Lugar de mulher também é na política

Ester Monteiro | 08/03/2016, 08h27

Empoderar a mulher é uma expressão que vem se tornando cada vez mais usada no país e que, se transformada em ações concretas, pode mudar o lugar das brasileiras na sociedade. É nisso que acredita a bancada feminina do Senado, que luta com as deputadas federais pela aprovação de leis destinadas a aumentar o número de mulheres no poder e promover uma mudança de cultura. Mas, afinal, qual é o lugar da mulher? É também na política?

Para a procuradora especial da Mulher do Senado, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), “lugar de mulher é onde ela queira estar”. Segundo a senadora, os espaços reservados à mulher quase sempre foram impostos pelos interesses vigentes: quando não está em casa, cuidando do marido e das crianças, está no trabalho, ajudando a prover o sustento.

— O mundo em que a gente vive penaliza a mulher por ela desenvolver a função que eu considero a mais nobre da ­humanidade: a maternidade.

Mais recentemente, as mulheres passaram a ocupar postos-chave em grandes empresas e no serviço público. Em 2013, com a criação da Procuradoria Especial da Mulher, pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, o debate sobre igualdade de direitos entre mulheres e homens passou a ter mais espaço no Legislativo.

A estrutura administrativa do Senado tem 6 mulheres em cargos de assessoramento superior — 18% do total. Entre elas, está a diretora-geral, Ilana Trombka.

Dos 11 cargos na Mesa Diretora, 1 é ocupado pela senadora Ângela Portela (PT-RR). E a Ouvidoria do Senado é comandada pela senadora Lúcia Vânia (PSB-GO).

Pela primeira vez, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) é presidida por uma mulher: a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES). E a de Assuntos Econômicos (CAE) deve eleger hoje como presidente a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR). O Senado integra o Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, desenvolvido pelo governo, e já recebeu o selo de boas práticas.

Violência reflete falta de direitos e domínio dos homens

Embora as estatísticas detectem avanços importantes em vários setores, o lugar da mulher brasileira ainda reflete o domínio do homem sobre a vida dela. O Mapa da Violência 2015, divulgado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, aponta que 55,3% das mortes violentas de mulheres são cometidas no ambiente doméstico e 33,2%, por parceiros ou ex-parceiros. Os números são da base de dados do Ministério da Saúde em 2013 (veja quadro).
— Enquanto a mulher não ocupar os espaços de poder, de mando, o homem vai enxergá-la como propriedade sua, podendo dispor do seu corpo como ele bem entenda, inclusive, para agredi-la e tirar sua vida — afirma Vanessa Grazziotin.
A presidente da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, Simone Tebet  (PMDB-MS), explica:
— A mulher quando detém o poder tem um olhar mais especial para essas questões: saúde, educação, políticas públicas de assistência social. E a mulher no poder tem condições de ajudar outras mulheres menos favorecidas.
Mas a tarefa da mudança não é simples. No Mapa Mulheres na Política 2015, apresentado pela ONU no ano passado, o Brasil ocupa uma das últimas posições na lista de 188 países pesquisados quanto à participação feminina nos Parlamentos.
Vanessa conta que, de acordo com estudo recente desenvolvido pela consultora legislativa do Senado Conceição Lima, em termos de presença feminina em parlamentos, o Brasil só está mais bem colocado que Haiti, Belize e São Cristóvão nas Américas e no Caribe.
— A gente perde para Uruguai, Paraguai, Argentina, Chile, México, Estados Unidos, para todos. E alguns homens no Brasil ainda dizem que as mulheres não participam da política porque não têm vocação — afirma a senadora.
Outra barreira é a pouca efetividade da legislação devido ao fato de os partidos serem dominados por homens.
— Os partidos preenchem as vagas com mulheres, mas grande parte delas é o que nós chamamos de candidaturas do faz de conta, as candidaturas laranjas. Eles pegam qualquer pessoa, funcionárias, parentes, para colocar o nome e não serem penalizados pela Justiça Eleitoral brasileira. Só que poucas são as mulheres que têm candidatura de fato e, quando têm, elas não acessam os recursos partidários para poder fazer a sua campanha, não acessam o tempo de televisão e de rádio, não acessam nada — reclama.
A sobrecarga que recai sobre a mulher é outro fator que faz com que seja negada a ela uma condição favorável para participar de atividades políticas.
— Quase 40% das famílias brasileiras são mantidas hoje por mulheres, exclusivamente. Então elas têm que trabalhar fora. Chegam em casa e têm que fazer as tarefas domésticas sozinhas, têm que cuidar dos filhos sozinhas. Ainda são poucos os homens, esposos, companheiros, filhos, que dividem a tarefa com as mulheres dentro de casa — alerta Vanessa.
Esse é um comportamento que vem de longe e pode explicar a longa luta para conseguir o direito de votar e ser votada.
O combate à violência contra a mulher e a conquista de espaços na política são as grandes prioridades da bancada feminina no Congresso em 2016.
— A luta pelo empoderamento não significa o abandono das demais bandeiras. A bancada continuará atuando por igualdade no mercado de trabalho, por mais salários, ficando atenta a qualquer iniciativa que represente retrocesso — avisa.
Para ela, é preciso ter consciência de que uma sociedade justa só será possível quando a mulher estiver plenamente emancipada. A senadora ressalta, ainda, que o lugar do homem nessa luta é ao lado delas.
— Não existe lugar para o homem, lugar para a mulher. Temos os homens e temos as mulheres, são grupos que se complementam e a complementação desse grupo é que mantém a espécie humana viva.

Número de eleitas é baixo em relação ao de eleitoras

A primeira opção da bancada feminina no Congresso para tratar do empoderamento são políticas públicas que acelerem a participação da mulher, principalmente no Legislativo, recomendação da ONU desde a 4ª Conferência Internacional das Mulheres, em Pequim (1995).

De acordo com Vanessa Grazziotin, países que fizeram reformas profundas nas leis eleitorais deram saltos significativos. Nessas nações, diz, há uma valorização dos partidos, onde o tratamento é igualitário.

— São os partidos que apresentam a lista de candidatos. São listas preordenadas através da democracia interna e nelas, geralmente, há uma alternância de gênero — explica.

Exemplos de reformas, segundo Vanessa, são países europeus e a Argentina, que teve a presença feminina no Parlamento aumentada de 10% para 37%.

Enquanto a reforma não chega, as brasileiras abraçam a tese da cota, para elevar o debate sobre a mulher na política. Em 20 anos de aplicação, a Lei de Cotas, que começou com uma previsão de 20% das vagas, já passou por aprimoramentos.

A Lei Eleitoral (Lei 9.504/1997) prevê que o total de candidatos registrados por um partido ou coligação deveria ser de, no mínimo, 30% e, no máximo, 70% de candidatos do mesmo gênero. As legendas poderiam preencher essas cotas ou não, mas nunca preenchiam e sempre favoreceram os homens. Uma alteração em 2009 garantiu que as vagas teriam que ser preenchidas.

A legislação determina ainda que os partidos destinem 5% do Fundo Partidário à formação política das mulheres e 10% do tempo de propaganda para difundir a participação feminina.

Em 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou aumento no número de eleitoras e candidatas. Elas já representam 52,13% dos 142.822.046 eleitores, 5,8% a mais do que em 2010. Do total, 6.245 foram consideradas aptas a concorrer aos cargos eletivos, representando um aumento de 71% em relação às eleições de 2010.

Para a Presidência, foram três candidatas, contra duas em 2010. Além disso, 19 mulheres concorreram aos governos estaduais e do Distrito Federal, enquanto em 2010 foram 16. Para o Senado, 34 candidatas participaram da disputa, contra 29 na eleição anterior.

Os maiores aumentos referem-se aos cargos proporcionais, especialmente para a Câmara dos Deputados. Na última eleição, 1.730 mulheres disputaram um cargo de deputada federal, contra 935 em 2010, um acréscimo de 85%. Na eleição para as assembleias legislativas, o aumento foi de 70% (4.172 candidatas em 2014 e 2.447 no pleito anterior).

Cadeiras

Se hoje mais mulheres se candidatam, resultado da política de cotas, o mesmo não se pode dizer sobre o total de eleitas, apesar de o país já ter elegido uma mulher, Dilma Rousseff, para presidente.

Embora representem 7 milhões a mais de votos, as mulheres ainda não têm representação proporcional a esse número no Parlamento. Em 2014, só 11% dos cargos em disputa em todo o país ficaram com candidatas. No Congresso, a bancada feminina tem 51 deputadas (9,94% das 513 cadeiras) e 13 senadoras (16% das 81 vagas).

Para este ano, em que estarão em disputa mais de 60 mil cargos municipais nas prefeituras e câmaras de vereadores, Vanessa Grazziotin é pouco otimista. Ela afirma que “não há nada na atual conjuntura que tenha mudado de forma tão radical o cenário".

A proposta da bancada feminina é a apresentação de lista partidária com alternância, a exemplo de outros países. Entretanto, assim como as demais senadoras e deputadas, Vanessa está convencida de que a aprovação no Congresso seria improvável. Por essa razão, a estratégia agora é outra: a cota de cadeiras nos parlamentos.

Se essa cota for colocada em prática, nenhum estado do Brasil poderia eleger uma bancada sem ter pelo menos uma mulher. E, na avaliação da senadora, o percentual mínimo poderia chegar a 14% ou 15%, o que seria um salto significativo.

Campanha

Fátima Bezerra (PT-RN) garante que as parlamentares não vão se conformar com o deficit grave da participação das mulheres na política.

— Nos espaços de decisão do poder, a mulher está totalmente sub-representada — afirma.

Fátima é autora de projeto aprovado pelo Senado (PLS 515/2015) que institui 2016 como o Ano do Empoderamento da Mulher na Política e no Esporte. O texto está na Câmara.

A bancada feminina no Congresso também trabalha para sensibilizar brasileiras em todo o país por meio da campanha Mais Mulheres na Política.

Entre março e dezembro de 2015, a campanha organizada pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado, em parceria com a Secretaria da Mulher e a Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, chegou a 12 capitais e 6 cidades do interior.

A mobilização volta à agenda este ano. Mas não é a única ferramenta para chegar ao público-alvo. Após conseguir mudar a Lei Eleitoral em 2013, a bancada feminina ganhou um importante aliado: o TSE passou a promover campanha institucional em rádio e televisão para incentivar a participação feminina na política.

Discurso de Bertha Lutz há 80 anos permanece atual

O lugar da brasileira na política é uma construção de mais de um século.

No dia 24 de fevereiro de 1932, foi publicado o primeiro Código Eleitoral do Brasil que eliminou as restrições, mas apenas facultou o voto às mulheres. O alistamento e o voto só passaram a ser obrigatórios definitivamente na Constituição de 1946.

Entre as personagens desse longo processo, destaca-se a bióloga e líder feminista Bertha Lutz.

Ela foi companheira de bancada da primeira brasileira a votar e ser votada, Carlota Pereira de Queirós. Eleita deputada federal por São Paulo, em 1935, Carlota foi a primeira voz feminina a ser ouvida no Congresso. A chegada de Bertha ao Parlamento aconteceu um ano depois — há exatos 80 anos —, revelando a árdua jornada que se repete nos dias de hoje.

A feminista ainda teve que enfrentar calúnia dos companheiros de partido, o Autonomista, de que ela havia fraudado as eleições. Foi inocentada em fevereiro de 1935. E, finalmente, por ser primeira suplente, Bertha foi chamada a ocupar a vaga em decorrência da morte do deputado Cândido Pessoa.

Em seu primeiro discurso, no dia da posse na Câmara dos Deputados, 28 de julho de 1936, Bertha Lutz registrou a realidade daquele tempo, que permanece muito atual.

“A mulher é metade da população, a metade menos favorecida. Seu labor no lar é incessante e anônimo; seu trabalho profissional é pobremente remunerado, e as mais das vezes o seu talento é frustrado, quanto às oportunidades de desenvolvimento e expansão. É justo, pois, que nomes femininos sejam incluídos nas cédulas dos partidos e sejam sufragados pelo voto popular”, disse naquela ocasião.

Prêmio reconhece importância das pautas femininas

Personalidades que se destacaram na luta pelos direitos da mulher são homenageadas anualmente com o Diploma ­Bertha Lutz. O diploma será entregue hoje, às 11h, em sessão do Senado exclusivamente convocada para esse fim. Instituída pelo Senado em 2001, a premiação chega à 15ª edição tendo homenageado 75 mulheres de ­várias áreas de atuação. Entre elas, a farmacêutica Maria da Penha, que inspirou a aprovação da Lei Maria da Penha; Zilda Arns, que foi coordenadora da Pastoral da Criança; a presidente da República, Dilma Rousseff; e a ex-senadora Emília Fernandes, autora do projeto que deu origem à premiação.

A apreciação das indicações e a escolha dos cinco nomes agraciados são feitas pelo Conselho do Diploma Bertha Lutz, composto por um representante de cada partido político com assento no Senado.

O destaque, este ano, é a inclusão do primeiro homem entre os agraciados: o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello. Quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2014, ele lançou a campanha publicitária Mais Mulheres na Política. Também ajudou a conceber a ideia publicitária “Todo poder às mulheres”, defendendo condições que favoreçam a maior participação feminina em todas as instâncias de poder e de ­atuação na sociedade.

A inclusão de homens passou a ser permitida desde o ano passado, com a aprovação do Projeto de Resolução 2/2001. Além de Marco Aurélio, serão premiadas a ex-ministra Ellen Gracie Northfleet, primeira mulher a integrar e presidir o Supremo Tribunal Federal; a cirurgiã-dentista Lucia Regina Antony, ex-vereadora em Manaus, líder feminista, fundadora e ex-presidente do Comitê de Mulheres da Universidade Federal do Amazonas e da União de Mulheres de Manaus; a militante nas áreas de raça e gênero Luiza Helena de Bairros, ex-titular da Secretaria de Promoção da Igualdade Social da Bahia e ex-ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Brasil (de 2011 a 2014); e a escritora Lya Luft.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)