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Sem dinheiro para a meta

O governo deve abandonar a atual meta fiscal. Roteiro seria mais claro se parlamentares e membros do Judiciário também se considerassem responsáveis

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Por Redação
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Com arrecadação bem abaixo da prevista, o governo deve abandonar a meta fiscal prometida para este ano, um déficit primário de R$ 139 bilhões em suas contas, e propor um alvo menos ambicioso. O novo objetivo deve ser um rombo igual a R$ 159 bilhões ou muito próximo – uma repetição da cifra contabilizada em 2016. O mesmo valor poderá ser acrescentado ao déficit programado para 2018, ampliando-o para R$ 149 bilhões. O assunto foi discutido em reunião do presidente Michel Temer com ministros e parlamentares, na quinta-feira passada, mas o anúncio de uma decisão, inicialmente esperado para o mesmo dia, foi adiado, provavelmente para o começo da semana. A discussão incluiu medidas para redução de gastos e elevação de receitas, mas os presidentes da Câmara e do Senado se opuseram a qualquer aumento de tributos.

Um aumento de R$ 20 bilhões no déficit primário projetado para este ano coincidirá, praticamente, com as estimativas divulgadas pela Instituição Fiscal Independente, um órgão técnico do Senado. Pelos novos cálculos publicados, o déficit primário, isto é, sem a conta de juros, deverá chegar a R$ 156,2 bilhões em 2017. O cenário para 2018 também é ruim, com estimativa de um buraco de R$ 153,3 bilhões.

“Não é crime revisar a meta fiscal, e, quanto antes, melhor”, disse o diretor executivo da instituição, economista Felipe Salto, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Ele estima um crescimento econômico de 0,46% neste ano, com retração de 0,3% no trimestre de abril a junho.

A cada mês o balanço das contas federais confirma a frustração de receitas, embora o resultado de junho tenha apontado um início de recuperação. Vários fatores têm prejudicado a arrecadação federal.

A recuperação econômica, embora sensível em vários segmentos da produção, tem sido insuficiente para a necessária geração de tributos. Em segundo lugar, o baixo nível de atividade continua a refletir-se em sonegação ou atraso de recolhimento de impostos e contribuições. Em terceiro, fatores políticos têm impedido a obtenção de receitas extraordinárias.

A reoneração da folha salarial de cerca de 50 setores deveria, segundo o plano do governo, produzir resultado a partir deste ano, mas a resistência de congressistas frustrou essa expectativa. Além disso, a Medida Provisória do novo Refis, o programa de regularização oferecido a devedores do Fisco, foi amplamente desfigurada no Congresso. A expectativa inicial de arrecadar cerca de R$ 13,3 bilhões já neste ano foi abandonada.

Finalmente, até um evento positivo atrapalhou os planos da equipe econômica. A inflação acumulada em 12 meses foi de 2,71% até julho, a menor desde o começo de 1999. Ficou abaixo até do limite inferior da meta oficial, fixado em 3%. A forte desaceleração da alta de preços afetou a base tributária. Como os impostos e contribuições incidem sobre valores nominais, o Fisco perdeu.

Medidas para reforço das contas federais serão provavelmente anunciadas nos próximos dias. O cancelamento de reajustes previstos para servidores do Executivo em 2018 deve proporcionar uma economia de R$ 9 bilhões. Estuda-se também a criação de um teto de R$ 5 mil para salários iniciais de funcionários, além de cortes em auxílio-moradia e em outros benefícios. Chegou-se a falar de um aumento do Imposto de Renda para faixas superiores, mas o assunto foi abandonado. O presidente Michel Temer desmentiu pessoalmente o aperto tributário.

Confirmado o afrouxamento das metas fiscais deste ano e do próximo, será preciso rever as projeções de ajuste dos anos seguintes. Mesmo sem reação negativa das agências de classificação de risco, um detalhe a ser verificado, o roteiro da política poderá ficar mais complicado. Será necessário mais tempo, quase certamente, para atingir um objetivo essencial da política, a contenção do endividamento público. O roteiro seria mais claro e mais seguro, se parlamentares e membros do Judiciário também se considerassem responsáveis pela saúde financeira do setor público. Isso ocorre nas democracias avançadas. No Brasil, o Executivo carrega a responsabilidade quase total.