Seminário debate avanços do Chile no controle da publicidade de alimentos

Da Redação | 17/08/2017, 18h50

O Chile é reconhecido por possuir uma das mais rígidas legislações sobre etiquetagem da composição nutricional dos alimentos e controle da publicidade, que inclui a proibição de propaganda de alimentos ultraprocessados dirigida a menores de 14 anos. O processo de elaboração dessa lei, em meio a fortes reações da indústria de alimentos e de setores do próprio governo daquele país, foi um dos destaques do seminário promovido pela Comissão Senado do Futuro (CSF), nesta quinta-feira (17), no auditório do Interlegis.

O seminário, que teve como tema a educação e os fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), foi proposto pelo senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que também dirigiu os trabalhos. Obesidade, distúrbios circulatórias, moléstias cardíacas, respiratórias, diabetes e câncer estão entre essas doenças. Os principais fatores de riscos seriam atividade física insuficiente, uso nocivo de álcool e alimentação inadequada.

Entre os fatores, os participantes da audiência centraram atenção nos hábitos alimentares inadequados, cada vez mais baseado no consumo de alimentos ultraprocessados, aqueles que passam por diversas etapas e técnicas de elaboração industrial - (conhecidos pelos críticos como junk food, em Português "comida lixo". Convidado especial, o senador chileno Guido Girardi, autor da lei criada em seu país, apontou ainda a publicidade de alimentos como uma questão das mais prejudiciais, por estimular o consumo massivo desses produtos.

- Publicidade mata; e mata até mais que bactérias – afirmou Girardi.

Direito de saber

Construída com o apoio de entidades sociais, a lei chilena incorpora o princípio do “direito de saber”, de acordo com o autor. Isso significa que o cidadão tem o direito de conhecer o exato conteúdo dos produtos que leva à sua mesa, explicou Girardi. Em vigor a partir de junho de 2016, a norma foi criada em reação a quadro crescente de doenças crônicas não transmissíveis no país, como a obesidade.

Para atender o público em geral, todos os produtos alimentícios que estão além dos limites estabelecidos de gordura, sal e açúcar devem conter informações claras na embalagem. A informação nutricional é inscrita em selos, em fundo preto, acompanhada da frase “RICO EM”, antes da menção ao nome da substância com alto teor.

Crianças

Além de proibir qualquer publicidade que induza crianças a consumir junk food, a lei impede a distribuição gratuita deste tipo de alimento a pessoas com menos de 14 anos. O texto também restringe a venda desses alimentos nas cantinas das escolas, caso de biscoito, batatas fritas, bolos, doces e refrigerantes, bem como a publicidade deles em canais dirigidos ao público com menos de 14 anos. Nos demais canais, as mensagens publicitárias só podem ser exibidas entre 22h e 6h.

Os produtos com a nova rotulagem também não poderão utilizar em sua publicidade – incluindo o rótulo e a embalagem – elementos do universo infantil, o que se aplica a fotos e desenhos (de animais a super heróis) ou brindes. Outra restrição se refere ao uso da violência ou agressividade e a associação de crianças com o consumo de bebidas alcoólicas e tabaco.

- A lei teve imenso impacto sobre as crianças. Hoje, elas já sabem que têm de comer alimentos com menor quantidade de selos – afirma o senador.

Legislação referencial

A audiência fez também parte da programação do 10º Seminário Alianças Estratégicas para a Promoção da Saúde, realizado anualmente em Brasília. O evento é organizado pela ACT Promoção de da Saúde, que se dedica à capacitação de agentes públicos e sociais em ações de controle do tabagismo e pela alimentação saudável. Paula Jones, diretora da entidade, destacou que a legislação do Chile serve de referência para o Brasil e outros países. Disse que há obstáculos nesse caminho, mas que podem ser superados, assim aconteceu com o tabagismo, hoje em queda.

- Houve tempo em que fumar era tão natural que não se compreendia como um direito exigir um ambiente livre de cigarro – comparou.

Isabela Fleury Sattamini, nutricionista pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), explicou que os alimentos recebem classificação com base no tratamento aplicado antes de ser consumido: não processados ou minimamente processados (frutas, hortaliças, leite in natura, grãos e carnes, por exemplo); ingredientes culinários processados (óleos, manteiga, sal e açúcar); processados (pães, queijos e conservas).

Os ultraprocessados, que cada vez mais presentes nas prateleiras dos mercados, incluem salgadinhos, biscoitos, margarinas, refrigerantes, cereais matinais, embutidos, entre outros. Segundo a nutricionista, eles se distinguem por apresentarem lista ampla de ingredientes, além de substâncias para conservar e realçar a cor e o sabor. Ela lamentou que, por força da publicidade, esses produtos sejam erroneamente apresentados como substitutos dos demais grupos de alimentos.

Isabela também destacou a influência desses produtos para o aumento da curva da obesidade. Observou que, 56% da população tem sobrepeso, com 20% já enquadrados na faixa da obesidade. Aproveitou ainda para destacar posição do Instituto Nacional do Câncer (Inca) sobre o excesso de peso como fator de predisposição de 13 diferentes tipos de câncer, o que levou o instituto a defender medidas de divulgação nutricional e de controle de publicidade dos alimentos semelhantes às do Chile.

Padrão Estados Unidos

A representante do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto, salientou que, por ano, são registrados cerca de 200 mil novos casos de obesidade somente nas capitais brasileiras. Disse que, mantida a tendência, o Brasil chegará até 2020 a patamar idêntico ao dos Estados Unidos. Disse ainda que, por ano, são registrados 60 mil novos casos de diabetes nas capitais, outra doença crônica cada vez mais associada a maus hábitos alimentares. Ela cobrou mudanças na legislação, inclusive taxação maior para os produtos ultraprocessados.

- É necessário uma regulação firme, que permita mudanças no ambiente alimentar. Não adianta focar esforços apenas em campanhas dirigidas aos indivíduos – apelou.

Marta Coelho, que representou o Ministério da Saúde, confirmou que as doenças crônicas não transmissíveis são hoje a principal causa de morte no Brasil e no mundo. De 1990 a 2013, o número de óbitos por essas doenças no mundo aumentou em 42% (de 27 milhões para 38,3 milhões) enquanto houve diminuição das doenças transmissíveis. No Brasil, elas responderam por 74% dos óbitos em 2012, predominando as mortes prematuras. Há um Plano Global de Ação da Organização Mundial de Saúde, no qual o Brasil está engajado.

- A meta principal é reduzir a mortalidade prematura por DCNT em 2% ao ano – informou.

Solange Castro, que atua no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que coordenas as ações para alimentar crianças e jovens nas escolas, esclareceu sobre as regras para a aquisição e oferta de alimentos. Na compra de enlatados, embutidos, doces, preparações semiprontas ou concentradas (lei em pó), só podem ser utilizados até 30% dos recursos repassados. É vedada a aquisição de refrigerantes e refrescos artificiais.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)