Dilma fala ao Senado e diz temer a 'morte da democracia'

Da Redação | 30/08/2016, 00h07

A presidente afastada Dilma Rousseff compareceu ao Senado nesta segunda-feira (29) para fazer sua defesa no processo de impeachment ao qual responde. Em discurso de 45 minutos, a presidente classificou as acusações de crime de responsabilidade contra si de “arbitrariedades” e “pretextos infundados”, comparou o julgamento em curso aos tribunais da ditadura militar e disse que teme a “morte da democracia” caso ela seja condenada.

Após o pronunciamento, Dilma foi questionada por 48 senadores ao longo de 13 horas. Ela destacou que respeita a todos e que reconhece neles a legitimidade do voto popular. A presidente também pediu aos parlamentares que deixem de lado qualquer “ressentimento” e que votem contra o impeachment.

Democracia

Em seu discurso, Dilma rememorou suas experiências durante a ditadura militar, quando foi presa e torturada, e disse que, apesar de reconhecer diferenças entre os dois períodos históricos, também convive hoje com um “sentimento de injustiça”. Ela falou sobre os riscos que acredita que o país corre caso ela seja condenada sem que, a seu ver, existam provas contra ela.

— Hoje eu temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós, aqui neste Plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços. Receio que ela seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida de que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história.

A presidente assegurou que é inocente e disse ter a “consciência tranquila” e a “cabeça erguida” para enfrentar a conclusão do processo. Por conta disso, fez um apelo para que os senadores pensem nas consequências do voto final que darão nos próximos dias.

— Uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal. Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros presidentes que virão, governadores e prefeitos, atuais e futuros.

“Pretextos”

A presidente afastada falou também sobre os motivos que, em seu entendimento, desencadearam a crise política que culminou em seu processo de impeachment. Ela afirmou que os governos do PT, seu partido, “feriram” interesses das elites políticas e econômicas do Brasil, o que teria levado à “ruptura democrática”.

Dilma apontou duas forças que, segundo entende, se aliaram para removê-la da presidência: seus adversários nas eleições de 2010 e 2014, que “queriam o poder a qualquer preço”, e setores do Congresso liderados pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que “tudo fizeram para desestabilizar o governo”. Além deles, Dilma culpou seu vice, o presidente interino Michel Temer, chamado por ela de “usurpador”.

— Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam, na vontade do povo, o elemento legitimador de um governo. Não se procurou discutir e aprovar uma melhor proposta para o país. O que se pretendeu, permanentemente, foi a afirmação do “quanto pior, melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos dessa questionável ação política para toda a população.

Eduardo Cunha, responsável por acolher o pedido de impeachment quando ocupava a presidência da Câmara, foi citado por Dilma como o “vértice da aliança golpista”. Além de, segundo a presidente afastada, comandar a resistência ao ajuste fiscal, Cunha foi acusado de ter premeditado o processo contra ela por não ter obtido apoio do governo no Conselho de Ética.

— É fato que não ter me curvado a essa chantagem motivou o recebimento da denúncia. Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há de pior na política brasileira, não correria o risco de ser condenada injustamente. Nunca aceitei, na minha vida, ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de presidenta da República.

Segundo Dilma, o impeachment é a ferramenta para comprometer “conquistas dos últimos 13 anos”, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o petróleo da camada pré-sal e direitos sociais de minorias.

Acusações

Dilma Rousseff é acusada de ter cometido crime de responsabilidade contra a lei orçamentária e contra a guarda e o legal emprego de recursos públicos, na forma de três decretos de abertura de créditos suplementares e operações com bancos públicos consideradas ilegais. Todos os atos são do ano de 2015.

Em relação aos decretos, a presidente afirmou que eles tiveram sustentação na Lei Orçamentária Anual de 2015 e que não afetaram a meta de desempenho fiscal do ano, uma vez que sua execução foi posteriormente regulada por decretos de contingenciamento. Segundo Dilma, seu governo realizou em 2015 uma severa contenção de gastos, portanto não se pode atribuir a crise econômica do país a seus atos. Ela responsabilizou fatores internacionais pelo recrudescimento da instabilidade a partir de 2014, o que levou à austeridade do ano seguinte.

As operações com bancos públicos — conhecidas popularmente como “pedaladas” — consistiram em atrasos na quitação de débitos da União referentes à equalização do Plano Safra. Para a acusação, esses atrasos representaram operações de crédito, vedadas pela lei. Dilma afirmou que não tinha participação direta na execução do plano, portanto eventuais irregularidades não podem ser atribuídas a ela.

A presidente também observou que ambas as denúncias se sustentam sobre interpretações do Tribunal de Contas da União (TCU) que foram estabelecidas posteriormente aos atos dos quais ela é acusada. Dessa forma, concluiu Dilma, não seria possível condená-la.

Ela também afirmou que, no caso das “pedaladas”, a classificação dos atrasos nos pagamentos como operações de crédito foi fruto de uma tese “urdida especialmente para a ocasião”. Para justificar, citou as duas testemunhas convocadas pela acusação para depoimento no Plenário: o procurador Júlio Marcelo de Oliveira e o auditor Antonio Carlos Costa D’Ávila.

— O autor da representação junto ao TCU que motivou as acusações discutidas nesse processo foi reconhecido como suspeito. Soube-se ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica clara a parcialidade, a trama na construção das teses por eles defendidas.

Polarização

Durante as intervenções dos senadores, os debates foram marcados pela polarização entre apoiadores e opositores da presidente afastada a respeito da legalidade ou não do processo de impeachment.

Os aliados da presidente Dilma manifestaram solidariedade e dirigiram elogios a ela em suas participações. Também reiteraram a tese de que o processo de impeachment é um “golpe de Estado” porque, segundo eles, as acusações são improcedentes e servem apenas como pretexto para retirar a presidente do cargo.

Para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), Dilma é vítima de um “tribunal de exceção”. O senador Jorge Viana (PT-AC) afirmou que não enxerga a isenção necessária entre seus colegas para que a presidente receba um julgamento justo. Para o senador Humberto Costa (PT-PE), o afastamento da presidente representará o estabelecimento de um governo “ilegítimo” no país.

Por sua vez, senadores que fizeram oposição ao governo Dilma declararam que há provas suficientes para condenar a presidente e que o impeachment segue ritos e procedimentos chancelados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – cujo presidente, ministro Ricardo Lewandowski, comanda o julgamento.

A senadora Ana Amélia (PP-RS) avaliou que o fato de Dilma ter comparecido diante dos senadores significa que a presidente reconhece a legitimidade do julgamento a que é submetida. O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) ressaltou que Dilma teve “amplo direito de defesa” assegurado ao longo do processo. Segundo o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), não há nada além de “normalidade institucional”.

Erros e acertos

Os senadores também enfatizaram as realizações de Dilma Rousseff na presidência, tanto para criticá-las quanto para enaltecê-las. Tasso Jereissati (PSDB-CE), por exemplo, rebateu argumento de Dilma segundo o qual a crise internacional teria afetado a economia brasileira, e afirmou que a presidente precipitou a recessão brasileira com uma política fiscal ruim. Por outro lado, Gleisi Hoffmann (PT-PR) citou diversos programas e obras federais que prosperaram sob Dilma e, segundo ela, melhoraram a vida da população.

O senador Eduardo Amorim (PSC-SE) disse que as “pedaladas” fiscais (atrasos no pagamento de compromissos da União com bancos públicos) trouxeram prejuízo ao erário. O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) afirmou que Dilma deixou uma “herança maldita” por excesso e má qualidade de gastos.

A senadora Fátima Bezerra (PT-RN) destacou avanços na educação durante os governos Dilma, com menções especiais ao Plano Nacional de Educação, às cotas raciais em universidades e aos royalties do pré-sal. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) elogiou a atuação de Dilma junto ao setor agropecuário, com incentivos e subvenções, e agradeceu à presidente por ter dado “protagonismo” ao agronegócio no cenário político brasileiro.

Comitiva

A presidente afastada chegou ao Senado pouco depois das 9h. Ela foi recebida por parlamentares aliados e chegou a ser presenteada com um buquê de flores. Uma comitiva de cerca de 30 pessoas a acompanhou durante o dia. No grupo estavam o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, o presidente do PT, Rui Falcão, e o cantor e compositor Chico Buarque. Também faziam parte da comitiva ex-ministros de Dilma, como Nelson Barbosa, Miriam Belchior, Aloizio Mercadante, Ricardo Berzoini, Tereza Campello, Miguel Rossetto e Patrus Ananias.

A comitiva da presidente assistiu à sessão das galerias do Plenário. Lá também estavam convidados da acusação, em sua maioria representantes de movimentos sociais pró-impeachment.

A partir do início da noite, manifestantes favoráveis e contrários a Dilma Rousseff concentraram-se na frente do prédio do Congresso Nacional e organizaram protestos. Eles ficaram em lados diferentes da Esplanada dos Ministérios, separados por uma parede de ferro e monitorados pela Polícia Militar. Os grupos foram mantidos afastados do Congresso por grades que cercavam o edifício, formando um perímetro de segurança.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)