Blog do Helio Gurovitz

Por Helio Gurovitz

Diretor de redação da revista Época por 9 anos, tem um olhar único sobre o noticiário. Vai ajudar você a entender melhor o Brasil e o mundo. Sem provincianismo


Deputados reunidos na CCJ para discutir a reforma da Previdência na semana passada — Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

O governo enfrenta hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara seu primeiro teste político real no Parlamento. Está prevista a votação do parecer recomendando a instauração da Comissão Especial da reforma da Previdência.

Para a CCJ aprová-lo, são necessários 34 dos 66 votos. Na tentativa de obter apoio dos partidos do Centrão que resistiam a apoiá-lo (em especial PP e PR), o governo aceitou retirar da reforma quatro pontos:

  1. O fim do pagamento da multa de 40% do FGTS na demissão de aposentados;
  2. A possibilidade de mudar as aposentadorias compulsórias do setor público por lei complementar – um jabuti que facilitaria a antecipação da compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e permitiria ao governo Jair Bolsonaro indicar mais juízes e aparelhar o tribunal segundo seus interesses;
  3. A determinação da Justiça Federal do Distrito Federal como instância exclusiva no julgamento das ações contra a reforma da Previdência;
  4. A determinação de que apenas o Poder Executivo poderia propor novas mudanças previdenciárias.

Permaneceram no projeto dois pontos que deverão ser retirados na Comissão Especial: a instauração de um regime previdenciário de capitalização (um dos pilares da reforma defendidos pelo ministro Paulo Guedes) e as mudanças nas regras de concessão do abono salarial (que representam R$ 150 bilhões na economia total de R$ 1,1 trilhão, estimada pelo governo em dez anos).

A oposição pretende adiar a votação na CCJ, sob o argumento de que o governo não divulgou os estudos que serviram de base para as estimativas de economia e para a formulação da reforma, apesar das sucessivas solicitações de parlamentares e da imprensa, lançando mão até da Lei de Acesso à Informação.

O governo argumenta que as informações usadas no cálculo são estratégicas e poderiam comprometer a tramitação da reforma. É um argumento risível, que misturar duas fraquezas.

Primeiro, não tem sentido lógico, já que toda nova informação só reforçaria os argumentos favoráveis à reforma. Segundo, revela insegurança sobre o efeito dos dados, ao tentar antecipar o impossível: o uso que a oposição faria deles. Não cabe ao governo manipular a reação a informações que devem ser públicas. Seu dever consiste em ser transparente e publicá-las.

Na noite de ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, informou ter fechado um acordo com o secretáro da Previdência, Rogério Marinho, para que os estudos que embasaram a reforma sejam divulgados logo depois da votação na CCJ, na próxima quinta-feira. A oposição, com razão, estrilou. Se há informações relevantes que podem interferir na votação, o certo é divulgá-las antes, não depois.

É nesse clima de guerra que a CCJ se reunirá daqui a pouco para apreciar o parecer do deputado Marcelo Freitas. Pela composição da comissão, os votos do Centrão garantem a aprovação. Mas os oposicionistas têm à disposição diversas manobras protelatórias, entre elas obstruções regimentais e recursos à Justiça (o STF já negou o primeiro).

A vitória na CCJ daria ao governo um alento diante do acúmulo de notícias negativas no campo econômico. O Banco Central divulgou ontem outra queda nas previsões do mercado para o crescimento este ano (de 1,95% para 1,71%). A indústria continua estagnada. O desemprego persiste. Categorias como caminhoneiros e petroleiros articulam protestos. A popularidade de Bolsonaro paga o preço.

Mesmo que passe na CCJ, a reforma deverá ser desfigurada na Comissão Especial. Além do regime de capitalização e das mudanças no abono, deverão ficar de fora também as novas regras da aposentadoria rural e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), concedido a deficientes ou idosos incapazes de comprovar tempo de contribuição.

Apenas com essas exclusões, as economias previstas pelo projeto cairiam de 1,1 trilhão a R$ 844 bilhões em dez anos, de acordo com as estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. É provável que as mudanças não fiquem por aí – e as economias caiam ainda mais.

Em outras circustâncias, se obtivesse economias de R$ 800 bilhões, o governo poderia cantar vitória. A última versão da reforma do governo Michel Temer mal chegava a R$ 600 bilhões. Mas o ministro Guedes faz questão de repetir sua meta de R$ 1 trilhão.

Pois o famigerado trilhão não sairá da Comissão Especial de jeito nenhum. Ao insistir numa meta numérica, Guedes, com sua proverbial inexperiência política, já transformou por antecipação qualquer vitória do governo em derrota.

— Foto: Arte/G1

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