Economia

Crise política e arrecadação fraca ameaçam o cumprimento da meta fiscal

Crise política e arrecadação fraca ameaçam o cumprimento da meta fiscal

É duvidosa a capacidade do governo de terminar o ano com o rombo contido em R$ 139 bilhões. A expectativa com receitas extraordinárias pode ser frustrada

LUIS LIMA E PATRIK CAMPOREZ
12/07/2017 - 20h56 - Atualizado 13/07/2017 16h38

Desde que assumiu o poder, o presidente Michel Temer elegeu a estabilidade econômica como a principal meta de seu governo. “Não fale em crise, trabalhe” foi uma das frases de seu discurso de posse, em maio do ano passado. Desde então, alguns avanços foram obtidos, como a queda da inflação e dos juros, além de um início de reação na indústria. A relativa calmaria em que a economia se encontra motivou até uma mudança de discurso. Na semana passada, o próprio Temer chegou a afirmar que a crise econômica nem sequer existia, em uma declaração que lembrou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que ficou famoso por seus prognósticos descolados da realidade. A crise é real e a situação pode piorar muito. Entre outros fatores que podem dar errado, basta o governo se mostrar incapaz de reordenar suas contas. E, no momento, cresce o risco de descumprimento da meta de R$ 139 bilhões neste ano, resultado de gastos maiores do que as receitas. 

"O risco concreto de frustração das arrecadações, da ordem de R$ 19,3 bilhões, poderá elevar o déficit primário anual do governo federal para mais de R$ 161 bilhões, caso nenhuma medida compensatória seja adotada", alertou o Tribunal de Contas da União (TCU), em parecer enviado aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, nesta quarta-feira (12). Economistas e analistas de mercado consultados por ÉPOCA também desconfiam da real capacidade do governo de honrar esse compromisso, sobretudo pelo excesso de expectativa de arrecadação de receitas extraordinárias concentradas no terceiro trimestre.

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“A crise política respinga, sobretudo, nas condições de mercado para a venda de ativos, como a BR Distribuidora e a Caixa Seguridade, e também para as concessões, que representam cerca de metade das receitas extraordinárias”, avalia Luiz Castelli, economista da GO Associados. A consultoria estima um déficit em torno de R$ 143 bilhões. No total, o governo espera arrecadar R$ 54,9 bilhões com receitas atípicas neste ano, 17% a mais do que o esperado em 2016. Só com concessões, estima-se uma injeção de até R$ 28 bilhões.

Meta fiscal (Foto: ÉPOCA)

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Desde a crise global de 2008  o governo apela para receitas não recorrentes para fechar suas contas. Neste ano, no entanto, o desafio é maior, devido à fraqueza da arrecadação. “Em 2017, o país apresentou uma queda real [descontada a inflação] nas receitas tributárias. Isso em comparação com um 2016 já muito ruim”, diz Vilma da Conceição Pinto, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Em 12 meses, o rombo orçamentário do setor público está na casa de 2,5% do PIB em 12 meses. A meta neste ano é um déficit de 2,1% do PIB (R$139 bilhões). “Quando se excluem receitas não recorrentes do cálculo do déficit público, como uma forma de identificar a situação efetiva das contas públicas, o déficit salta para algo como 3,3% do PIB”, alertou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, em artigo recente. 

Arrecadação (Foto: ÉPOCA)

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que acompanha as contas públicas, projeta um rombo parecido com o da GO, de R$ 144,1 bilhões. Além da incerteza com o resultado da venda de ativos, a entidade cita dúvidas com o novo Refis (programa de regularização tributária). “Se não aprovarmos as reformas [trabalhista e da Previdência], será mais difícil fazer o ajuste. Pensar que todo o ajuste seja feito só no lado da despesa é ilusório. Precisamos de um cenário mais positivo com a queda da relação dívida sobre o PIB”, disse o diretor executivo, Felipe Salto, após a divulgação do relatório da entidade referente ao mês de julho. Menos de 10% do Orçamento é passível de cortes adicionais e, com a aprovação do teto de gastos, essa margem tende a ficar cada vez mais comprimida, já que a inflação (índice usado para a definição do limite de gasto) está recuando. “Em termos de despesas, já estamos fazendo um esforço hercúleo”, avalia o economista da Modal Asset, Daniel Silva, que projeta um rombo de R$ 150 bilhões neste ano. 

Dívida (Foto: ÉPOCA)

 

Se pesar a mão do lado da despesa, os economistas também alertam para o risco da suspensão de serviços relevantes à população, em áreas como transporte e infraestrutura. Um exemplo recente foi a suspensão temporária da emissão de passaportes pela Polícia Federal (PF). Essa ameaça deve fazer o governo ser mais cauteloso na hora de descontingenciar mais recursos do Orçamento. Em maio foram liberados R$ 3,1 bilhões e, segundo o jornal Valor Econômico, mais R$ 4 bilhões poderiam ser liberados. Até o momento, a previsão de contingenciamento de despesas é de R$ 38,9 bilhões. 

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Diante desse impasse, cresce a perspectiva de aumento da Cide, imposto sobre combustíveis, com potencial de arrecadação anual em torno de R$ 10 bilhões. “Também voltou a se falar na venda de ações do Banco do Brasil para fazer caixa no fundo de estabilização fiscal e na possibilidade, menos nobre, de jogar para a frente parte dos restos a pagar”, diz Fábio Klein, economista da Tendências Consultoria. Segundo ele, o governo fará de tudo para não ter de rever a meta, o que seria uma péssima sinalização para o mercado. Uma fonte graduada da equipe econômica reforça essa percepção. “Qualquer problema com leilões ou concessões, e podemos tirar essa [projeção de] receita da perspectiva do ano. Colocamos outras que não iriam entrar antes. É um balanço de risco que vamos trabalhando”, afirmou a fonte. 

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Nas contas do governo, para cada boa notícia há uma ruim. A aprovação do projeto sobre os precatórios depositados há mais de dois anos e não sacados pelos beneficiários deve render R$ 8,6 bilhões aos cofres públicos. Em compensação, os analistas são unânimes ao avaliar que, neste ano, a nova etapa do programa de repatriação de recursos não declarados no exterior deve frustrar as expectativas de arrecadação, de R$ 6,7 bilhões. Além disso, a crise política deve afugentar potenciais interessados em leilões estratégicos, como os de hidrelétricas – cujos editais ainda nem foram publicados. O impasse atual do governo é entre a prudência fiscal e uma maior flexibilidade no Orçamento, em meio à fragilidade dos cenários político e econômico. 

Primário (Foto: ÉPOCA)

Outras fontes de incerteza são os leilões de petróleo e da Lotex, braços de loteria instantânea da Caixa. O novo relatório bimestral de receitas e despesas será divulgado até o próximo dia 22 deste mês e deve trazer atualizações sobre o que o governo esperar cortar ou arrecadar. O cenário, contudo, deve continuar nebuloso, em meio à indecisão sobre a permanência de Temer no poder. “O mercado está torcendo para uma definição rápida [da crise política]. Se Temer cair, o [Rodrigo] Maia assumir, dinheiro pode entrar, se mantidas a equipe e a política econômica”, diz Castelli, da GO.

O governo quer acelerar a votação da denúncia de corrupção passiva na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o que pode acontecer na próxima sexta-feira (14). Depois disso, o tema segue para o plenário da Casa, onde precisa do aval de 342 deputados para ser enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Se isso acontecer, Temer é afastado por 180 dias e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assume interinamente a Presidência até a convocação de eleições indiretas.

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