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Economia

Há pouco espaço para desidratar mais a reforma da Previdência, dizem especialistas

Economistas alertam para ganho fiscal menor que o estimado pelo governo; votação em 2º turno na Câmara será em agosto
Votação da reforma da Previdência na Câmara. Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo
Votação da reforma da Previdência na Câmara. Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

RIO - Após a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara, o governo anunciou que o texto asseguraria uma economia de cerca de R$ 900 bilhões em dez anos, abaixo da previsão original. Economistas avaliam que o ganho fiscal será ainda menor e que, por isso, haverá pouco espaço no Senado para uma nova desidratação. A reinclusão de estados e municípios ao projeto é a principal dúvida, dizem. O provável relator do projeto na Casa, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), disse ao GLOBO que a chance é grande.

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A estimativa oficial leva em conta os destaques (propostas feitas pelos deputados) aprovados na última sexta-feira na Câmara. Projeções mais otimistas, como a do economista Paulo Tafner, apontam para uma economia de R$ 820 bilhões a R$ 860 bilhões.

Entre as mais pessimistas está a de Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), que previa uma economia de R$ 744 bilhões com o texto-base (sem as mudanças feitas pelos deputados). Ele vai rever o número para baixo nesta semana, para dimensionar a perda com as alterações feitas por meio de destaques.

Privilégios mantidos

Antes de seguir para o Senado, ainda é possível que haja mudanças no texto na votação em segundo turno na Câmara. Ela deve ocorrer em agosto.

— Acho que não desidrata mais do que já foi. Sempre fica a perspectiva de alterar alguma coisa quando vai de uma Casa para outra, e normalmente os efeitos são sempre de desidratar, por se tratar de uma reforma pouco simpática, mas tenho minhas dúvidas se será alguma alteração expressiva — diz Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Desde o princípio, os economistas tinham previsões mais conservadoras que o governo. Quando o projeto original foi encaminhado à Câmara, em fevereiro, a estimativa de Tafner, um dos maiores especialistas em Previdência, era de economia de R$ 1,060 trilhão em dez anos, abaixo do R$ 1,2 trilhão com que trabalhava a equipe econômica.

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Após mudanças feitas pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP), a previsão do economista já havia caído para R$ 960 bilhões, reduzida ainda mais com as alterações feitas pelos deputados.

A reforma em três tempos
Especialistas estimam valores diferentes dos previstos pelo governo para o impacto fiscal do projeto que muda a Previdência
(em R$ bilhão)
Estimativa
oficial
Estimativa de
Paulo Tafner
Estimativa do Instituto
Fiscal Independente
1.200
1.060
995
Texto
original
Texto-base aprovado
na Câmara
Principais mudanças: exclusão de estados e municípios; novas regras de transição para servidores e trabalhadores do INSS; alterações no BPC e aposentadoria rural foram excluídas
954,9*
960
744*
*incluindo a receita com o aumento de 15% para 20% da CSLL
Texto final aprovado na
Câmara com destaques
Principais mudanças: tempo mínimo de contribuição voltou a ser de 15 anos; regras mais brandas para professores e policiais federais; alterações na pensão por morte
Cerca de
900
820 a 860
Ainda não foi calculado
A reforma em
três tempos
Especialistas estimam valores diferentes dos previstos pelo governo para o impacto fiscal do projeto que muda a Previdência
(em R$ bilhão)
Estimativa oficial
Estimativa de Paulo Tafner
Estimativa do Instituto Fiscal Independente
Texto original
1.200
1.060
995
Texto-base aprovado na Câmara
954,9*
960
744*
Principais mudanças: exclusão de estados e municípios; novas regras de transição para servidores e trabalhadores do INSS; alterações no BPC e aposentadoria rural foram excluídas
*incluindo a receita com o aumento de 15% para 20% da CSLL
Texto final aprovado na Câmara
com destaques
Cerca de 900
820 a 860
Ainda não foi calculado
Principais mudanças: tempo mínimo de contribuição voltou a ser de 15 anos; regras mais brandas para professores e policiais federais; alterações na pensão por morte

Segundo ele, entre os pontos que mais pesaram para a redução do impacto da reforma está a nova regra de transição criada pelo relator, que estabelece um pedágio de 100% sobre o tempo que falta para se aposentar, com idade mínima de 60 anos para os homens e 57 para as mulheres.

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Essa transição garante a integralidade (aposentadoria igual ao último salário) e a paridade (mesmos reajustes da ativa) para os servidores pré-2003. No caso dos trabalhadores do INSS, a regra pode assegurar um caminho mais rápido para se receber o teto do benefício a quem já está no mercado de trabalho, dependendo da idade do contribuinte. O impacto dessa regra, pelos cálculos de Tafner, seria de cerca de R$ 70 bilhões.

Para ele, a reforma falha em combater privilégios:

— Reduz muito, mas não acaba. Integralidade, por exemplo, é um privilégio, isso não existe no restante do mundo. A mesma coisa, o tratamento diferente para policiais e professores .

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A redução da idade mínima de professores e policiais federais, assim como a manutenção do tempo de contribuição na aposentadoria por idade em 15 anos (no texto original seriam 20 anos) são outros pontos que reduziram o impacto fiscal da reforma, diz o economista. Essas mudanças foram incorporadas ao texto por meio de destaques.

Tafner ponderou que o governo tem acesso a uma base de dados mais completa, e que quando se trabalha com um período longo, como dez anos, essas diferenças entre as projeções, que parecem grandes, não ficam tão significativas. Para ele, mesmo desidratado, o texto aprovado é motivo de comemoração:

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— Há dois anos a proposta de reforma da Previdência do Temer ficou em R$ 400 bilhões em dez anos, e não foi aprovada. Então essa é uma vitória importante.

As regras de transição mais brandas para servidores e trabalhadores do INSS também impactaram o cálculo feito pela IFI. O economista Felipe Salto salienta ainda as perdas com a retirada do texto das mudanças para aposentadoria rural (R$ 50 bilhões) e para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e deficientes de baixa renda (28,7 bilhões).

O economista Nelson Marconi, responsável pelo programa de governo de Ciro Gomes na campanha de 2018, também critica a manutenção da integralidade e da paridade para servidores que ingressaram até 2003, além da possibilidade de acumular duas aposentadorias. A reforma limita o acúmulo de benefícios, como aposentadorias e pensões, mas permite o recebimento de uma aposentadoria do regime de servidor, com outra do regime do INSS, por exemplo.

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— Quem tem acúmulo de aposentadorias normalmente são pessoas que têm um nível de renda muito alto, como um juiz que também dá aulas em universidades, por exemplo. Essa pessoa vai alegar que contribuiu sobre os dois empregos, e até aí tudo bem. O problema é que essa contribuição não é suficiente para pagar esse tipo de aposentadoria — explica.

Fábio Zambitte, professor de Direito Previdenciário do Ibmec RJ, também acredita que a reforma não combate privilégios porque essa é uma questão estrutural do país, e não apenas previdenciária.

— O Brasil é uma sociedade desigual, e a aposentadoria é mais uma consequência do que a causa dessa desigualdade. É preciso haver outras reformas, como a tributária — avalia.

Clima favorável

A exclusão dos estados e municípios da reforma também foi criticada pelos economistas. E, apesar de haver a expectativa de essa questão ser retomada no Senado, há uma preocupação dos especialistas com relação às pressões para que as mudanças não atinjam os servidores estaduais e municipais.

Para Raul Velloso, os problemas que impediram a inclusão dos entes federativos na reforma vão continuar presentes no Senado. Além disso, caso o texto seja aprovado com mudanças, ainda terá que voltar pra Câmara, onde as alterações podem ser vetadas.

— Reformas de Previdência são sempre etapas de um processo permanente, não se impede que mais adiante se façam outras. No que diz respeito ao INSS essa reforma foi a que tocou em mais pontos, mas deixou a desejar em relação aos estados e municípios — disse Velloso.

Para Zambitte, a inclusão dos entes no Senado irá depender da articulação do governo em favor da reforma, assim como da condução do assunto por parte do presidente da Casa, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).

— Na Câmara, o presidente Rodrigo Maia teve papel fundamental. No senado, vai depender de como o presidente vai conduzir. O clima geral é favorável. A maioria dos estados está quebrada, e aí alguma adequação seria importante.