Para especialistas, tipificação do feminicídio fortalecerá combate à violência contra as mulheres

Augusto Castro | 19/11/2013, 20h20

O projeto de lei do Senado que cria a figura do "feminicídio" ou "femicídio" na legislação penal foi elogiado nesta terça-feira (19) por todos os participantes da audiência pública que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) promoveu sobre o tema. Ao transformar o assassinato de mulheres por razão de gênero em homicídio qualificado, a proposta fortalecerá o combate à violência contra as mulheres e ajudará na diminuição da impunidade nesse tipo de crime, disseram os debatedores.

A audiência pública foi conduzida pela senadora Ana Rita (PT-ES), autora do requerimento que pediu a realização do debate sobre o PLS 292/2013, oriundo da CPI mista que investigou a violência contra a mulher, presidida pela própria senadora.

A proposta estabelece que o feminicídio será um dos tipos de homicídio qualificado e será configurado quando o assassinato da mulher for motivado por questão de gênero. Ou seja, conforme detalha a proposta, quando houver violência doméstica ou familiar, violência sexual, mutilação da vítima ou emprego de tortura. A pena de reclusão prevista pelo Código Penal é de 12 a 30 anos.

Pioneirismo

A ministra de Justiça e Paz da República da Costa Rica, Ana Isabel Garita, participou do debate. A Costa Rica foi a primeira nação a tipificar o crime de feminicídio na América Latina, em 2007, informou a ministra. Ela explicou que o feminicídio é o crime de homicídio (assassinato) praticado contra uma mulher por questão de gênero. Em sua avaliação os homens que praticam esse crime demonstram “ódio e menosprezo” pela vítima e têm “sentimento de propriedade sobre o corpo da mulher”.

Ana Isabel Garita elogiou a proposta brasileira por, segundo ela, ser até mais específica que a legislação da Costa Rica ao enumerar as situações nas quais a questão de gênero será identificada no homicídio. Em seu país, o feminicídio ocorre apenas em relações afetivas, mesmo que essa relação já tenha terminado.

Ela acrescentou que, atualmente, apenas sete países latino-americanos têm a figura do feminicídio em suas legislações. Disse ainda que as leis da Guatemala, Nicarágua e El Salvador são as mais completas, ao prever um espectro mais amplo de situações que caracterizam a prática.

- O problema mais grave do feminicídio é a impunidade. Na América Central, a impunidade é superior a 90% - pontuou a ministra ao afirmar que a criação do feminicídio ajudará a diminuir a impunidade no Brasil.

Para a ministra costarriquenha, a iniciativa é importante também “como decisão política”, pois demonstrará que o estado brasileiro “decidiu lutar contra essa ação que tem implicações terríveis na vida das mulheres”.

Além disso, acrescentou Ana Garita, o novo tipo penal facilitará na coleta de dados estatísticos relacionados ao crime, mostrando à população o número real de feminicídios que acontecem, quantos são realmente solucionados por investigação e quantos criminosos são punidos. Esses dados também ajudarão o governo e as autoridades de segurança na prevenção, investigação e elaboração de políticas públicas. A ministra costa-riquenha desejou que a proposta “se torne realidade no menor tempo possível”.

Crime infame e cruel

A jurista Silvia Pimentel classificou o feminicídio de “crime infame e cruel”. Ela é membro do Comitê para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw na sigla em inglês), órgão que funciona no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) para acompanhamento, em todo o mundo, do cumprimento da Convenção para Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 1979 e em vigor desde 1981.

Apesar da relevância e importância dessa convenção, disse Silvia Pimentel, a expressão ‘violência contra a mulher’ não aparece em nenhum dos 30 artigos do documento. Para ela, essa omissão foi devida à “falta de vontade política” dos países membros da ONU à época em reconhecerem a violência contra mulheres como um problema essencial e, consequentemente, assumirem responsabilidades e deveres na erradicação desse tipo de violência.

Segundo a jurista, apenas entre as décadas de 1980 e 1990 a questão da violência contra as mulheres ganhou “explícito reconhecimento na ONU”, quando o Comitê Cedaw, por meio de documento oficial, procurou “preencher a lacuna” deixada pela convenção de 1979. A Recomendação Geral 19, explicou Silvia Pimentel, explicou que a violência contra a mulher era um tipo de discriminação contra a mulher, era a “violência de gênero”, quando o ato violento é dirigido a uma pessoa pelo fato de ela ser mulher ou quando essa violência atinge de maneira desproporcional as mulheres.

Cidadania tardia

A diretora-executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), Leila Linhares Barsted, elogiou os trabalhos desenvolvidos pela CPMI da Violência contra a Mulher e afirmou ser imprescindível que o estado brasileiro caminhe no sentido de desenvolver uma “política eficaz de combate e enfrentamento da violência contra mulheres”.

Segundo Leila Barsted, o antigo Código Civil brasileiro, criado em 1916 e que só foi revogado em 2002, mostrava de maneira clara a “cultura de subalternidade das mulheres” presente no país. Como exemplo ela citou o dispositivo que inocentava o estuprador se ele aceitasse se casar com a vítima.

Na sociedade e nas instituições do estado os direitos das mulheres não eram reconhecidos até pouco tempo, disse a diretora.

- O que era reconhecida era a subordinação. A cidadania das mulheres no Brasil é uma cidadania tardia, e ainda é uma cidadania de segunda classe – afirmou.

Para ela, ainda existe “em muitas mentalidades” aquilo que era previsto em leis do século 19: o direito legal do homem matar a mulher adúltera.

- Essa mentalidade ainda está presente, não apenas nos homicidas, mas também naqueles que pensam e falam ‘alguma coisa ela fez’ para merecer – disse.

Na opinião de Leila Barsted, o estado brasileiro ainda acredita que crimes como tráfico de drogas e formação de grupos criminosos são mais graves que os crimes contra as mulheres. Ela disse que os assassinatos contra mulheres são crimes mal periciados e mal investigados e que os processos e inquéritos ainda estão marcados pela ideia errônea que o homicídio contra mulheres não tem tanta gravidade.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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