Economia

Cumprimento da meta pode exigir mais cortes no futuro

Especialistas alertam para dificuldade em manter gastos no limite
Nota de cem reais e cinquenta reais Foto: Agência O Globo
Nota de cem reais e cinquenta reais Foto: Agência O Globo

BRASÍLIA - A decisão do governo de adotar um teto para os gastos públicos e, ao mesmo tempo, uma meta de resultado primário endureceu o ajuste fiscal. Tanto que, segundo integrantes da equipe econômica ouvidos pelo GLOBO, o maior desafio para 2017 e 2018 não é imposto pelo teto, e sim pela meta. Um sinal disso é que, para cumprir o compromisso de fechar este ano com um déficit primário de R$ 139 bilhões, ou 2% do Produto Interno Bruto (PIB), o governo teve de fazer um contingenciamento de despesas de R$ 42,1 bilhões e reonerar a folha de pagamento da maioria das empresas, a fim de reforçar o caixa. E especialistas não descartam que, para cumprir a meta nos próximos anos, o governo tenha de fazer novos cortes de despesas.

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A dificuldade para fechar as contas também fez o governo mudar a meta fiscal de 2018, aumentando a previsão de déficit primário de R$ 79 bilhões para R$ 129 bilhões. Mesmo assim, os técnicos da equipe econômica defendem que os dois instrumentos são essenciais para o reequilíbrio fiscal e para a retomada da confiança dos investidores no mercado brasileiro. Esses técnicos afirmam que, se apenas o teto — regra pela qual, por um prazo mínimo de uma década, as despesas de um ano só podem crescer com base na inflação do período anterior — estivesse em vigor, o país demoraria de cinco a seis anos para voltar ao azul.

Na conta da equipe econômica, o limite de gastos, que entrou em vigor em 2017, tem condições de melhorar o resultado primário em 0,5 ponto percentual do PIB por ano. Como as contas públicas terminaram 2016 com um déficit de R$ 154 bilhões, ou 2,5% do PIB, esse resultado seria gradualmente revertido em cinco anos, chegando a zero em 2021. Essa projeção leva em consideração que a economia vai crescer 2,5% a partir de 2018.

A evolução do déficit
Expectativa é que contas voltem ao azul em 2020
Resultados primários do Governo Central
93,530
88,276
78,980
77,072
71,322
56,340
39,215
Em R$ bilhões
-17,219
-115,003
-139,000
-154,255
Em % do PIB
2017*
2018*
2019**
2020**
Resultado
primário do
setor público
consolidado
% do
PIB
% do
PIB
% do
PIB
% do
PIB
R$ bilhões
R$ bilhões
R$ bilhões
R$ bilhões
Fonte: Ministério da Fazenda *Meta **Projeção
A evolução do déficit
Expectativa é que contas
voltem ao azul em 2020
Resultados primários
do Governo Central
Em R$
bilhões
Em %
DO PIB
56,340
71,322
39,215
78,980
93,530
88,276
77,072
-17,219
-115,003
-154,255
-139,000
2,07
2,29
1,18
2,03
2,14
1,83
1,45
-0,30
-1,92
-2,46
-2,07
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017*
2017*
Resultado
primário do
setor público
consolidado
% do
PIB
R$ bilhões
Discriminação
Resultado primário
do Governo Central
Empresas estatais
federais
Estados e municípios
-143,100
-139,000
-0,300
-1,100
-2,1
-2,1
0
0
2018*
% do
PIB
R$ bilhões
Discriminação
Resultado primário
do Governo Central
Empresas estatais
federais
Estados e municípios
-131,300
-129,000
-3,500
1,200
-1,8
-1,8
0
0
2019**
% do
PIB
R$ bilhões
-63,800
-65,000
-3,500
4,700
-0,8
-0,8
0
0,1
Discriminação
Resultado primário
do Governo Central
Empresas estatais
federais
Estados e municípios
2020**
% do
PIB
R$ bilhões
Discriminação
Resultado primário
do Governo Central
Empresas estatais
federais
Estados e municípios
23,200
10,000
-3,400
16,600
0,3
0,1
0
0,2
Fonte: Ministério da Fazenda *Meta **Projeção

No entanto, como o governo também precisa obedecer a uma meta de déficit primário, esse processo será acelerado. Com a meta fiscal, as projeções apontam que será possível reverter o resultado negativo mais rapidamente e já terminar 2020 com um superávit de R$ 10 bilhões. Isso acelera a trajetória de queda da dívida pública, que é o principal indicador de solvência observado pelos investidores.

— O mercado olha diretamente para o primário. O teto é uma medida estrutural que melhora a qualidade das despesas e quebra esse círculo no qual o governo aumentava a carga tributária para acomodar mais despesas — explicou um integrante do governo. — Mas a meta fiscal é um critério adicional de compromisso com a redução da dívida bruta, que saltou de cerca de 50% do PIB em 2013 para quase 70% em 2016.

Esse integrante destaca que o mercado já deu um crédito de confiança ao Brasil a partir de 2016, e a prova disso é que as taxas de juros cobradas pelos investidores para comprar títulos emitidos pelo governo caíram significativamente até agora. Uma NTN-B com vencimento em 2022, por exemplo, tinha taxa em torno de 7% ao ano no fim de 2016. Agora, esse valor está pouco acima de 5%.

PREVIDÊNCIA PODE AFETAR TETO

Especialistas, no entanto, ressaltam que a regra do teto e a meta fiscal deveriam estar mais próximos, o que não é o caso de 2017 e 2018. Para Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, o compromisso fiscal deste ano obrigou o governo a fazer um contingenciamento duro, que compromete os investimentos, e, ao mesmo tempo, a buscar fontes de receitas extraordinárias que podem não se confirmar nos anos seguintes. Do total de R$ 42,1 bilhões cortados do Orçamento, R$ 10,5 bilhões serão no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Pires e os próprios integrantes da equipe econômica destacam que, a partir de 2019, o desafio fiscal virá do teto, que ficará mais difícil de cumprir. Como a correção das despesas virá da inflação, que está em queda, o limite ficará mais apertado, e o governo terá de enfrentar desafios como pressões por reajustes dos servidores e para liberar recursos para saúde e educação. Isso ficará especialmente difícil, dependendo de como a reforma da Previdência for aprovada no Congresso. O texto já sofreu diversas modificações, que reduziram em R$ 170 bilhões a economia projetada pelo governo em dez anos. Quanto mais suave ficar a reforma, maior será a pressão sobre os demais gastos ao longo do tempo.

Segundo Pires, um teto para os gastos seria suficiente para garantir o equilíbrio das contas públicas no futuro. Isso, no entanto, só ocorrerá a partir do momento em que o Brasil voltar a registrar saldos primários positivos, e a dívida pública se estabilizar:

— Isso (adoção apenas de um teto) vai acontecer quando a casa estiver arrumada. A tendência é que isso ocorra naturalmente. Por enquanto, ainda há insegurança em relação a abrir mão de um resultado primário. Os analistas e formadores de opinião ainda querem ver isso. Mas já está claro que a convivência das duas regras é difícil.

CONTINGENCIAMENTO NECESSÁRIO

No primeiro relatório de acompanhamento das contas públicas da Instituição Fiscal Independente (IFI), o diretor executivo do órgão, Felipe Salto, também apontou um descolamento grande entre o teto de gastos e a meta fiscal. De acordo com a entidade, mesmo com o teto, o governo terá de cortar despesas sistematicamente até 2024 para garantir o resultado primário.

O documento destaca: “Estão em vigência hoje duas regras. Ocorre que o ritmo imposto pela aplicação da regra do teto para as despesas públicas promoverá uma recuperação importante do resultado primário. Contudo, essa recuperação está desacoplada da política de metas de primário. A evolução do resultado primário mostra uma necessidade de contingenciamento muito expressiva.”