Renato Janine Ribeiro: demonização do adversário e inflação da palavra são empecilhos à democracia

Paulo Cezar Barreto e Nelson Oliveira | 08/08/2012, 19h50

Na última palestra do Fórum Senado Brasil, realizada na noite de terça-feira (7), o professor de filosofia Renato Janine Ribeiro criticou a qualidade do debate político no Brasil. Para ele, a tendência dos candidatos a “demonizarem” o adversário e o raro senso crítico dos participantes de redes sociais dificultam a emergência e o amadurecimento de pontos de vista necessários à solução dos problemas.

Embora tenha observado que é inevitável a existência da ‘palavra infeliz’, ou seja, do discurso sem efeitos práticos, o filósofo disse torcer para que diminua a “inflação verbal” propiciada por um grau de liberdade nunca experimentado antes pela humanidade. Evidentemente, por meio do aperfeiçoamento do sistema, que deve se precaver contra as ameaças à própria liberdade.

Em sua opinião, ao mesmo tempo em que a democracia se torna um valor universal, sendo hoje praticamente sinônimo da política, tornam-se cada vez mais duvidosos os meios pelos quais o respeito à lei pode ser conquistado. Janine entende que, quando o cumprimento das normas não é obtido de forma serena, pela convicção de que é o caminho para o bem-estar coletivo, o ideal da liberdade é ferido

- A possibilidade de transgressão é fundamental. Sem ela, não temos lei, não temos, política, não temos democracia. Só resta a força. O mundo iluminado, tributário das grandes revoluções, fica difícil de ser realizado – disse o estudioso.

O professor ilustrou sua preocupação com a emergência de instâncias de “mando sem discussão” citando as propostas crescentes de castração química de pedófilos e o monitoramento eletrônico de prisioneiros, ainda que não duvide da eficácia das tornozeleiras.

- Quando numa rua de São Paulo, uma fila de lajotas impede fisicamente a entrada na contramão, o bem comum foi imposto pela força – exemplificou.

A essa inclinação, ele opôs o ideal democrático, que se tornou um valor hegemônico em meados do século 20, de modo que até ditaduras passaram a se afirmar “democráticas”. Para ele, esse comportamento valida o aforismo de La Rochefocauld, segundo o qual “a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”. Mas ressaltou que o poder só é legítimo se assentar-se no consentimento.

O filósofo lembrou que a palavra é fundamental na democracia, onde todos têm direito à fala e à escrita, e por esses meios buscam persuadir uns aos outros. Ele diferenciou a persuasão do convencimento, ao reivindicar para a primeira o papel tradicional da retórica: argumentos direcionados às paixões do destinatário. Já o convencimento se apoiaria num esforço lógico.

- A retórica tem um problema: não é necessariamente muito devedora da realidade. Mas se concluirmos que não há maneira de definir o que é a realidade da política, vários projetos podem ser igualmente legítimos – sentenciou Janine, para logo esclarecer a provocação: não há como esperar que o discurso político seja lógico, como o de um filósofo ou de um cientista, porque é da própria natureza da política a variedade dos projetos segundo a variedade de interesses, distantes da universalidade de uma operação matemática, por exemplo.

Ressaltando que a democracia se baseia na disputa entre posições antagônicas igualmente válidas, Janine criticou a visão marxista por formular o conflito de classes e sua solução, o comunismo, como ciência e, dessa forma, definir toda discordância como erro. O professor chegou a citar o líder da União Soviética Leonid Brejnev, famoso por internar opositores em hospícios com a justificativa de que “só um louco pode se opor ao paraíso dos trabalhadores”.

Segundo o palestrante, a palavra sem eficácia ou ‘infeliz’ predomina não apenas em meios como as redes sociais na internet, mas também no Poder Legislativo. Isso tem levado, conforme lembrou, muitos parlamentares a desejarem cargos no Executivo, onde supostamente suas palavras trariam resultados mais palpáveis. Janine, porém, considera essa dificuldade, por frustrante que seja, fundamental para a democracia:

- A não-realização é que mantém acesa a chama da discordância, que é a essência da democracia. O direito à palavra é sempre o direito à palavra dissidente.

Janine acredita que, nesse cenário, a voz da oposição no Brasil irá ressurgir com força, apesar de não saber como isso será realizado. Atualmente, ele vê o governo apoiado numa base ampla e a volatilidade da mensagem ‘verde’, que emergiu com a força de 20 milhões de votos nas últimas eleições presidenciais e logo sumiu.

O professor defendeu a liberdade de imprensa, apesar dos eventuais abusos e ‘indecências’. E pregou a mudança movida pelo “clamor”, não pelo controle do Estado. Da mesma forma conclamou os integrantes de movimentos rebeldes como o dos ‘indignados’ e o Ocuppy ‘a lutarem mais’, de modo a fazer a valer a voz dos 99%.

- O mundo de hoje promove muita inclusão, mas também muita exclusão, por causa das inovações tecnológicas – assinalou Janine.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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