Política

A contabilidade cruel das reformas

A contabilidade cruel das reformas

O Congresso, ao se concentrar na reforma política (e em seu interesse imediato), deixa de lado a avaliação da reforma da Previdência, crucial para a economia

DÉBORA BERGAMASCO E PATRIK CAMPOREZ
19/08/2017 - 09h00 - Atualizado 19/08/2017 09h00
Antônio Imbassahy da Secretaria de Governo,e Temer.A negociação no Congresso está difícil (Foto: EVARISTO SA/AFP)

Livre da primeira denúncia por corrupção feita contra ele pelo Ministério Público, o presidente Michel Temer reuniu seus conselheiros no final de semana de 5 e 6 de agosto. Incluiu parlamentares e integrantes de sua equipe no Executivo. Quis saber qual era o real tamanho de sua base de apoio. Mais que isso: quis indicações do empenho com que ela abraçará mais um desgaste diante da opinião pública, ao aprovar uma medida necessária, mas impopular – a reforma da Previdência.

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O cenário descrito é desolador. Temer não tem os 308 votos para aprovar o texto da reforma como está. O ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, continua a convocar os líderes dos partidos governistas na Câmara quase diariamente, a fim de atualizar a tabela de votos. Um dos líderes que colaboram com Padilha, ouvido pela reportagem, diz que as previsões parecem otimistas demais e não refletem a real dificuldade de avançar com essa apreciação.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), comprometeu-se com Temer a não pautar a matéria até que o governo sinta ter chances reais de vitória. O calendário dos sonhos do governo consiste em obter apoio suficiente nas próximas semanas e conseguir aprovação em setembro na Câmara e em outubro no Senado. “A atenção do governo está toda voltada à aprovação da simplificação tributária e à reforma da Previdência”, diz o ministro da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, um dos principais responsáveis pela negociação do Executivo com o Congresso.

Temer já foi convencido por parlamentares a fatiar a proposta e colocar em votação apenas temas pontuais, como idade mínima e regra de transição. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente declarou que será aprovada a reforma que for “possível”. A afirmação deixou a equipe econômica desconfortável, por dar a impressão de que o governo já desistiu dessa batalha. Mas, se desistiu, Temer, que conhece a cabeça de um parlamentar como ninguém, deve ter motivos para fazê-lo.

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O secretário da Previdência, Marcelo Caetano, disse a ÉPOCA não ter interpretado a fala de Temer como aceitação da versão mais diluída da reforma. Ele se lembra das manifestações anteriores de ceticismo que foram superadas – já se questionaram a disposição do governo para enviar a reforma ao Congresso, a ambição da proposta, as chances de aprovação dela na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Cada uma dessas dúvidas foi vencida. “Veio a votação da denúncia (de corrupção contra Temer) e só retomamos agora. Mas o discurso pró-reforma, antes, era muito concentrado na equipe econômica. Hoje, isso se ampliou”, afirma Caetano. “Outros ministros, o Rodrigo Maia, o Romero Jucá estão dando declarações mais veementes. Vejo uma posição de governo até mais forte do que via antes.”

Problema crescente (Foto: Época)


A proposta de reforma já perdeu bastante da força original. A partir de mudanças aceitas em abril, cálculos iniciais indicaram que cairia em um quinto a economia que ela geraria para os cofres públicos. Isso ocorreu por causa da flexibilização de cinco pontos do texto (regras de transição, aposentadoria rural, Benefício de Proteção Continuada, acúmulo de pensões e aposentadorias especiais de professores e policiais). Caetano estima que o potencial de economia já tenha caído em um quarto, em relação à proposta original. “Foram mudanças, como a das aposentadorias rurais, que beneficiaram uma camada mais pobre da sociedade, quem ganhava até um salário mínimo. Não foram servidores de alta renda os beneficiados”, diz. “Foi uma redução substancial e refletiu uma posição do Legislativo. Não vejo muito espaço para ficarmos discutindo outros níveis de redução (da economia a ser gerada) lá na frente.”

O governo já fez o cálculo. “Se não for aprovada pelo menos a idade mínima e o fim de parte dos privilégios a funcionários públicos, em 2022 chegaremos à situação-limite”, afirma um economista respeitado que presta consultoria ao governo na área. A situação-limite exigirá uma nova rodada de mudanças no sistema previdenciário, já no próximo governo. Isso porque, para manter o rigor fiscal num cenário em que os gastos previdenciários continuem avançando demais, o governo terá de abrir mão da quase totalidade dos gastos discricionários, aqueles sobre os quais o Executivo tem controle (o que inclui investimentos). 

No decorrer de 2017, o corte das despesas discricionárias tem sido executado com força total. Mas isso não basta. O Instituto Fiscal Independente do Senado revisou, na quinta-feira, dia 10, a projeção para o governo central de saldo primário (a diferença entre receitas e despesas, sem contar o pagamento de juros). O saldo negativo previsto para este ano cresceu de R$ 144 bilhões para R$ 156 bilhões. O rombo previsto para o ano que vem caiu de R$ 166 bilhões para R$ 153 bilhões. Ambos, porém, continuam acima do projetado pelo Executivo. E o diretor executivo do IFI, Felipe Salto, destaca as dificuldades para fazer essas projeções, pelo alto grau de incerteza – em relação a quanto o governo consegue cortar em suas despesas, ao aumento de arrecadação nos meses à frente, à incerteza das receitas extraordinárias e à recuperação claudicante da economia.

O gasto com o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) já saltou de 35% do gasto federal, duas décadas atrás, para 41%, hoje. Sem uma reforma adequada, ultrapassará os 70% em 2030. A velocidade do comprometimento do orçamento com a Previdência decorre da combinação entre benefícios elevados para parte da população e envelhecimento acelerado do país. A parcela de idosos na população deve passar de 8% em 2016 para 18% em 2030 e 27% em 2060. O cenário assustador se repete nos estados. Nenhum deles consegue que as contribuições com o sistema de Previdência chegue a 20% de sua receita líquida, mas 14 gastam mais que isso com aposentados e pensionistas. Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Pernambuco e Rio de Janeiro estão no topo da lista dos que mais gastam. Passou da hora de os congressistas perceberem a urgência do problema e se empenharem em resolvê-lo.








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