Constitucionalidade da vaquejada avança na Câmara

Da Revista Em Discussão! | 11/05/2017, 11h56

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno, na noite de quarta-feira (10), por 366 votos a 50, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 304/17, de autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), que dá mais um passo rumo à segurança jurídica para a prática da vaquejada. Misto de esporte e atividade cultural herdada de antigas técnicas do manejo do gado no sertão nordestino, a vaquejada consiste atualmente na derrubada de um boi pela cauda por dois cavaleiros e é praticada em pistas de areia espalhadas por todo o país.

Ao julgar a constitucionalidade da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a vaquejada, acrescentando-lhe procedimentos de segurança para os bois, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou, em outubro do ano passado, o juízo de que a atividade é intrinsecamente cruel para com os animais, entendimento revertido agora pela PEC.

Dependente ainda de votação em segundo turno, com quórum de três quintos, a proposta de Otto Alencar, que no Senado recebeu o número 50/2016, adiciona parágrafo ao artigo 225 da Constituição para que não se classifiquem como cruéis as práticas esportivas com animais reconhecidas na categoria de manifestações culturais, registradas como bens imateriais do patrimônio cultural brasileiro e regulamentadas por lei que assegure o bem-estar dos animais utilizados.

Ao se manifestar sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), acatada pelo placar de seis votos a cinco, o relator, ministro Marco Aurélio, considerou que o dever de proteção ao meio ambiente previsto na Constituição Federal se sobrepõe aos valores culturais da atividade desportiva, previstos no artigo 215 da Constituição.

Economia

De acordo com a Agência Câmara, o relator da PEC na comissão especial formada para examinar a matéria, deputado Paulo Azi (DEM-BA), advertiu seus colegas sobre o “prejuízo injustificável” decorrente da proibição da vaquejada, a afetar não só a “cultura de um povo”, mas “toda uma cadeia produtiva”. Seria condenar, observou Azi, “cidades e microrregiões ao vazio da noite para o dia”.

“A Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq) relata que a atividade movimenta R$ 600 milhões por ano, gera 120 mil empregos diretos e 600 mil empregos indiretos. Cada prova de vaquejada mobiliza cerca de 270 profissionais, incluídos veterinários, juízes, inspetores, locutores, organizadores, seguranças, pessoal de apoio ao gado e de limpeza de instalações”, explicou Paulo Azi, ainda de acordo com a Agência Câmara.

O relator da proposta, aprovada sobretudo com votos de deputados do Nordeste e do Norte do País, criticou o argumento de que a vaquejada representa maus-tratos contra os animais. “Ouvimos especialistas, veterinários que nos trouxeram dados científicos. Existem provas científicas de que essas atividades em nenhum momento provocam maus-tratos”, asseverou Azi.

Contrário à PEC, o líder da Rede, deputado Alessandro Molon (RJ), tentou retirar a proposta da pauta. “O STF entendeu que deve prevalecer o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque trata-se de um direito que cuida de algo que diz respeito ao indivíduo, à sociedade e às futuras gerações e, por essa razão, declarou inconstitucional a vaquejada pelo sofrimento que provoca nos animais”, lembrou Molon.

Ele questionou ainda o ponto de vista de que a PEC contribui para preservar a cultura nordestina. “Há uma série de práticas culturais que, ao longo do tempo, a sociedade foi entendendo como ultrapassadas”, ponderou Molon. E citou como exemplos a farra do boi em Santa Catarina e as rinhas ou brigas de galo.

Conforme a Agência Câmara, a grande maioria dos deputados usou a tribuna para defender o texto. “Essa PEC é para resguardar a história do País, a bravura do vaqueiro e do homem nordestino. E também para reavivar uma força econômica muito importante para o povo brasileiro”, disse deputado Danilo Forte (PSB-CE).

O deputado João Marcelo Souza (PMDB-MA) chamou de hipócritas os deputados que insistem na tese de maus-tratos. “São deputados do Sul, do Sudeste, que nada entendem de vaquejada. Isso se chama hipocrisia. Vocês não conhecem a cultura do Nordeste. Nunca se quis fazer mal a animal nenhum”, declarou.

Senado

Ainda estão em tramitação no Senado projetos com o objetivo de completar o quadro legal composto pela PEC 304/17 e o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 24/2016, do deputado Capitão Augusto (PR-SP), que elevou a vaquejada e o rodeio, assim como suas respectivas expressões artístico-culturais, à categoria de “manifestações da cultura nacional” e de “patrimônio cultural imaterial”. Aprovado no Senado em 31 de outubro e sancionado em 30 de novembro, o PLC 24 foi convertido na Lei 13.364/2016.

Estão pendentes de exame os projetos de Lei do Senado 377/2016, do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), e 378/2016, do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). O projeto de Eunício recebeu parecer favorável com três emendas do relator, senador Wilder Morais (PP-GO), na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). Categoriza a vaquejada como manifestação da cultura popular protegida pela Constituição e a define como atividade recreativa ou competitiva, submetida a medidas de proteção à saúde e integridade física do público, dos vaqueiros e dos animais.

Estabelece, por exemplo que cada evento deverá contar com atendimento médico, presença de veterinário atuando como “árbitro de bem-estar”, transporte, acomodação e alimentação adequados para os animais, além de seguro de vida e de acidentes para os competidores. “Devido às peculiaridades inerentes às provas, é importante que a lei discipline em todo o território nacional essa prática, de forma a preservar o bem-estar animal e proteger essa importante manifestação cultural”, defende Eunício.

O projeto da autoria de Raimundo Lira também recebeu parecer favorável na CE, com quatro emendas do relator, senador Otto Alencar. Lira propõe o reconhecimento da vaquejada como manifestação da cultura nacional, afirmando que a atividade encontra no passado a legitimidade para se reafirmar como prática cultural no presente, adaptando-se às transformações da sociedade. “Reconhecer a vaquejada como manifestação da cultura nacional permitirá ao Poder Público implementar ações de compatibilização dessa prática à lei ambiental”, justifica.

As emendas do relator incluíram no projeto o rodeio e o laço como manifestações culturais nacionais e o conjunto delas como integrantes do Patrimônio Cultural Imaterial. Também definiram as atividades equestres que serão consideradas modalidades esportivas e tradicionais e exigiram a regulamentação das práticas com a determinação de regras para garantir o bem-estar dos animais.

Veja como foi o debate sobre a vaquejada no Senado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)