Implementação em fases pode viabilizar Reforma Tributária

Implementação em fases pode viabilizar Reforma Tributária

Por sua complexidade, é provável que a reforma tributária tenha que ser feita por partes. Isso porque, conforme políticos e especialistas, a quatro meses do fim do ano, falta tempo para a aprovação de uma mudança mais robusta

Em Porto Alegre, o Impostômetro, uma iniciativa da Fecomércio/RS, mostra quanto já foi pago em tributação durante o ano

Por
Flávia Benfica

Com ambiente favorável para negociações nos diferentes níveis do poder público e no setor produtivo, as discussões sobre a reforma tributária caminham no Congresso e podem ter algum avanço concreto ainda em 2019. Apesar disso, políticos e especialistas concordam que, a quatro meses do fim do ano, falta tempo para a aprovação de uma mudança mais robusta. E que a população, que tem como maior interesse saber como as alterações podem impactar o seu bolso, talvez se decepcione quando perceber que os debates sobre simplificação e unificação de tributos não significam que vai pagar menos em impostos.

“Esta bandeira, de redução da carga, chama a atenção, por isso é levantada. Mas temos, por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que é clara: qualquer renúncia de receita tributária precisa ser acompanhada pela redução de alguma despesa, pela criação de um novo tributo ou pelo aumento da alíquota de algum existente. Em outras palavras: precisa haver uma compensação. É uma informação técnica que certamente não está muito clara para a população”, explica o doutor em Direito Tributário e professor da FGV Direito Rio, Gustavo Fossati.

Antes que o tema seja posto de fato na mesa, a Câmara dos Deputados e o Senado deverão resolver a disputa que travam por protagonismo. A articulação que garanta que estados e municípios não sairão prejudicados terá que ser consolidada. E o Executivo vai precisar decidir se, para além da simplificação na tributação sobre o consumo, vai apostar em um item de risco: a inserção na reforma de uma nova proposta de arrecadação sobre movimentações financeiras.

Para além destes pontos, grupos de pesquisadores e técnicos de diferentes vertentes chamam a atenção para a necessidade de incluir de alguma forma nos textos medidas que pelo menos sinalizem para o início de uma discussão séria sobre a possibilidade de mudanças no modelo de tributação sobre a renda ou, então, de mecanismos que minimizem a chamada “regressividade” do sistema: quando o peso da tributação é inversamente proporcional à renda, ou seja, recai mais sobre quem ganha menos. A discussão sobre o estabelecimento de um sistema mais “justo” é histórica e embute, entre outros pontos, a taxação sobre a distribuição de lucros e dividendos, que deixou de ser feita em 1996.

Devido aos diferentes arcabouços que compreende, Fossati assinala que a tributária é a mais complexa de todas as chamadas reformas estruturais. “É muito improvável fazer uma coisa só, porque ela envolve três grandes universos da tributação: consumo, renda e movimentações financeiras e cada uma embute uma complexidade de regras e um impacto orçamentário muito grande sobre as receitas públicas. Então acredito que tenhamos de falar de uma reforma em fases, na qual, em uma primeira etapa, um destes grupos, e hoje o que está mais perto da porta é o do consumo, seja bem encaminhado.”

A reforma tributária foi discutida na última terça-feira em audiência pública na Câmara dos Deputados | Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados / CP

 

Há meses as duas casas legislativas concorrem para tomar a dianteira em negociações que resultem na aprovação de um conjunto de mudanças que possa ser denominado de reforma. A Câmara saiu na frente. No início de abril, o líder da bancada do MDB, deputado Baleia Rossi (MDB/SP), apresentou a PEC 45/2019, que encampa as propostas do economista Bernard Appy e do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). O CCiF é uma think tank que se dedica a estudar e propor mudanças na gestão fiscal brasileira. Em julho, o Senado apresentou a PEC 110/2019, que teve 66 signatários, o primeiro deles o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM/AP). A 110 tem como base a PEC 293/2004, apresentada em 2004 pelo Executivo, mas só aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e em comissão especial da Câmara em dezembro do ano passado, sob a relatoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR).

Na Câmara a PEC 293/2004 está pronta para ir a plenário e a PEC 45/2019 aguarda o parecer do relator da comissão especial destinada a analisá-la. No Senado, a PEC 110/2019 está com o relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Tanto a 45 como a 110, as duas que têm concentrado os holofotes, extinguem tributos e criam em seu lugar um Imposto Sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) – muito semelhante ao Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) existente em outros países – e um Imposto Seletivo sobre bens e serviços específicos. Elas têm o mesmo propósito, mas possuem diferenças. O que vem sendo mais destacado é o fato de a 45 extinguir cinco tributos: IPI, PIS e Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) e a 110 acabar com nove: sete federais (IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação e Cide-Combustíveis), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Todos falam em união por um texto de consenso, mas, na prática, a disputa está acirrada. “A PEC 110/2019 é a mesma que está na Câmara prontinha desde dezembro. Na Câmara, ela é a PEC 293/2004. Nela está apensada essa 45. Só que a 293 tem um precedente histórico. Como a Câmara optou pela tramitação de outra PEC com uma emenda que já estava feita na 293, o presidente do Senado decidiu assumir a nossa proposta”, discorre Hauly. Defensores da PEC que está na Câmara, por sua vez, rebatem que a 293 incorporou ao longo do tempo uma série de contribuições não formuladas pelo então relator. Entre elas, as ideias de Appy.

Embora o Senado tenha acelerado o passo, por enquanto a proposta que está na Câmara vem recebendo mais atenção. Em julho, o PSL apresentou a ela uma proposta de emenda que prevê a criação do Imposto Único Federal (IUF) sobre movimentações ou transmissões de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. A emenda prevê a incidência de uma alíquota fixa de 1,611% sobre cada débito ou crédito (a ser recalculada caso seja verificado aumento da carga tributária). E a tributação de movimentações e pagamentos de “qualquer espécie realizados fora do sistema financeiro”. Também unifica IPI, IOF, ITR, Cofins, CSLL, contribuições previdenciárias sobre a folha e loterias, Sistema S, salário-Educação, Cide-Combustíveis e Cide-Remessas.

Já a oposição prepara a apresentação de uma emenda substitutiva global ao texto. Para tanto, vem buscando subsídios entre estudos e levantamentos recentes, entre eles o relatório “A reforma tributária necessária”, um volume de 802 páginas publicado ano passado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e Plataforma Política Social, que reuniu estudos de mais de 40 especialistas e técnicos.

Existem quatro propostas em estudo. Para os estados, o importante é assegurar que não ocorram perdas de arrecadação ao menos nos próximos 20 anos, garantir autonomia e minimizar incertezas sobre a política de isenções fiscais.

Na metade de agosto, o deputado Luis Miranda (DEM/DF), coordenador da Frente Parlamentar Mista de Reforma Tributária, protocolou outra PEC, a 128/2019. Ela também prevê um Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), mas mantém o IPI, cria um imposto sobre movimentação financeira (IMF) e resgata a tributação, pelo imposto de renda, dos lucros e dividendos recebidos pelos sócios e acionistas das empresas. Segundo o texto, os lucros ou dividendos pagarão alíquota de 4%, exclusivamente na fonte, independentemente da forma de tributação da empresa. Como compensação, a alíquota do IR das empresas será reduzida na mesma proporção da tributação sobre os lucros e dividendos. A 128 aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Uma quarta proposta, também com foco na tributação sobre consumo, é a que o Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) promete fazer chegar ao Congresso nesta semana que começa. Muito provavelmente, apensada à PEC 45. Mas, no Senado, o relator da 110, senador Roberto Rocha (PSDB/MA) tem feito acenos para atrair a preferência dos secretários. Os estados querem assegurar que não ocorram perdas de arrecadação ao menos nos próximos 20 anos, garantir autonomia e minimizar incertezas sobre a política de isenções fiscais.

“As duas PECs, a 45 e a 110, vão ao encontro do nosso grande problema, que é a complexidade na tributação do consumo. Mas são necessários cuidados de forma a preservar o federalismo. É o que importa, o mais caro para os estados, porque sua autonomia financeira depende disso”, resume o ex-secretário da Fazenda do RS e hoje advogado e consultor tributário, Luiz Antônio Bins. Em outras palavras, estados e municípios não vão aceitar mudanças nas quais percam competência para instituir e alterar tributos.

“A questão federativa já foi uma grande dificuldade no passado, principalmente por conta da resistência dos estados, mas, nesta reforma, acho que está mais fácil de ser equacionada. Não estou dizendo que foi resolvida, que não haverá dificuldades, mas que há um ambiente favorável e uma disposição ampla em discutir ICMS e ISS”

Nesta linha segue a proposta fechada pelo Comsefaz com aval dos 27 secretários da Fazenda dos estados. Nela fica estabelecida a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional, a ser regulado por lei complementar, a manutenção da autonomia para fixar alíquotas e a definição de que o comitê gestor responsável pela regulação do novo IBS tenha representantes de estados e municípios, mas não da União. O Comsefaz se opôs também a costura que o governo vem fazendo para encaminhar ao Legislativo proposta que inclua só a simplificação dos impostos federais que incidem sobre o consumo, deixando para o futuro o debate sobre as esferas estaduais e municipais, sob o argumento de que isso agilizaria a aprovação. Permitir a adesão voluntária ao novo sistema é uma opção.

“A questão federativa já foi uma grande dificuldade no passado, principalmente por conta da resistência dos estados, mas, nesta reforma, acho que está mais fácil de ser equacionada. Não estou dizendo que foi resolvida, que não haverá dificuldades, mas que há um ambiente favorável e uma disposição ampla em discutir ICMS e ISS”, avalia o mentor da PEC 45, Bernard Appy. Segundo ele, o fato de os 27 secretários terem assinado carta solicitando a substituição do ICMS por um IBS/IVA cobrado no destino sem benefícios fiscais e de aceitarem substituir a concessão de benefícios por um fundo de desenvolvimento regional demonstra a mudança no ambiente de discussão.

A concentração das proposições para alterar a tributação sobre o consumo não ocorre por acaso. A taxação sobre bens e serviços representou nada menos do que 48,44% do total arrecadado no país em 2017, o último ano com os dados detalhados pela Receita Federal. Dos R$ 2,12 trilhões pagos em impostos em 2017 no Brasil, R$ 1,03 trilhão foram de tributos sobre o consumo, cobrados por todas as esferas: União, estados e municípios. O percentual está significativamente acima do recolhido com a folha de salários (26,12%) e representa mais do que o dobro do que representa no bolo o que é pago em tributos sobre a renda (19,22%). O Imposto Sobre Circulação de Mercadorias, Bens e Serviços (ICMS), de competência dos estados e do Distrito Federal, é o principal do país.

 

“Tributamos muito o consumo porque, apesar de a carga tributária representar quase 33% do PIB, nosso nível de renda é muito baixo. Na ponta, um nível baixo de renda faz com que o montante de receita gerado para o Estado seja muito menor do que o observado em países desenvolvidos que tenham uma carga tributária semelhante ou até inferior”, explica Bins. Conforme os comparativos da Receita Federal tomando por base o ano de 2016, a carga tributária geral no país fica só dois pontos abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os chamados países desenvolvidos (em sua quase totalidade, com PIB per capita e Índice de Desenvolvimento Humano elevados). Aqui, em 2016, ela era de 32,3% do PIB, enquanto que a média da OCDE ficou em 34,3%. Mas quando é feita segmentação por base de incidência, a carga tributária brasileira sobre bens e serviços, de 15,4%, supera a média da OCDE (11,2%). É a terceira mais elevada em uma lista de 34 países, atrás apenas da Hungria e da Grécia, e à frente de Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia, Reino Unido, França e Alemanha. A concentração de uma maior carga tributária sobre o consumo gera um alto grau da chamada “regressividade”. Porque se todos pagam o mesmo imposto sobre os bens e serviços que consomem, obviamente para os que têm renda menor, este imposto representa uma fatia maior do orçamento. As PECs 45 e 110 não atacam diretamente a questão da regressividade e da correção de distorções nesta linha, em que pese que tanto Appy como Hauly defendam que elas possuem mecanismos que ajudam a corrigir os problemas, principalmente no longo prazo.

Autor de estudos sobre desigualdade e tributação que são referência no país, o ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Rodrigo Orair, concorda que é positivo substituir vários impostos por um só, “moderno, não cumulativo, no destino e transparente para a população”. Mas ressalva que será mantida uma das alíquotas mais altas do mundo, tanto em função do alto índice de informalidade do país (que segue batendo recordes), como do fato de que os autores das propostas evitaram perdas de receitas para qualquer uma das esferas de arrecadação (federal, estaduais e municipais). “Do ponto de vista arrecadatório, as propostas são neutras. Nem progressivas e nem regressivas. As projeções que faço indicam que teremos um IBS com alíquota de 26,9%. Para se ter uma ideia, a maior alíquota sobre bens e serviços entre os países da OCDE, a da Hungria, é de 27%”, explica.

Segundo ele, uma alternativa para avançar mesmo que minimamente em direção a uma taxa menor pode ser feita na própria proposta que o Congresso decidir apreciar. Ela é possível através da inserção de um dispositivo com medidas de previsão de ampliação na base de incidência do imposto de renda, ou outras coisas de propriedade, e estimativas de que os ganhos de arrecadação com estas medidas sejam deduzidos para fins de cálculo do IBS. A combinação poderia, no futuro, baixar a taxa para um patamar entre 22% e 23%.

“Do ponto de vista arrecadatório, as propostas são neutras. Nem progressivas e nem regressivas. As projeções que faço indicam que teremos um IBS com alíquota de 26,9%. Para se ter uma ideia, a maior alíquota sobre bens e serviços entre os países da OCDE, a da Hungria, é de 27%”

“O IBS tem um papel: capacidade de canalizar recursos de maneira eficiente para políticas públicas. Do ponto de vista da federação, tem um grande potencial para equalizar, porque hoje privilegiamos muito a origem. Do ponto de vista social, minimiza um pouquinho, mas vai continuar regressivo. Perseguir metas redistributivas com o IBS não é uma boa ideia, ele não tem esse objetivo nem deveria ter. Pode até fazer com alíquota seletiva, mas a experiência tem mostrado que isso não funciona muito bem. O lugar por excelência para você definir objetivos redistributivos do lado da tributação é o imposto de renda”, assegura Orair.

Entre pesquisadores, advogados tributários e economistas é consenso de que no atual sistema os mais ricos pagam proporcionalmente menos imposto e contam com mais isenções do que os mais pobres e também dos que que se situam em faixas intermediárias de renda. A característica, foco de dezenas de estudos, é corroborada pelos dados oficiais da Receita Federal. A Receita divide os contribuintes em 17 faixas de renda, que começam em um patamar de até meio salário mínimo e vão a um topo de 320 salários mínimos ou mais. Conforme os dados do Imposto de Renda da Pessoa Física exercício 2018, ano calendário 2017, 29,1 milhões de brasileiros declararam rendimentos que, somados, totalizam R$ 2,94 trilhões. Deste montante, R$ 908 bilhões foram de rendimentos isentos. São rendas como lucros, dividendos, rendimentos de proprietários de microempresas, aplicações financeiras, doações e heranças. Os dados da Receita mostram que, nas declarações de 2018, entre aqueles que estão na faixa mais alta de renda, acima de 320 salários mínimos, o percentual de rendimentos isentos e não tributados foi de 70,13% dos rendimentos totais. Já na média das cinco faixas que compreendem rendimentos entre um e 10 salários mínimos, os rendimentos isentos representaram 13,67% dos totais.

 

“Quem é assalariado já começa a pagar imposto de renda se tiver um salário a partir de R$ 2,3 mil, que, a rigor, é uma renda muito baixa. Há uma tributação muito alta sobre salários, em detrimento de uma tributação sobre capital. Dividendos não pagam imposto de renda. Por exemplo: tributa o lucro em 15% e quando distribui não tributa mais”, elenca Bins, que considera já haver espaço para a discussão de um conceito de tributação maior sobre o capital ao invés do salário. “Isso acabaria por gerar mais atividade econômica, já que a grande fatia da população que possui um nível de renda baixo e, por isso, também pouca capacidade de poupança, muito provavelmente vai consumir tudo o que deixar de pagar em tributos”, aposta. Na avaliação de Orair, apesar de estar posto, o debate sobre a questão da desigualdade ainda é incipiente. “A redução do imposto de renda, por exemplo, foi promessa de campanha. Mas, se você reduz alíquota, ou reduz também deduções ou amplia base de incidência. São opções que precisam ser feitas”, resume. Outra proposta com mudança na tributação sobre a renda discutida durante a campanha eleitoral de 2018 e que chegou a ser ventilada pela equipe econômica do atual governo, a isenção de IR para quem recebe até cinco salários mínimos mensais, também não foi levada adiante até agora. “Idealmente é um objetivo a ser buscado. Mas, na prática, tenho curiosidade de saber onde seriam buscadas as compensações”, conclui o professor Fossati.

De modo geral, na comparação com as relações e cadeias intrincadas que envolvem renda e consumo, do ponto de vista da arrecadação seria mais “simples” a adoção de uma taxa sobre movimentações financeiras que servisse para compensar a desoneração da produção – leia-se extinguir impostos e/ou diminuir a contribuição previdenciária patronal. Com variações, a proposta é explorada de forma recorrente pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra e consta na PEC 128/2019 e na emenda apresentada pelo PSL à PEC 45.

Mas, de acordo com tributaristas e economistas, ela esbarra em uma lista de senões. Há a experiência negativa da população com a antiga Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira, a CPMF. Há a falta de um imposto similar em outra parte do mundo e o fato de debates do gênero nunca terem prosperado nos chamados países ricos, como Estados Unidos e Alemanha, ou mesmo no grupo dos muito ricos, como Suécia e Dinamarca. Há um imposto sobre operações financeiras, o IOF, que já é aplicado. E a constatação de parte dos especialistas de que esta forma de tributo acaba penalizando contribuintes que, por diferentes motivos, não são os destinatários de recursos que por vezes passam por suas contas bancárias, e isso não se refere a dinheiro de origem ilícita.

“No Congresso não passa” resumiu a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, senadora Simone Tebet (MDB/MS), no início da semana, durante passagem pelo RS. Segundo Bins, uma taxação sobre movimentações financeiras, seja o nome que receba, inspira cuidados porque, nas cadeias produtivas, não é neutra, provoca incidência cumulativa e, por consequência, tem efeitos econômicos em série, o que pode representar perda de eficiência. “Se essa for mesmo a opção do governo, talvez uma alternativa seja a de uma taxa muito baixa e, principalmente, compensatória com o imposto de renda. Isso faria com que alguns que estão na informalidade e não pagam nada de imposto pagassem um pouquinho. E, quem já paga, compensaria na declaração do IR”, estima.

É possível aprovar uma reforma tributária sem que o governo tome à frente das negociações? Há uma disposição de discutir uma reforma ampla e um ambiente favorável à aprovação. A intenção, aparentemente, tanto na Câmara como no Senado, é aprovar ainda neste ano em pelo menos uma das casas. No passado, sempre se esperava que as propostas melhor elaboradas tecnicamente viessem do Executivo. Mas a PEC 45 é resultado de um trabalho feito fora do governo, foi encampada pelo Parlamento e é muito consistente. Então, não é preciso aguardar pelo Executivo. Por outro lado, é óbvio que é muito mais fácil aprovar uma reforma com o Executivo colocando seu capital político. Não é impossível aprovar a reforma tributária sem a participação do governo, mas certamente é mais difícil.

Entrevista com Bernard Appy

 

É possível aprovar uma reforma tributária sem que o governo tome à frente das negociações?

Há uma disposição de discutir uma reforma ampla e um ambiente favorável à aprovação. A intenção, aparentemente, tanto na Câmara como no Senado, é aprovar ainda neste ano em pelo menos uma das casas. No passado, sempre se esperava que as propostas melhor elaboradas tecnicamente viessem do Executivo. Mas a PEC 45 é resultado de um trabalho feito fora do governo, foi encampada pelo Parlamento e é muito consistente. Então, não é preciso aguardar pelo Executivo. Por outro lado, é óbvio que é muito mais fácil aprovar uma reforma com o Executivo colocando seu capital político. Não é impossível aprovar a reforma tributária sem a participação do governo, mas certamente é mais difícil.

Por que o setor de serviços é resistente à proposta?

Porque uma alíquota uniforme para todos os bens e serviços gera aumento de preços relativos em boa parte dos serviços prestados ao consumidor. Só que serviços que estão no meio da cadeia não serão prejudicados. Ao contrário, serão favorecidos. Hoje eles pagam tributos como ISS ou PIS/Cofins, ainda que com alíquotas baixas, mas não geram créditos para os tomadores. A PEC 45 prevê o pagamento de alíquota mais alta, mas com geração de crédito integral para o tomador. Na soma entre o que o prestador paga e o tomador recupera, há redução de carga. Mas sim, há aumento de preços relativos nos serviços prestados para consumidor final, porque aí não gera crédito, e esta é uma discussão que o Congresso vai ter que fazer. É claro que deverá levar em conta que toda a vez que você diferencia tributação, gera contencioso, maior custo. E os maiores consumidores de serviços são as famílias de alta renda. As de baixa renda consomem mais mercadorias. Quando se tributa menos os serviços ao consumidor final do que as mercadorias, está se tributando menos o que o rico consome do que o que o pobre consome.

O senhor está dizendo que de alguma maneira a PEC abrange o debate da questão distributiva?

Chamam o que está sendo proposto na PEC 45 de simplificação, mas, na verdade, é revolução, a maior mudança no sistema tributário brasileiro desde os anos 60. Esta “simplificação” pode, em 15 anos, aumentar o poder de compra das pessoas em mais de 10%. E esta é uma expectativa conservadora. É a diferença entre o país crescer 1,5% ao ano e 3% ao ano, durante mais de 10 anos, e as pessoas certamente vão sentir.

Mas ainda será preciso enfrentar a questão distributiva e de tributação da renda?

No Brasil, parcela relevante da população de alta renda paga pouco imposto de renda e isto é um problema sério. Acontece principalmente, mas não apenas, quando é pago pouco imposto na empresa e distribuído o lucro isento à pessoa física. Se pagasse integral na empresa, 34%, e distribuísse lucro isento, não seria grande problema distributivo. O problema é quando paga muito menos na empresa e distribui isento. Mas é necessário separar a discussão da questão qualitativa do sistema (eficiência econômica e crescimento) da questão distributiva. É um pouco mais complicado do que as pessoas costumam levar à discussão.

Existe uma confusão entre simplificação e redução da carga. A PEC 45 pode gerar redução da carga?

Para reduzir carga tem que cortar gastos, não há outra forma. Principalmente em um país onde os gastos são ultrarrígidos. A discussão sobre redução da carga deve ser feita via discussão de gastos. O foco da PEC 45, e também da 110, é a qualidade do sistema e o fato de que um sistema de má qualidade pode ter impacto muito negativo sobre o crescimento da economia.

Todos, pessoas físicas e jurídicas, no Brasil, entendem que pagam muito em impostos. Pagamos muito?

Para um país com nosso grau de desenvolvimento, sim. Mas é uma opção da sociedade referente ao seu nível de gastos. E falta transparência. Neste sentido, a PEC 45 ajuda muito, porque torna o custo de financiamento do governo na parte de tributação do consumo absolutamente transparente.

Na comparação com outros países, nosso sistema é ruim?

Do ponto de vista de tributação de bens e serviços, temos com certeza o pior do mundo. O ideal, no que se refere a tributação de consumo, é o da Nova Zelândia. É um pouco nossa referência na PEC 45. Mas é fato que se trata de um país bem menor. Há vários bons sistemas: Austrália, África do Sul, Chile, Canadá e diversos países do Leste Europeu. Já os países da Europa Ocidental, do ponto de vista da tributação do consumo, têm sistemas antigos e com muitas exceções, mesmo que melhores que o brasileiro. Os Estados Unidos são o único país relevante do mundo sem IVA. Eles tem o imposto que incide só na venda para o consumidor final e tributação sobre consumo muito baixa. Em um país com pouca sonegação no varejo e alíquota baixa seria possível adotar o modelo norte-americano. Mas ele é impossível com alíquota alta e alta sonegação no varejo. No Brasil não tem a menor chance.

As propostas de uma nova CPMF ajudam ou atrapalham?

No meu entendimento, redução linear da contribuição patronal é um erro. É necessário desonerar folha, mas existem formas distintas de fazer isso, e com impactos muito diferentes sobre formalização, inclusive distributivos. Uma parte da desoneração pode ser financiada via correção das distorções na tributação da renda, há todo um debate sobre tributação da propriedade e, até, possibilidades de caráter ambiental. E é possível tirar da folha as contribuições que não têm nada a ver com benefício previdenciário: Sistema S e salário-educação. A contribuição da empresa acima do teto do salário de contribuição também não guarda relação com benefício. Na verdade é um imposto de renda. E, terceiro, e, para mim, o mais sério: contribuição da folha sobre o primeiro salário mínimo. Na prática, para o trabalhador que contribui sobre um salário, esse benefício é irrelevante. Ele não está financiando sua aposentadoria, está só financiando algum benefício de risco, como auxílio-doença. Na verdade, contribuindo ou não, aos 65 anos de idade vai receber um salário mínimo. O que poderia ser feito é, no salário mínimo, manter uma contribuição baixa, para financiar o benefício de risco. E qualquer real a mais que contribuísse sobre a folha adquiriria benefício adicional proporcional. Isso deveria vir associado à criação de uma renda básica do idoso universal e não contributiva.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895