Incertezas na economia acendem sinal de alerta

O futuro presidente da República vai assumir o comando de um país com sérios problemas de endividamento e sem recursos para fazer investimentos, já que as despesas obrigatórias tomam praticamente todo o Orçamento. Se nada for feito, o governo se verá obrigado a cortar gastos obrigatórios. O país precisa de reformas, para reestruturar os gastos e os tributos.

As estimativas de crescimento, segundo o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019, de 3,0% do PIB, foram feitas em abril, mês em que o projeto chegou ao Congresso. De lá para cá, muita coisa mudou. Daqui até janeiro de 2019, muita coisa deve mudar.

As despesas discricionárias, destinadas a custeio e investimentos, deverão ter queda de R$ 30,5 bilhões, na comparação de 2018 para 2019, atingindo R$ 98,4 bilhões no próximo ano.

A previsão de déficit nos orçamentos Fiscal e a Seguridade, contida na LDO, é de R$ 139 bilhões (1,84% do PIB). Será o sexto ano consecutivo em que o resultado primário, que não considera o pagamento de juros, se apresenta negativo, contribuindo para o aumento do endividamento bruto para R$ 5,812 trilhões (77,7% do PIB).

O déficit global dos regimes de Previdência é estimado em R$ 288,3 bilhões, sendo R$ 214,7 bilhões para o Regime Geral (INSS). As renúncias tributárias para 2019 são da ordem de R$ 303,5 bilhões. Entre as principais renúncias estão o Simples e a desoneração da cesta básica.

O engessamento dos orçamentos e a necessidade de reformas são temas abordados há vários anos. A reforma da Previdência, que esteve na mesa de trabalho de Dilma Rousseff e foi proposta por Michel Temer, continuará em pauta, na campanha eleitoral e na montagem do próximo governo, após a proclamação do resultado da eleição presidencial.

Projeções em queda

Algumas projeções, como a da retomada da atividade econômica e o quadro fiscal pioraram este ano. As projeções para o crescimento do PIB para 2018, que já estiveram em torno dos 3,0%, caíram abaixo de 2,0%.

Os dados do mercado de trabalho, levantados pelo IBGE na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), mostram que a taxa de desemprego, em abril, foi de 12,9% da força de trabalho. O índice apresenta queda de 0,7 ponto em relação a abril de 2017, mas representa 13,4 milhões de trabalhadores.

A piora na recuperação da atividade econômica já fez uma vítima potencial no terreno eleitoral. O ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, teve a pré-candidatura ferida de morte.

O PIB completou cinco trimestres positivos consecutivos, depois da forte recessão de 2015 e 2016, de -3,5% em cada ano. Este foi o grande mérito de Meirelles. Mas o resultado veio abaixo do esperado, como no caso do primeiro trimestre, divulgado no final de maio, que foi de 0,4%

O desempenho da economia é apontado pela opinião pública como uma das razões para a rejeição do governo Michel Temer, que atingiu 82%, segundo pesquisa Datafolha que começou a ser divulgada no domingo, 10. Este é um problema para Meirelles.

“A recuperação da economia continua lenta e incerta”, afirma Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Sendo Federal, na apresentação do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de junho, divulgado no início da semana.

Felipe Salto considera que é preciso cautela nas previsões para o PIB. A Instituição Fiscal Independente mantém até aqui a projeção de 2,7% de crescimento, mas admite que as dificuldades enfrentadas pela economia argentina e os efeitos da paralisação do transporte de cargas de maio sobre a atividade econômica apontam para a expansão do PIB de 1,9%. A IFI pretende fazer uma revisão das estimativas quanto houver informações mais precisas das pesquisas conjunturais para quantificar esses impactos.

“O que se sabe é que o resultado pós-crise é pior do que aquele que vinha sendo projetado até abril”, diz Felipe Salto.

As coisas podem piorar, com o cenário internacional afetado pela elevação dos juros nos Estados Unidos. O nosso Banco Central tratou de antecipar o fim do ciclo de queda da Selic, mantendo os 6,5 a.a., diante de um cenário externo que o Comitê de Política Monetária (Copom) classificou como “desafiador”.

As coisas também podem melhorar, com a continuidade gradual da recuperação da economia, mas a disputa eleitoral, com um desfecho de difícil previsibilidade, não favorece essa hipótese.

Quadro fiscal

A IFI avalia que o governo Temer vai conseguir cumprir a meta de déficit primário deste ano (de menos R$ 159 bilhões), ainda que as medidas adotadas em atendimento a reivindicações do transporte de cargas devam ter um impacto total no resultado da ordem de R$ 7,4 bilhões. O Relatório de Acompanhamento Fiscal chama a atenção para o fato de que os números acendem o “sinal de alerta para a gestão da política fiscal”.

Felipe Salto, do IFI. Foto Ag. Senado

O diretor-executivo da IFI considera que o resultado primário parou de piorar, mas as custas da contenção de investimentos e de receitas extraordinárias, de baixa correlação com a atividade econômica.

Pelas contas da IFI, o governo também deve ficar muito

próximo do limite de gastos estabelecido pelo Novo Regime Fiscal (Emenda Constitucional 95/2016). Este ano, o teto de gastos primários é de R$ 1,347 trilhão.

Para cumprimento da regra ouro da política fiscal, pela qual as operações de crédito da União não podem ser superiores às despesas de capital (investimentos), o projeto da LDO de 2019 prevê autorização para inclusão de receitas e despesas no Orçamento, condicionadas à aprovação de um projeto de crédito suplementar ou especial. A área econômica do governo prevê, para o próximo ano, um déficit de R$ 254,3 bilhões para cumprimento da regra de ouro.

O descumprimento da regra implica crime de responsabilidade do presidente da República. Processado por crime de responsabilidade, um presidente pode sofrer impeachment.

O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), apresentou, nesta quarta-feira, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 423/2018) alterando a regra.

Por via das dúvidas, o próximo presidente que se cuide.

Melhor dizendo, o Brasil que se cuide.

▪ Em tempo: A edição do Relatório de Administração Fiscal, assim como estudos especais e notas técnicas produzidas pela Instituição Fiscal Independente, podem ser acessados no site https://www12.senado.leg.br/ifi.

 Carlos Lopes é jornalista e diretor da Agência Tecla / Informação e Análise

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