Abuso de autoridade: antes do acordo, muita polêmica na CCJ

Da Redação | 26/04/2017, 15h07

A decisão de afastar qualquer possibilidade de "criminalização da hermenêutica" (punição da interpretação da lei), adotada nesta quarta-feira (26) pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), relator do projeto sobre abuso de autoridade, foi precedida de apelos de vários parlamentares. Desde o início da reunião da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), eles buscavam remover os últimos obstáculos ao substitutivo de Requião ao PLS 85/2017, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), após fazer uma veemente defesa do texto de Requião, sugeriu que fosse aceita emenda do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) que excluía a condição de que a interpretação fosse "necessariamente razoável e fundamentada" para que a divergência na interpretação da lei não configurasse abuso de autoridade.

Requião afirmou que a proposta de mudança da Lei de Abuso de Autoridade não era dele: havia surgido de discussões do Comitê Interinstitucional de Gestão do Pacto Republicano de Poderes, em 2009, e se transformado em projetos de parlamentares, como o PLS 280/2016 e o PLS 85/2017, respectivamente de Renan Calheiros (PMDB-AL) e Randolfe Rodrigues — este, incorporando sugestões do procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O relator observou que, durante a tramitação da proposta, acatou várias sugestões que a aprimoraram, como a do procurador-geral da República, de transformar em subsidiária a legitimidade do ofendido pelo abuso de autoridade na promoção da ação penal privada — o texto anterior falava em "legitimidade concorrente".

Os senadores elogiaram a disposição do relator para o que chamaram de "busca de convergência" quanto ao tema. Renan Calheiros saudou o desfecho dos debates como "um grande dia" para a democracia, enquanto Ana Amélia (PP-RS) e Lasier Martins (PSD-RS) observaram que, se não tivesse havido a vista coletiva em reunião anterior da CCJ sobre o assunto, não se teriam viabilizado alterações importantes no texto.

Eles se referiam aos dois pontos centrais das modificações: a substituição da "legitimidade concorrente" pela "legitimidade subsidiária" e a eliminação de possível brecha para a criminalização da hermenêutica. No caso da primeira modificação, o próprio relator a considerou adequada diante da possibilidade de um volume grande de processos contra medidas adotadas pelas autoridades.

Outros senadores, como Ronaldo Caiado (DEM-GO), Armando Monteiro (PTB-PE), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Aécio Neves (PSDB-MG) e Jader Barbalho (PMDB-PA), também apoiaram o acordo. Com isso, foram retirados pedidos de destaque para votação em separado de determinados dispositivos, como os formulados por Anastasia e Randolfe.

Lava Jato

Antes do acordo, alguns senadores questionaram a conveniência da votação de uma nova Lei de Abuso de Autoridade no momento em que vários políticos, ministros do governo Temer e governadores estão sendo sendo alvo de investigações da Operação Lava Jato.

O senador Alvaro Dias (PV-PR) disse que o atual ambiente político não é adequado para propostas dessa natureza e sugeriu aguardar a conclusão da Lava Jato para as mudanças. Ao criticar a pressa em mudar a lei, Alvaro Dias lembrou que há mais de um século o tema vem sendo debatido.

Ele citou artigo do juiz Sérgio Moro que reproduz o caso do juiz Alcides de Mendonça Lima, processado no fim do século 19 pelo então governador gaúcho Júlio de Castilhos por interpretação "facciosa" da lei. A condenação do juiz acabou sendo derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Inconstitucional

A possibilidade de o STF voltar a declarar inconstitucional a tipificação do crime de hermenêutica foi levantada também pelo senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). Para ele, "nenhum país civilizado ousou ressuscitar o crime de hermenêutica", há mais de um século "sepultado".

Entretanto, Humberto Costa (PT-PE) disse que o objetivo da proposta não é se integrar "ao maniqueísmo" que, segundo ele, se instalou no país: ser contra ou a favor da Lava Jato. Para o senador, o projeto resgata os direitos mais elementares dos cidadãos, e a maioria das autoridades não encontrará problema em cumpri-lo, se for transformado em lei.

O senador Jorge Viana (PT-AC), que também fez apelo a Requião para aceitar a modificação relacionada à criminalização da hermenêutica, disse que as pessoas contrárias à modificação na Lei de Abuso de Autoridade, na verdade, "defendem uma lei da ditadura" — a norma foi baixada em 1965, durante o regime militar.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)