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Por Helio Gurovitz

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O relator da comissão especial da Reforma da Previdência, Samuel Moreira, durante reunião com técnicos no Ministério da Economia — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O texto da reforma da Previdência que deverá ser apresentado hoje pelo relator, deputado Samuel Moreira, inclui mudanças importantes na proposta inicial do governo.

Excluem temas controversos que dificilmente obteriam a maioria qualificada de três quintos nas duas casas do Congresso, necessária para a aprovação, entre eles a obrigatoriedade de os sistemas previdenciários estaduais e municipais adotarem as mesmas regras do federal.

As mudanças acarretarão uma redução da ordem de 45% no impacto da reforma nas contas públicas, levando em conta as estimativas feitas pela Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão apartidário ligado ao Senado. O Executivo avaliava que as economias iniciais somariam, entre 2020 e 2029, R$ 1,24 trilhão. As mudanças aventadas no relatório acarretariam as seguintes reduções:

  1. Exclusão das novas regras para a aposentadoria rural: R$ 92,4 bilhões;
  2. Redução na idade mínima nas aposentadorias especiais e de professores: até 69,6 bilhões;
  3. Exclusão das mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a deficientes e idosos carentes: R$ 34,8 bilhões;
  4. Exclusão das mudanças no pagamento do abono salarial: 169,4 bilhões.

Apenas tais alterações já encolheriam as economias no período de dez anos para R$ 870,3 bilhões. Outras alterações, como a exclusão da criação de um regime de capitalização e a obrigatoriedade de manter as regras previdenciárias no texto constitucional, não têm impacto imediato nas contas, mas contribuem para dificultar a manutenção de um sistema estável e flexível no futuro.

O maior impacto nas contas públicas deriva da exclusão de estados e municípios da reforma. Apenas nos estados, sem contar municípios, a economia ao longo de dez anos é estimada em R$ 350,7 bilhões, segundo a IFI, se obrigados a adotar as regras do setor federal.

O impacto total da reforma nas contas públicas era inicialmente previsto em R$ 1,59 trilhão em uma década. Com todas as exclusões e sem a extensão obrigatória a estados e municípios, cairia a quase metade, entre R$ 800 bilhões e R$ 900 bilhões.

O único objetivo das mudanças é garantir a viabilidade política do projeto no Congresso. Moreira avalia que incluir estados e municípios no texto geraria conflitos e atrasaria a aprovação na Comissão Especial, prevista num cenário otimista para o próximo dia 27. No plenário, a questão poderia voltar ao texto por meio de uma emenda. A votação na Câmara é esperada para julho.

É uma estratégia duvidosa, pois os conflitos num plenário de 513 deputados tendem, por óbvio, a ser maiores que numa comissão de 49. O mais preocupante: todas as concessões esperadas para a aprovação do projeto já foram feitas no relatório de Moreira. Como dificilmente passará ileso pelos grupos de pressão nos plenários da Câmara e do Senado, o mais provável é que seja ainda mais diluído – e que as economias caiam ainda mais.

Há inúmeros equívocos no discurso de manutenção das regras atuais, sobretudo naqueles que atacam a reforma afirmando que ela prejudica os mais pobres. Nenhum caso é tão eloquente quanto a preservação do BPC tal como é hoje, recusando antecipar a assistência aos necessitados por causa do fetiche do salário mínimo (leia mais aqui).

Os mais afetados pela reforma pertencem à elite do funcionalismo público. Será uma enorme vitória para o país se o Congresso extinguir os privilégios deles, unificando os sistemas previdenciários e mantendo as alíquotas de contribuição da proposta original (elas caem a 7,5% para os mais pobres e chegam a 17% para os mais ricos).

O alívio nas regras de transição àqueles que, contratados antes de 2003, têm direito a se aposentar com vencimentos integrais e de manter os mesmos reajustes dados ao pessoal da ativa (privilégios conhecidos como "integralidade" e "paridade") já representa uma concessão gigantesca ao lobby do funcionalismo. O mesmo vale para a redução na idade de aposentadoria dos professores, cuja justificativa é fragílima.

A maior concessão (e pior mudança) no relatório de Moreira é a exclusão das previdências estaduais e municipais. O déficit atuarial das duas soma R$ 2,4 trilhões (R$ 1,97 trilhão para estados e R$ 447 bilhões para municípios). As aposentadorias beneficiam elites locais que se aposentam cedo e usufruem o benefício por períodos longos.

Mais que isso, a Previdência tem impacto decisivo na crise das contas públicas estaduais. Segundo a Secretaria do Tesouro, 14 dos estados brasileiros já desrespeitam as regras da Lei da Responsabilidade Fiscal. Vários enfrentam dificuldades nas assembleias legislativas para aprovar mudanças que os tirem da bancarrota. A inclusão na reforma tornaria inevitável pelo menos a mudança na Previdência.

Ela é a mais importante porque seu peso nas contas públicas tem crescido de modo explosivo. Entre 2008 e 2017, as despesas com pessoal cresceram de 43% (145 bilhões) para 61% (805 bilhões) das despesas totais nos estados. Desse crescimento, mais de 65% foram destinados ao pagamento de aposentadorias e pensões. Apenas em quatro estados e no Distrito Federal a Previdência está no azul.

Não foi por outro motivo que 25 governadores encaminharam carta ao Congresso pedindo a inclusão da obrigatoriedade no texto da reforma. Sabem que, para mexer na Previdência nas assembleias, a luta política será desgastante, sem garantia de êxito.

Infelizmente, os deputados, muitos dos quais concorrerão a prefeituras no ano que vem, não querem que seus nomes estejam associados às mudanças. Preferem empurrar a conta da impopularidade aos conterrâneos. O plenário do Congresso deveria ter mais maturidade para lidar com o assunto. É justamente para fazer mudanças necessárias, mas impopulares, que a população de uma democracia precisa de seus representantes eleitos.

— Foto: Arte/G1

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