LDO tem atraso longo pela quinta vez em sete anos

Guilherme Oliveira | 09/10/2019, 18h08

Com a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) nesta quarta-feira (9), o Congresso Nacional retoma uma tendência que se repetiu várias vezes na década atual: o texto que orienta a elaboração e a execução orçamentária do governo federal só virou lei no último trimestre do ano. É a quinta vez que isso acontece desde 2013.

Segundo a Constituição Federal, o Congresso não pode entrar em recesso no mês de julho sem aprovar a LDO. O atual calendário legislativo — com o recesso indo de 17 de julho a 1º de agosto — passou a valer em 2006. Naquele ano, com eleições nacionais e um parlamento tensionado por diversos processos de cassação de parlamentares, a LDO só foi aprovada em dezembro. Nos seis anos seguintes, porém, o prazo sempre foi cumprido.

A partir de 2013 teve início uma sequência de quatro anos em que a LDO foi sempre adiada para o fim do ano. A aprovação mais célere desse período se deu no próprio 2013, no dia 20 de novembro. Nos demais anos a lei ficou para o mês de dezembro, em alguns casos sendo aprovada no mesmo dia da Lei Orçamentária Anual (LOA), cujo texto ela deveria embasar. Em 2017 e 2018 o Congresso cumpriu o prazo da LDO, mas em 2019 voltou a incorrer na demora.

A LDO define as metas e prioridades da administração federal para o orçamento do ano seguinte. Ela contém a programação das despesas obrigatórias do governo (como salários e aposentadorias) e disposições sobre transferências e emendas parlamentares. Também traz a meta de desempenho fiscal do país, as principais projeções macroeconômicas (como a meta de inflação, a expectativa de crescimento do PIB e a definição do salário mínimo), consolida as mudanças feitas na legislação tributária e define a política de aplicação dos recursos das agências de fomento.

O estabelecimento de um prazo para a LDO se explica porque ela direciona a elaboração do projeto da LOA, que diz de onde vem o dinheiro público e como ele será usado pelo governo. A ideia é que o Congresso se ocupe da LDO no primeiro semestre, tenha as diretrizes orçamentárias bem alinhadas e trabalhe na LOA no segundo semestre. Ambas as leis são de iniciativa do Poder Executivo.

Entre 1989 e 2005, período em que o recesso se iniciava no dia 30 de junho, o prazo foi descumprido nove vezes, mas nunca por mais de dois meses. O maior atraso ocorreu em 1994, quando a lei foi sancionada no dia 30 de agosto.

O projeto da LOA para o ano de 2020 (PLN 22/2019) foi encaminhada em agosto. Como a LDO não estava finalizada, o Executivo se baseou na versão provisória das diretrizes: o projeto de lei que ele enviou no início do ano. Rafael Fraia, consultor orçamentário do Senado, explica que, ao não concluir a LDO no prazo, os parlamentares perdem a oportunidade de acrescentar prioridades ao planejamento financeiro do país.

— Normalmente o Legislativo coloca programações que entende que devem estar destacadas. Se a LDO estivesse aprovada com esses pedidos, quando o Executivo fizesse a LOA, ele teria que prestar atenção neles.

Sem as intervenções do Congresso, a LOA é elaborada também com menos supervisão e fiscalização parlamentar. Como a LDO restringe o que o Executivo pode fazer na formulação da lei orçamentária, a ausência desses freios concede mais espaço ao governo.

Por outro lado, o atraso da LDO não necessariamente compromete a execução orçamentária, uma vez que o orçamento de um determinado ano é regido pela LDO aprovada no ano anterior. A gestão financeira do ano de 2019 não depende das diretrizes que o Congresso aprovou nesta quarta-feira, mas sim da LDO do ano passado.

Meta fiscal

Um dos parâmetros mais importantes contidos na LDO é a meta fiscal: o “caixa” que sobra ao Executivo depois de subtrair as despesas primárias (salários, aposentadorias, pensões, manutenção, obras) das receitas primárias (impostos, concessões, vendas de ativos). Quando o resultado é positivo, há superavit, que é usado para abater a dívida pública. Quando o resultado é negativo, há deficit. O Brasil produz deficits primários sucessivos desde 2014.

O consultor orçamentário Vinícius Amaral, que coordenou as LDOs de 2016 a 2019, avalia que o relaxamento no cumprimento da LDO em anos anteriores teve a ver com a dificuldade do Executivo em consolidar uma meta fiscal confiável. Por isso, segundo ele, não havia interesse em finalizar o texto antes do final do ano.

— O Executivo tinha enorme insegurança quanto à meta fiscal que poderia definir. O que aconteceu foi uma tentativa de postergar o máximo possível a aprovação da LDO para permitir que houvesse uma melhor visualização do cenário fiscal para o ano seguinte e mais garantia de que a meta seria exequível.

Naqueles anos, além de postergar a aprovação da LDO, o Executivo promovia mudanças na previsão da meta fiscal durante a tramitação do projeto — por meio de articulações com os relatores — ou mesmo depois da aprovação — com novos projetos de lei — como aconteceu em 2014, em 2015 e em 2016. A LDO para 2017 foi a primeira que já chegou ao Congresso sem a perspectiva de superavit fiscal.

O diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, analisa que uma consequência daqueles anos foi a perda de relevância da meta fiscal prevista nas LDOs — o governo deixou de ver nela um instrumento a ser ponderado com antecedência.

— Ela virou uma conta “de chegada”, que via o que era possível fazer dadas as projeções de receita e despesa, e não esteve vinculada ao objetivo de estabilizar ou reduzir a dívida. Isso preocupa. Mas não é a LDO que vai resolver esse problema.

O teto de gastos, estabelecido no final de 2016, assumiu esse papel. Ao limitar o crescimento das despesas gerais do governo federal, ele se tornou a ferramenta mais confiável para controlar a meta fiscal, em lugar da LDO. Isso viabilizou a aprovação das leis em 2017 e 2018 dentro do prazo, apesar de o cenário fiscal permanecer desfavorável. Segundo as estimativas da IFI, os deficits continuarão acontecendo pelo menos até 2022, que é o limite das projeções fiscais da instituição.

Para Salto, a estabilização da gestão da meta primária vai além da correção da tendência atual quanto à lei de diretrizes orçamentárias. Ela depende de uma harmonização fiscal de longo prazo, algo que exigiria, inclusive, mudanças na Constituição.

SAIBA MAIS

Orçamento Fácil — série de vídeos da Agência Senado em parceria com a Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle

Regras Fiscais — vídeo da Instituição Fiscal Independente do Senado sobre as metas de resultado primário

Relatórios de acompanhamento fiscal da IFI

Siga Brasil – portal de acompanhamento do orçamento da União

Estudos Orçamentários – documentos produzidos pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle

Notas técnicas sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)