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José Paulo Kupfer José Paulo Kupfer
José Paulo Kupfer, colunista do GLOBO Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Conta fiscal em cobrança

Anúncio de aumento de tributos reflete inversão de prioridades que deu ênfase total ao corte de despesas em detrimento da devida atenção às receitas

O governo resistiu a jogar a toalha e aumentar tributos para alcançar a meta fiscal do ano, mas, do ponto de vista estritamente prático, o anúncio do recurso à elevação de alíquotas em contribuições cobradas do consumo de combustíveis, não mereceria nem a repercussão nem as tensões políticas que está causando. Para começar, era uma pedra há muito cantada, desde que ficou evidente o exagerado otimismo do governo em relação à recuperação da economia e, na sua esteira, das receitas tributárias correntes (ver, a propósito, o artigo “Pressão sobre a meta fiscal”, de 7 de julho, em https://glo.bo/2sObdei, neste mesmo espaço).

Além disso, o efeito econômico negativo desses aumentos não será assim tão importante. Com uma previsão de adicionar cerca de R$ 10 bilhões às receitas estimadas para este ano, considerados suficientes para fechar a conta, o peso da manobra sobre o bolso das famílias e empresas tende a ser mínimo. Ainda mais quando se recorda que a carga tributária, atingida pela produção retraída, o desemprego nas alturas e a redução dos lucros, se encontra em queda. Também não preocupa o impacto sobre uma inflação muito enfraquecida pela demanda sem forças e a ausência de choques de oferta.

Se, contudo, uma elevação pontual e limitada de tributos não deveria trazer tantas preocupações, o mesmo não se pode dizer de outros elementos da política fiscal. Um desses elementos tem a ver com o crescente esforço do governo na busca de receitas extraordinárias para cumprir as metas. À medida que as receitas tributárias com origem na atividade econômica apresentam recuperação muito lenta e instável, crescem os esforços para encontrar recursos fiscais extraordinários. Nisso a equipe econômica do governo Temer está deixando pouco a pouco de se diferenciar das anteriores.

Gráfico elaborado pelos especialistas José Roberto Afonso e Vilma Pinto, ambos do Ibre/FGV-RJ, publicado no “Blog do Ibre”, mostra que, de 2011 até agora, as receitas não recorrentes contribuem com parcelas crescentes do volume total arrecadado pelo chamado governo central. De lá para cá, as receitas totais do governo federal mantiveram-se no entorno de 19% do PIB, mas a parcela recorrente trilhou uma trajetória descendente, chegando agora às vizinhanças de 16% do PIB.

Recentes escaramuças da equipe econômica com um Congresso resistente à liberação de receitas, embora muito longe da virulência do ataque ao governo Dilma, chegam a lembrar as “pautas-bomba” que contribuíram para inviabilizar as tentativas de equilibrar a economia dos ex-ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa e, no fim do processo, a própria permanência da ex-presidente no cargo. A postergação da reoneração de folhas de pagamento, a generosidade nos abatimentos dos Refis e as limitações nos saques pela Fazenda de precatórios inativos são apenas alguns casos mais evidentes na lista de frustrações de receitas extraordinárias propostas pelo governo e bombardeadas no Congresso.

Depois de um déficit fiscal primário de R$ 29 bilhões em maio, os números de junho não serão muito melhores. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado Federal que acompanha a evolução das contas públicas, projeta nova vantagem de despesas primárias sobre receitas, no mês passado, da ordem de R$ 20 bilhões. O Relatório Bimestral de Receitas e Despesas Primárias, previsto para ser divulgado hoje, reconhecerá a necessidade de aumentar tributos para fechar a conta.

Anunciar aumentos de impostos, como alternativa à revisão da meta fiscal ou a novos cortes de despesas essenciais, doure-se a pílula como se quiser, configura uma derrota da equipe econômica. Reflete uma possível inversão de prioridades na área fiscal, a partir da ênfase quase exclusiva no corte e controle de gastos, sem a devida atenção para as receitas, cujas consequências tendem a se estender no tempo, até que a recuperação econômica ganhe tração. Evidencia também a existência de uma dura lei não escrita, segundo a qual a competência de uma equipe econômica, independentemente da excelência dos currículos de seus integrantes, varia na razão inversa da capacidade do governo que a montou de controlar o Legislativo.

José Paulo Kupfer é jornalista

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