atribuições e à atuação de cada um desses órgãos.

A equipe da IFI será eminentemente técnica. Além dos quadros de especialistas, a direção do órgão contará com o auxílio de um conselho de assessoramento, composto por cinco membros com reputação ilibada e notório saber nos temas fiscais. Isso será crucial para o bom andamento dos trabalhos, pois o colegiado fornecerá subsídios à formulação das análises da instituição.

Os relatórios e notas técnicas preparados pelos consultores da Câmara dos Deputados e do Senado serão fundamentais para a qualidade dos trabalhos produzidos pela IFI. Seus corpos técnicos têm se mostrado relevantes – e são considerados referência – na discussão técnica das grandes questões nacionais.

Outra dimensão importante, neste momento de criação da IFI, é olhar para o resto do mundo e compreender o contexto em que se insere esse novo órgão do Senado. As instituições fiscais independentes surgiram mundo afora como uma das respostas à crise econômica e financeira global de 2008. De 12 países com IFIs em 2005, passou-se a cerca de 30 atualmente.

A emblemática CBO, nos EUA, que realiza análises independentes sobre a sustentabilidade fiscal em longo prazo, influenciou as IFIs recentemente criadas em Legislativos, como a australiana, a canadense e a italiana. A esse respeito é importante lembrar que, dos países que têm IFIs, a maior parte vincula-se ao Poder Legislativo: EUA, Coreia do Sul, Austrália, Canadá, Itália, Geórgia, Quênia, México e África do Sul. Existem também as associadas ao Executivo e as que não estão ligadas a poderes específicos, além das vinculadas diretamente a órgãos de controle.

O foco de uma instituição dessa natureza é combater os maiores males dos orçamentos: a falta de realismo nas projeções macroeconômicas e fiscais e o baixo grau de transparência. Essa modernização institucional é um passo importante para os países que, como o Brasil, buscam voltar a trilhar o caminho do desenvolvimento perene, com elevação mais rápida da renda per capita e a presença de um Estado republicano e que contribua para a justiça social.

* FELIPE SALTO É ECONOMISTA PELA FGV/EESP, DIRETOR EXECUTIVO DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE (IFI)

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo