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De olho nas contas públicas


Conheça a instituição do Senado que alerta o governo para desequilíbrios fiscais que colocam em risco a economia, o emprego e serviços públicos como saúde, educação e segurança

Ricardo Westin
Publicado em 11/7/2019
Edição 683
Economia

No fim de 2016, um novo personagem passou a fazer parte do noticiário econômico brasileiro: a Instituição Fiscal Independente (IFI). Trata-se de um órgão que o Senado criou dentro de sua própria estrutura, composto de economistas, com a missão de vigiar a política fiscal do país.

O que a IFI faz, em resumo, é passar um pente-fino nas cifras referentes às receitas e aos gastos do governo e, assim, revelar o estado das contas públicas.

Para os cidadãos comuns, os relatórios que a IFI apresenta todos os meses podem parecer uma numeralha sem aplicação prática. É uma impressão equivocada.

Contas públicas fora de controle (principalmente por causa de gastos altos demais) produzem efeitos colaterais graves. Em uma frente, os juros de bancos e lojas ficam elevados e o desemprego dispara. Em outra, começa a faltar dinheiro para as políticas públicas, comprometendo áreas como saúde, educação e segurança. Para tentar compensar a escassez de recursos, o governo pode acabar cobrando mais impostos da população.

Em inglês, existe um termo informal para referir-se a uma entidade como a IFI: watchdog (cão de guarda). A instituição “late” assim que detecta algo estranho na política fiscal, alertando para o desequilíbrio e permitindo que o governo e o Congresso Nacional tomem medidas corretivas.

O economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI desde que foi criada, explica:

— Quando a IFI ajuda o país a ter disciplina fiscal, a sociedade é a grande favorecida, pois a economia funciona melhor e há mais recursos para as políticas públicas. Longe de ser uma abstração, a política fiscal tem impacto direto e concreto na qualidade de vida dos cidadãos.

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (foto: Pedro França/Agência Senado)

No mundo das finanças, há uma brincadeira que diz que os números podem ser torturados até transmitirem a informação desejada, mesmo que ela não seja verdadeira. Isso significa que balanços e estatísticas são facilmente manipuláveis. Sabendo disso, a IFI submete as planilhas e análises produzidas pelo governo a exames cuidadosos e capazes de apontar enviesamentos.

O processo que resultou no impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 2016, teve como base a acusação de falhas na condução da política fiscal. No período que antecedeu a eleição presidencial de 2014, os gastos federais com políticas públicas dispararam sem que houvesse arrecadação suficiente para cobri-los. O governo, então, passou a adiar o pagamento de grandes valores que devia a bancos públicos, sem mostrar isso nos balanços, dando a impressão de que as contas públicas estavam no azul. Essa manobra contábil ficou conhecida como pedaladas fiscais.

Finanças públicas equilibradas garantem verbas para educação, saúde e segurança

Segundo o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que foi o relator do processo de impeachment no Senado, as manobras contábeis do governo passaram despercebidas no começo e só seriam notadas mais tarde, quando a situação já estava fora de controle.

— Se a IFI já existisse naquele momento, ela certamente teria alertado para os problemas logo no início e o Congresso poderia ter tomado providências para que a situação não chegasse a tal ponto — afirma.

Anastasia lembra que, mesmo passados três anos do impeachment, as finanças públicas permanecem deficitárias e a economia ainda não se recuperou da recessão de 2015-2016:

— As consequências [das pedaladas] foram o aumento da dívida pública e a perda de confiança dos agentes econômicos, dos investidores e das pessoas. O Brasil sente essas consequências negativas até hoje.

O economista Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas (ONG dedicada a fiscalizar os gastos públicos), concorda que não havia transparência fiscal na época das pedaladas:

— Nem mesmo os bancos privados, que dispõem de grandes estruturas para acompanhar de perto a política fiscal, perceberam no início que havia um problema. Todos acreditaram nos números oficiais sem fazer uma análise mais profunda. Não pode ser assim. É sabido que qualquer governo procura esconder o que está indo mal e mostrar, até inflar, o que está indo bem. O grande mérito da IFI é lançar um olhar imparcial sobre os dados oficiais, retirar deles todo o viés político.

Economista Gil Castello Branco e senador Antonio Anastasia (fotos: Pedro França/Agência Senado)

A IFI foi uma resposta do Senado à crise fiscal decorrente das pedaladas. A criação do órgão foi sugerida pelo senador José Serra (PSDB-SP) em 2015, encampada pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e aprovada pelo Plenário em 2016, logo depois do impeachment.

Além de vigiar a situação presente, a Instituição Fiscal Independente faz projeções para o curto, o médio e o longo prazo. Isso é particularmente útil para o Congresso Nacional no estudo de projetos de lei que exigem recursos públicos para serem executados.

Senadores Renan Calheiros e José Serra (fotos: Marcos Oliveira e Jefferson Rudy / Agência Senado)

Nos últimos tempos, a IFI tem publicado análises do impacto que a proposta de reforma da Previdência terá sobre as contas públicas, considerando cada modificação que a Câmara dos Deputados vem fazendo no texto. São subsídios confiáveis que ajudam os parlamentares a decidir como votar.

— A IFI dá transparência aos números reais — diz Serra. — Esse tipo de transparência é essencial porque evita que tomemos decisões equivocadas, caras para os cofres públicos e pouco eficientes para o cidadão, e que no futuro passemos pelos mesmos maus pedaços dos últimos tempos, que interditaram a política econômica.

Imprensa noticia com frequência estudos da IFI (imagem: reprodução/O Estado de S. Paulo)

Além dos relatórios mensais de acompanhamento fiscal e análises de projetos de lei, a IFI publica com regularidade uma série de outros estudos ligados às finanças públicas. Neles, já abordou temas como as contas do FGTS, o sistema previdenciário dos estados, os efeitos da redução da taxa básica de juros e o impacto das renúncias fiscais.

A IFI não é uma invenção brasileira. Atualmente, 40 países contam com conselhos fiscais semelhantes. Um dos mais antigos é o dos Estados Unidos, o Congressional Budget Office (Escritório de Orçamento do Congresso, em tradução livre), fundado em 1974.

Assim como ocorreu no Brasil, foi somente após alguma turbulência que a maioria dos países se deu conta de que era preciso fiscalizar com rigor a política fiscal. Dos 40 conselhos existentes no mundo, a abertura de pelo menos 20 — em especial na Europa —, foi motivada pela crise financeira mundial de 2008.

O adjetivo “independente” no nome da IFI tem motivo. Apesar de pertencer ao Senado, a Instituição Fiscal Independente está blindada da interferência de senadores. Os três economistas que a compõem têm mandato com tempo determinado, o que impede que sejam demitidos ao sabor dos ventos políticos. Eles não podem ter filiação partidária. Antes de tomar posse, passam por sabatina e votação no Senado. Os diretores são assessorados por uma equipe de seis economistas.

O trabalho da Instituição Fiscal Independente não se confunde com o do Tribunal de Contas da União (TCU). Enquanto a IFI é um "cão de guarda" que apenas "late", o TCU "late" e também "morde". O tribunal tem poder para condenar o governo por má gestão do dinheiro público.

Além disso, a instituição do Senado se debruça apenas sobre os balanços financeiros, os grandes números, ao passo que o TCU analisa se os projetos federais efetivamente receberam e utilizaram os recursos previstos.

Dessa diferença de atribuições, resulta que a IFI consegue atuar com bastante agilidade. As análises são feitas com rapidez e logo em seguida estão nos jornais e nos sites de notícias. No TCU, por sua vez, o processo precisa ser lento, já que envolve investigação, denúncia, designação de ministro relator, espaço para defesa e julgamento pelos demais ministros.

No ano passado, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) apontou a criação da IFI e a aprovação da PEC do Teto de Gastos como as medidas mais importantes até então tomadas pelo Brasil na busca do equilíbrio das contas públicas.


Reportagem: Ricardo Westin
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição multimídia: Bernardo Ururahy
Editora de fotografia: Pillar Pedreira
Infografia: Diego Jimenez
Estagiária: Ana Luisa Araujo
Foto de capa: Ana Volpe/Agência Senado