Transexuais e travestis idosos têm dificuldade de acesso à aposentadoria e à saúde

Rodrigo Baptista | 06/06/2018, 12h41

Aos 68 anos, João Nery não recebe aposentadoria. O primeiro transomem a se submeter a cirurgias de redesignação de gênero no Brasil, há mais de 30 anos, está desempregado. Seu sustento vem da venda de seu livro “Viagem solitária”, que narra sua trajetória. João contou um pouco da sua história nesta quarta-feira (6) durante reunião conjunta da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) e da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) para ilustrar os dramas vividos pela população LGBT na terceira idade.

Ainda com identidade feminina, ele se formou em psicologia e deu aulas em faculdades no Rio de Janeiro, mas teve que recorrer à clandestinidade para ser reconhecido como homem. Duplicou irregularmente os documentos e fez cirurgias experimentais, mas perdeu a carreira. Daí em diante, passou a fazer bicos para sobreviver.

— Estou aposentado, mas não tenho aposentadoria. Tive várias profissões que não exigiam formação. O estado nunca me ressarciu dos danos morais que me causou — relatou.

Além de escritor, João faz hoje ativismo voluntário e ajuda jovens transexuais, que não se reconhecem nos corpos em que nasceram. Também luta pelos direitos da população LGBT idosa, que muitas vezes tem dificuldade de acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS) e à aposentaria. A situação é peculiarmente complicada entre as travestis, segundo João. Por falta de oportunidades de emprego, muitas têm que recorrer à prostituição.

— A média de vida de uma travesti é de 35 anos de idade. Ou ela morre de Aids ou morre de drogas ou morre assassinada. Outra causa comum é o suicídio — disse.

De acordo com João, muitas travestis e transexuais acabam abrindo mão de sua identidade de gênero na terceira idade para ter acesso a tratamentos médicos e ao amparo da família.

— Muitas travestis chegam à velhice sem família porque fugiram de casa. Para ter tratamento médico, voltam a se vestir como homem porque a documentação é masculina. Você abre mão da sua identidade de gênero para ter acesso à saúde e talvez à família — lamentou.

Projeto

Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a necessidade de cirurgia de mudança de sexo e de autorização judicial para a retificação do registro civil. Para João Nery, é preciso avançar na garantia de direitos para lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersex. O nome dele batiza um projeto de lei de autoria dos deputados federais Jean Wyllys (PSol-RJ) e Érika Kokay (PT-DF), o PL 5.002/2013, que facilita os trâmites para mudança de nome e gênero e prevê que tratamentos a pessoas trans deverão ser oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

— Hoje podemos ir ao cartório mudar nosso prenome e gênero. Isso não é suficiente. São necessárias leis que nos protejam — defendeu.

O fundador do grupo de teatro e dança Dzi Croquettes, Bayard Tonelli, de 69 anos, também relatou as dificuldades de ser um idoso gay e cobrou maior atenção do Estado.

— Idoso na nossa sociedade não tem direito a nada. Não há respeito pela sabedoria. Dentro das minorias isso é ainda mais terrível. Pelas amizades que fiz na carreira, tenho acesso a médicos e tenho estrutura, mas nada de apoio governamental. Sou marginalizado — relatou.

A Iniciativa da audiência pública no Mês do Orgulho Gay é das senadoras Marta Suplicy (MDB-SP) e Regina Sousa (PT-PI).

Marta e Regina Sousa observaram que a atual composição do Congresso Nacional, conservadora na opinião delas, dificulta o avanço de pautas LGBT. Ambas afirmaram que vão continuar lutando por política públicas inclusivas que garantam acesso a serviços para toda a população.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)