Em recente artigo para o jornal O Estado de S. Paulo, o economista Affonso Celso Pastore – referência maior para os profissionais da área – alertou: “a queda da taxa Selic somente terá o efeito desejado se levar à queda da taxa real de juros relevante para explicar o comportamento da produção e do consumo e, para que isso ocorra, a ação do BC não pode vir acompanhada de um aumento na percepção de riscos, o que exige sucesso na aprovação de uma robusta reforma da Previdência”.
O hiato do produto calculado pela nossa equipe, na Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, indica ociosidade elevada. Esse quadro econômico difícil ainda persistirá por dois anos. A recuperação dependerá da retomada consistente da demanda. Juros mais baixos poderiam motivar o consumo e o investimento, mas a verdade é que o juro real já está possivelmente abaixo da chamada taxa neutra – aquela que não provoca inflação ou desinflação, digamos assim. Reduzi-lo ainda mais só estimularia o investimento na presença de contas públicas organizadas. À IFI, cabe a preocupação com esta parte da história – o lado fiscal.
Não existe receita fácil em economia. Nunca é só o arroz com feijão. E o preparo sempre demanda certa sofisticação. O ajuste fiscal é a condição fundamental para restabelecer um quadro de credibilidade perante os agentes econômicos. Só assim o Estado vai reabilitar-se a criar ambiente propício ao aumento do PIB.
Sob um programa de ajuste efetivo das contas públicas, as percepções de risco começariam a se dissipar, permitindo o financiamento do déficit público por meio de títulos mais baratos e com prazo mais longo. Naturalmente, a vida dos responsáveis por estabilizar a relação dívida/PIB ficaria menos complexa. Nesse contexto, juros mais baixos, persistentemente, estimulariam as decisões de investimento e consumo.
As coisas estão interligadas, como se vê. Uma vez que, nos últimos anos, a dívida pública avançou muito, não há espaço para estímulo fiscal neste momento. Temos mostrado, nos nossos relatórios, a situação alarmante das finanças nacionais. Na esteira de resultados primários deteriorados, aumento de gastos e desmanche das receitas, em meio ao ar impuro da recessão de 2014-2016, a dívida bruta passou de 51,5% para 78,8% do PIB entre dezembro de 2013 e abril de 2019.
O descompasso das contas públicas impede a recuperação da economia de duas maneiras (pelo menos): bloqueia as possibilidades de execução de políticas contracíclicas, dada a ausência de espaço fiscal; e prejudica a potência da política monetária, já que, sozinhos, os juros não empurram ninguém para a (sempre) arriscada decisão de investir. Mas, se o ajuste é necessário, por onde começar?
Enquanto os gastos com pessoal (ativos e inativos) e com o INSS aumentaram de R$ 585 bilhões para R$ 914 bilhões, entre dezembro de 2007 e março de 2019 (no acumulado em 12 meses), os investimentos e inversões financeiras passaram de R$ 42 bilhões para R$ 52 bilhões (tudo a preços de março de 2019). As despesas discricionárias, mais fáceis de se remanejar, já representam apenas 10% de todos os outros gastos do governo federal.