Alienação parental divide especialistas em audiência na CDH

Da Redação | 26/06/2019, 00h43

A audiência pública sobre o projeto que revoga a Lei da Alienação Parental (LAP - Lei 12.318, de 2010), realizada nesta terça-feira (25) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), foi marcada pela divergência entre debatedores favoráveis e contrários à norma. Enquanto os apoiadores do Projeto de Lei do Senado (PLS) 498/2018, destinado a revogar a LAP, questionaram os efeitos da lei e o próprio conceito de alienação parental, outros especialistas criticaram a falta de meios para tornar a LAP mais efetiva.

Membro do Movimento Pró Vida, o advogado Felicio Alonso atacou duramente a LAP, acusando-a de inconstitucional e feita “especificamente para defender os pedófilos”. Segundo ele, na discussão da lei, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) teria defendido a preservação de laços familiares mesmo com o genitor que cometeu eventuais abusos — o que Alonso interpretou como forma de blindar a pedofilia dentro da família. O advogado também classificou como pedófilo o psiquiatra americano Richard Gardner, que definiu a síndrome da alienação parental.

— Nos Estados Unidos, esse homem fez mais de 400 laudos protegendo pedófilos e, em 2003, estando a polícia ao encalço dele, se matou — afirmou.

A conselheira titular do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Conanda), Iolete Ribeiro da Silva, expressou a preocupação da entidade sobre a falta de uma definição de síndrome da alienação parental fundamentada em estudos científicos e criticou a aprovação da LAP sem a devida discussão com a sociedade. A guarda compartilhada, no entendimento do Conanda expresso por Iolete, se mostra suficiente para assegurar o convívio com os dois genitores, enquanto a LAP se mostra “inoportuna” e violadora dos direitos dos menores.

— Já existem previsões legais protetivas e suficientes no que tange o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária — afirmou, chamando a atenção para artigos da lei que vão contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A psicanalista Ana Maria Iencarelli, representante do Coletivo Mães na Luta, afirmou que a alienação parental “carece muito de ciência” e faltam pesquisas rigorosas sobre o índice de falsidade nas denúncias de abuso sexual. Ela denunciou a dificuldade de coletar provas de estupro de vulnerável.

— A única possibilidade é a voz da criança, que é a testemunha do abuso. Apesar disso, a criança é desacreditada, chamada de mentirosa. Quando relata com muita precisão um ato libidinoso, ela é tida como estando com implantação de falsas memórias. É outra afirmação absolutamente lunática — disse a psicanalista, que manifestou temor de uma geração de pessoas “inválidas socialmente” pela privação do convívio materno.

A subprocuradora-geral da República Ela Wiecko Volkmer de Castilho defendeu a revogação da lei “feita às pressas feita por um grupo de interesse”, avaliando que, em nove anos de vigência, a LAP não deu respostas à sociedade e se estabelece sobre um conceito sem base.

— É um mecanismo que acirra conflitos sob o pretexto de proteger a criança. Acontece que a concepção da síndrome de alienação parental parte de uma lógica patológica e judicializante dos conflitos relacionais — sublinhou.

Contra a revogação

Representante do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a advogada Renata Nepomuceno defendeu o conceito da LAP e chamou a atenção para o direito da criança à convivência com os dois genitores, de modo que ambos devam preservar os interesses dos filhos, mesmo em caso da ruptura do vínculo conjugal.

— Quando descumpridos [os artigos da lei], temos um desastre no desenvolvimento da criança, e tiramos o duplo referencial para seu bom desenvolvimento. Teremos declínio acadêmico, danos psicológicos, inabilidade de criar relações afetivas saudáveis, ideação de suicídio — comentou.

Para Renata Nepomuceno, a LAP deve ser cumprida de forma efetiva e interpretada em face de toda a legislação de proteção à criança, o que tornaria a declaração de suspensão da autoridade parental um caso extremo.

No mesmo sentido, a advogada Sandra Regina Vilela esclareceu que o abuso emocional e psicológico contra a criança são tão destrutivos quanto o abuso sexual, e negou que acusações de abuso gerem a inversão de guarda automática.

— Em raríssimos casos, há falsa acusação de abuso sexual e inversão de guarda. Normalmente o juiz tenta apaziguar a família. Muitas vezes a mãe não fez aquela acusação conscientemente. Depois da ampla investigação, só há inversão da guarda com outros ingredientes — esclareceu.

A psicóloga Andréia Calçada, também a favor da LAP, citou pesquisas sobre os efeitos danosos da alienação parental sobre crianças e adolescentes e exaltou a qualidade do texto legal.

— O problema é a lei ou é a capacitação dos profissionais, a falta de políticas públicas preventivas, a litigância sem fim? Perde a parte mais frágil, que são as crianças — lamentou.

Tamara Brockhausen, vice-presidente da Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), manifestou carta com a posição de sua entidade contra a revogação da lei, discordando de que haja um amplo desvirtuamento de seu propósito. Segundo a psicóloga, não faz sentido revogar uma lei com tamanho impacto nacional na proteção emocional da prole, com a justificativa de mau uso em casos isolados. A LAP entendeu como grave o afastamento injustificado entre pais e filhos, e permitiu efetivar a aplicação das normas da constituição até então descumpridas pelo Estado, como o direito da criança e do adolescente à ampla convivência  familiar.

Tamara sustentou que a revogação da lei levaria a desconstrução completa do conceito já construído de alienação parental, incorrendo em omissão do Estado e a grave retrocesso social. No seu entender, os críticos à legislação sugerem, na maior parte, postura de reação aos avanços na família moderna brasileira após o divórcio, como a maior legitimação do papel pai na vida dos filhos.

— O pai era relegado a uma condição de visitador quinzenal.

Tamara sugeriu pequenas modificações à LAP, evitando que denúncias não comprovadas, ou decorrentes de equívoco, levem à presunção automática da prática de alienação parental. Essa sutileza evitaria críticas de que a Lei coíbe mães de denunciarem a situação de violência. Uma modificação sugerida foi no artigo sobre a inversão da guarda, frisando que apenas ocorra quando for de interesse da criança e desde que preservadas as condições parentais do outro genitor.

O PLS 498, que revoga a Lei da Alienação Parental, de autoria do ex-senador Magno Malta, é decorrente dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-Tratos, criada em 2017. Os defensores da revogação alegam que a Lei da Alienação Parental “tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores”. A audiência pública foi requerida pela relatora do projeto, senadora Leila Barros (PSB-DF).

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)