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Reforma tributária: o que nos impede de avançar?

nenhuma das propostas de reforma tributária colocadas na mesa de debate, nas últimas décadas, vingou politicamente, seja pelos conflitos federativos envolvidos na redistribuição de receitas, seja pelo boicote dos diferentes grupos

Por Rodrigo Octávio Orair e Sérgio Wulff Gobetti
Atualização:

Existe há longo tempo no Brasil um amplo consenso sobre a necessidade de reformar nosso sistema tributário, em especial o caótico modelo de tributação do consumo, marcado pela sobreposição de tributos federais, estaduais e municipais e por incontáveis ineficiências econômicas. Porém, nenhuma das propostas de reforma tributária colocadas na mesa de debate, nas últimas décadas, vingou politicamente, seja pelos conflitos federativos envolvidos na redistribuição de receitas, seja pelo boicote dos diferentes grupos de interesse que atuam na sociedade e no Parlamento.

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A proposta sintetizada na PEC 45, fruto da experiência com as tentativas fracassadas de reforma do passado, busca de forma inteligente e pragmática lidar com vários desses conflitos distributivos, ao prever uma transição bastante longa tanto para implementação do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição a cinco outros tributos (ICMS, ISS, IPI e PIS/Cofins), quanto para redistribuição de receitas com base nos novos critérios, que inegavelmente tornariam nosso sistema tributário e federativo mais justo e equilibrado.

Para citar um exemplo do enorme poder redistributivo da reforma, a diferença entre a maior e a menor receita per capita de ICMS/ISS entre os municípios cairia gradualmente de aproximadamente 270 vezes para até 6 vezes. Nossas simulações também indicam uma transferência gradual de recursos fiscais das unidades federadas mais ricas para as menos desenvolvidas, mudança esta que poderá proporcionar um aumento de receita das regiões mais pobres da ordem de R$ 28 bilhões anuais (em valores atuais) ao final da transição. Só o governo do Estado e os municípios do Maranhão teriam um ganho de R$ 5 bilhões (aumento de 77%), recursos estes que poderiam ser utilizados em uma política de investimentos e de desenvolvimento regional mais eficiente do que a promovida hoje por meio da guerra fiscal.

Além disso, é preciso lembrar que Estados e municípios terão autonomia para fixar alíquotas diferentes – maiores ou menores – daquelas que seriam inicialmente colocadas como referência do IBS. A diferença é que o imposto seria devido ao local de consumo (e não mais de produção), como ocorre no mundo mais desenvolvido.

A reforma também pode tornar nossa carga tributária sobre consumo muito mais equilibrada ao prever alíquotas uniformes (iguais para todos os bens e serviços). No Brasil do futuro, caso a PEC 45 seja aprovada, não seria possível um Estado cobrar 25% ou até 30% de ICMS sobre energia elétrica e gasolina e, ao mesmo tempo, praticamente isentar de imposto outras atividades ou grupos de empresas que financiam as campanhas eleitorais dos políticos locais.

No Brasil do novo IBS, indústria e serviços seriam submetidos à mesma carga tributária, e o consumidor saberia exatamente quanto de imposto está pagando. Saberia também o que esse imposto está financiando, uma vez que sua alíquota seria fracionada pelas distintas finalidades, como saúde e educação.

A uniformização deverá beneficiar a maior parte da sociedade brasileira, seja pela redução da alíquota média da maioria das mercadorias (compensada pela maior tributação de serviços hoje subtributados), seja pelo dispositivo da PEC que prevê a devolução do imposto para as pessoas de baixa renda. Ou seja, um mecanismo que permite atenuar a regressividade, concentrando a desoneração nos mais pobres, conforme recomenda a literatura internacional.

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Por fim, é necessário esclarecer que o modelo foi construído para não haver aumento da carga tributária, uma vez que as alíquotas de referência do novo imposto serão calibradas de forma a reproduzir exatamente a mesma arrecadação de hoje. Esse princípio é garantido pelo modo como o IBS será instituído, iniciando com uma alíquota de 1% que vai sendo ajustada para compensar a perda de arrecadação com a eliminação dos antigos tributos. Ao final de 10 anos, restará um único imposto moderno com o mesmo patamar de arrecadação atual.

A despeito das inegáveis vantagens sobre o sistema que temos hoje, a proposta de reforma está sendo bombardeada por juristas e tributaristas de renome (vide artigo publicado neste jornal em 26 de julho), que não têm embaraço de enumerar, entre as razões de sua oposição, o fato de que os escritórios de advocacia (que hoje pagam baixo ISS e PIS/Cofins, a exemplo de outros prestadores de serviços) provavelmente serão mais onerados no novo modelo.

Por isso, para avançar no debate político e aprovar a reforma tributária, é preciso separar as críticas construtivas, como a que os secretários estaduais de fazenda estão formulando, das críticas feitas por aqueles que, no fundo, desejam defender o status quo e manter tudo como está. A hora é de somar forças pela mudança e modernização de nosso sistema tributário.

*RODRIGO O. ORAIR É MESTRE EM ECONOMIA PELA UNICAMP, PESQUISADOR DO IPEA E EX-DIRETOR DA INSTITUIÇÃO FISCAL INDEPENDENTE DO SENADO FEDERAL (IFI) e SÉRGIO W. GOBETTI É DOUTOR EM ECONOMIA PELA UNB, PESQUISADOR DO IPEA E EX-SECRETÁRIO-ADJUNTO DA SECRETARIA DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA ECONOMIA

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