Ministérios defendem marco legal da biodiversidade, com ajustes

Iara Guimarães Altafin | 17/03/2015, 15h42

Representantes de sete ministérios defenderam na manhã desta terça-feira (17) a aprovação do novo marco legal da biodiversidade. As pastas que tratam de populações tradicionais e de agricultura familiar, no entanto, pedem aperfeiçoamentos em pontos específicos do texto.

O governo federal quer urgência na reformulação da lei atual, considerada um entrave à bioprospecção e à repartição de benefícios em favor dos detentores do conhecimento tradicional. O projeto do novo marco legal (PLC 2/2015) foi debatido em audiência conjunta das Comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT). A reunião foi presidida por Otto Alencar (PSD-BA), presidente da CMA.

Francisco Gaetani, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), explicou que a norma em vigor (MP 2186/2001) foi elaborada em reação a casos de biopirataria com grande repercussão no país à época. Em razão disso, tem normas rígidas para combater o acesso ilegal aos recursos, mas que resultaram na criminalização da bioprospecção, inviabilizando a repartição de benefícios com comunidades tradicionais.

Segundo Gaetani, o texto em exame — um substitutivo da Câmara a projeto apresentado pelo Executivo — não é o “projeto dos sonhos de ninguém”, mas sim fruto de entendimentos com setores interessados no tema, que poderá beneficiar o conjunto da sociedade.

— Nós precisamos transformar o patrimônio natural em riqueza nacional, em empregos, em benefícios para aqueles que detêm esse conhecimento, de modo a podermos explorar essa riqueza de forma sustentável — frisou.

Na opinião de Hélcio Botelho, do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o excesso de rigor da lei atual se revela na demora para se obter autorização para pesquisa com recurso genético — 550 dias, em média.

No mesmo sentido, o representante do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Rafael de Sá Marques, contou que, em 15 anos de legislação, foram celebrados somente 110 contratos de repartição de benefícios, apenas um com comunidade indígena.

— Essa MP existente hoje, além de prejudicar a academia, prejudicar a indústria, ela também prejudica as comunidades tradicionais e os povos indígenas — afirmou.

Simplificação

O novo marco legal prevê a simplificação do processo com a implantação de cadastro eletrônico a ser preenchimento pelo pesquisador, com exigência de consentimento prévio apenas para pedido de investigação sobre uma prática de uma comunidade tradicional.

O representante do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Sérgio Beirão, que é diretor do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), disse que o órgão pode facilmente dar o suporte para realizar o cadastro das atividades de acesso à biodiversidade.

Para Francisco Gaetani, esse cadastro possibilitará a rastreabilidade necessária para que se tenha um ambiente de confiança e se garanta a repartição de benefícios aos detentores do conhecimento tradicional.

Povos indígenas e quilombolas

Entidades que representam grupos tradicionais, como os indígenas, no entanto, reclamam da forma como estão sendo tratados no projeto de lei. Conforme apontaram os senadores Telmário Mota (PDT-RR), João Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), o termo “populações indígenas”, incluído no projeto quando da tramitação na Câmara, deve voltar a ser “povos indígenas”, como no projeto original, por englobar o sentido de identidade cultural e identidade étnica.

— Trocaram povo por população. População é um aglomerado, enquanto povo tem a língua, sua terra, a cultura, tem uma série de coisas — observou Telmário.

Situação semelhante foi apresentada pela ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Nilma Lino Gomes, que defendeu a inclusão da palavra “quilombola” no texto, conforme emenda do senador Paulo Rocha (PT-PA).

— Essa invisibilidade não é por acaso. Muitas vezes ela é ativamente produzida — disse.

Agricultor familiar

No debate, Marco Aurélio Pavarino, assessor do ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, defendeu a substituição do conceito de agricultor tradicional, previsto no projeto de lei, pelo conceito de agricultor familiar, adotado no país desde a publicação da Lei 11.326/2006 e que, desde então, norteia as políticas públicas para o setor.

Pavarino também manifestou preocupação com a isenção, prevista no projeto, para produtos comercializados hoje que acessaram patrimônio genético antes de junho de 2000, data da edição da primeira medida provisória que regulamentou o acesso à biodiversidade brasileira. Conforme alertou, essa medida poderá prejudicar muitas comunidades tradicionais, que deixarão de receber compensação pelo conhecimento que disponibilizaram à indústria.

Protocolo de Nagoya

O representante do Ministério da Defesa, Paulo Cezar Brandão, lembra que o PLC 2/2015 permitirá ao Brasil ratificar o Protocolo de Nagoya, acordo internacional que regulamenta o acesso aos recursos genéticos e o compartilhamento de benefícios da biodiversidade. O Brasil é signatário do protocolo, que entrou em vigor em 2014, mas ainda precisa ratificá-lo, o que não foi feito por falta de uma legislação nacional pertinente.

No debate, o senador Omar Aziz (PSD-AM) elogiou a mobilização dos ministérios na discussão do assunto, mas cobrou o mesmo empenho do governo federal para alavancar as pesquisas em biotecnologia na Amazônia. Conforme observou, o país pouco sabe sobre inúmeras plantas medicinais vendidas nos mercados de cidades da Região Norte.

— Não há desenvolvimento da Amazônia se não há conhecimento sobre a Amazônia. Até hoje o Brasil não consegue fazer o dever de casa — disse, ao cobrar empenho para as pesquisas do Centro de Biotecnologia da Amazônia.

A discussão continua nesta quarta-feira (18), às 8h, em nova audiência pública conjunta. Entre os convidados, estão representantes de órgãos como Embrapa, Funai, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

 

Principais críticas à proposta

Controle e fiscalização

Entidades ambientalistas consideram insuficientes os mecanismos de controle e fiscalização do acesso à biodiversidade brasileira. Criticam, por exemplo, a possibilidade de acesso ao patrimônio genético por empresas estrangeiras sem vinculação com instituições nacionais.

Participação

Povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares se dizem excluídos do processo de elaboração da nova lei. Afirmam que o projeto é voltado a interesses dos setores farmacêutico, de cosméticos e do agronegócio.

Sementes crioulas

O texto dispensa de consentimento prévio as pesquisas agrícolas que envolvam acesso a patrimônio genético e conhecimento tradicional, isentando ainda repartição de benefícios sobre seu produto final. Esse é o caso de sementes crioulas, mantidas por pequenos agricultores e comunidades tradicionais, que deixarão de receber compensação.

Repartição de benefícios

Povos indígenas e tradicionais também se sentem prejudicados pela restrição de partilha de benefícios apenas a produtos nos quais o patrimônio genético ou conhecimento tradicional for considerado elemento principal de agregação de valor.

Isenções e perdão de multas

Também tem sido criticada a dispensa de repartição de benefícios gerados pelo acesso ao patrimônio genético realizado antes de junho de 2000; a suspensão de sanções administrativas; e a redução de até 90% das multas por uso não autorizado de patrimônio genético e conhecimento associado.

Teto ou piso

Entidades que representam povos e comunidades tradicionais criticam o fato de o projeto prever teto e não piso, a título de compensação financeira, de até 1% da receita líquida anual obtida com a venda do produto que se utiliza de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)