Agnelo Queiroz abre seus sigilos à CPI e nega influência de Cachoeira no DF

Anderson Vieira e Elina Rodrigues Pozzebom | 13/06/2012, 20h55

Ao se defender das acusações de influência de Carlos Cachoeira no governo do Distrito Federal, o governador Agnelo Queiroz (PT) chegou a afirmar que foi xingado e tratado como inimigo pelo contraventor goiano em gravações telefônicas captadas pela Polícia Federal na operação Monte Carlo.

No depoimento de quase dez horas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista, nesta quarta-feira (13), o governador insistiu na tese de que o grupo de Cachoeira fracassou ao tentar se infiltrar na máquina pública para levar vantagem em contratos e em processos licitatórios.

Agnelo Queiroz foi aplaudido por correligionários ao anunciar que abriria mão espontaneamente dos sigilos bancário, fiscal e telefônico. A decisão provocou reação imediata de outros integrantes da CPI, evidenciando o embate político entre parlamentares do PT e do PSDB.  O relator, deputado Odair Cunha (PT-MG), aproveitou para provocar:

– Diferentemente que aconteceu na terça-feira com Marconi Perillo [PSDB], ressalto a iniciativa do governador Agnelo. E olha que eu havia sugerido apenas a quebra do sigilo telefônico, nem havia cogitado o acesso a dados bancários – disse, gerando protestos de parlamentares da oposição.

O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), por sua vez, lembrou que Perillo se ofereceu para prestar esclarecimentos à CPI e Agnelo, não fez o mesmo.

Pouco depois, por telefone, o próprio governador de Goiás pediu ao líder do PSDB na Câmara, deputado Bruno Araújo (PE), que comunicasse aos integrantes da comissão que também estava disposto a fornecer seus dados. O assunto agora será tratado nesta quinta-feira (13), quando a CPI mista realizará uma reunião administrativa, às 10h15, para votação de requerimentos.

Os dois governadores, no entanto, não escaparão de uma investigação do Ministério Público Federal (MPF), uma vez que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu a abertura de três inquéritos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) na tarde desta quarta-feira. Dois dos inquéritos são para investigar as relações de Agnelo e Perilo com o grupo de Cachoeira; o terceiro se destina a apurar possíveis irrgularidades durante a gestão da Agnelo como diretor da Anvisa.

A seguir os principais trechos do depoimento de Agnelo Queiroz desta quarta-feira, que terminou às 20h26.

Delta

Agnelo Queiroz negou a existência de favorecimento à empresa, que, segundo ele, começou o trabalho na coleta de lixo do Distrito Federal em 2007 por licitação na gestão de José Roberto Arruda. O governador disse que a Delta ofereceu na época preço menor pelo serviço esperando lucrar com outros “favorecimentos” do governo. Só que a sua gestão, segundo afirmou, teria apertado a fiscalização e organizado o sistema de coleta, gerando prejuízos à companhia.

– O SLU [Serviço de Limpeza Urbana] abriu sindicância e implementou uma série de medidas para endurecer a fiscalização sobre as empresas, e 100% dos caminhões passaram a ser pesados. As medidas economizaram R$ 1 milhão de um mês para o outro e justamente nesta época a Polícia Federal captou conversas de integrantes da quadrilha me atacando – disse.

Demóstenes

Na opinião do governador do Distrito Federal, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) era o braço político da organização comandada por Cachoeira, que estava insatisfeita por não conseguir se infiltrar no governo do DF.

– Tínhamos relação cordial quando eu era deputado federal e ele era senador. Minha surpresa foi o ataque contra mim. No inicio, não soube por que ele fez um pronunciamento na tribuna me atacando, de forma violenta, e depois pediu meu impeachment em novembro de 2011.

Ainda segundo o governador, o grupo de Cachoeira precisava do controle sobre o Serviço de Limpeza Urbana (SLU), mas, com o aperto da fiscalização por parte do governo, a Delta começou a ficar no prejuízo.

Bilhetagem eletrônica

Denúncias de tentativa de fraude na licitação para a implantação do sistema de bilhetagem eletrônica na área de transportes da capital também foram rebatidas pelo governador. Agnello reconheceu que havia lobistas ligados a Cachoeira atuando na Secretaria de Transporte, mas disse que o grupo tentou sem sucesso fraudar a licitação, que nem chegou a ocorrer.

– O certame nem aconteceu porque antes resolvemos enfrentar um problema maior, reestruturando todo o sistema de transporte do DF.

Grilagem

Ainda segundo Agnelo, o grupo também foi mal sucedido ao tentar grilar um terreno numa área próxima ao aeroporto internacional de Brasília. De acordo com as investigações da Polícia Federal, a quadrilha de Cachoeira tentou forjar a compra de terras públicas para legalizar e revender com a colaboração de servidores do DF.

– Os servidores acusados foram afastados e estão sob investigação. Mesmo aliciando funcionários, eles não conseguiram legalizar terra pública nenhuma – afirmou.

Cláudio Monteiro

O ex-chefe de gabinete, Cláudio Monteiro, citado nas conversas captadas pela Polícia Federal, foi defendido pelo governador, que afirmou confiar na palavra de seu subordinado.

– Não há nenhuma interceptação telefônica direta de Cláudio Monteiro. Nunca me foram pedidos favores para a Delta.  Acredito na palavra dele e não tenho motivos para desconfiar.

Agnelo, no entanto, admitiu que Cláudio Monteiro recebeu representantes da Delta, inclusive o diretor regional da empresa, Cláudio Abreu,  mas a conversa foi “normal”, com apresentação de pedidos “legítimos e republicanos”.

Quanto à acusação da PF de que Cláudio Monteiro recebera também um rádio Nextel de Cachoeira, Agnelo Queiroz disse que seu ex-chefe de gabinete negou tal informação e novamente disse que confiava no assessor.

O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) contestou as explicações. Para ele, o encontro de Cláudio Abreu e Cláudio Monteiro é fato grave e demonstra a tentativa de introduzir “interesses escusos” da Delta na administração local.

– Se Cláudio Monteiro é de tanta confiança assim, não deveria nem ter saído da chefia de gabinete – opinou.

Patrimônino

A evolução patrimonial do governador foi alvo de muitas perguntas por parte dos parlamentares da oposição. O deputado Rubens Bueno (PPS-PR), por exemplo, questionou o fato de Agnelo ter comprado uma casa de R$ 400 mil em 2007, quando havia declarado patrimônio de R$ 227 mil.

– Sou cirurgião casado com uma médica e fui deputado por 16 anos. Juntamos as economias de todos esses anos e compramos uma casa de classe média no DF. Não há um único reparo no IR. Meu patrimônio é modesto para um casal de médicos de 30 anos de profissão – defendeu-se Agnelo.

O deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) lembrou que Agnelo processou os jornalistas que fizeram reportagem sobre a venda da casa, mas perdeu a ação na Justiça e ainda teve que arcar com as custas do processo. Ao indagar ao governador se ele tinha ideia do valor atual do imóvel, recebeu como resposta: "Não sei, não sou corretor".

Para o líder do PSDB, deputado Bruno Araújo (PE), não ficou claro de que forma foi efetuado o pagamento do imóvel de Agnelo.

Anvisa

O governador defendeu-se da acusação de que teve responsabilidade administrativa na autorização de funcionamento de uma importadora de medicamentos pertencente a um empresário que lhe vendera a casa.

– A Anvisa tem um grau de rigor absurdo. Nenhum dirigente da entidade consegue atestado de boas práticas. E todas as minhas contas da Agência estão aprovadas pelo Tribunal de Contas da União. Na minha gestão na Anvisa, mudamos toda a demanda reprimida que havia ali. A entidade deu um grande salto nesses últimos anos com a minha modesta colaboração como diretor. E observo, fui diretor, não presidente da Anvisa.

Bate-boca

O deputado Carlos Sampaio ainda se reinscreveu para perguntar quem convidou Agnelo Queiroz, quando diretor da Anvisa, para visitar a empresa farmacêutica de Cachoeira, em Anápolis (GO). Essa pergunta havia causado muito bate-boca mais cedo, e ficou mais uma vez sem resposta. Ele também afirmou que o período autorizado pelo governador para as quebras de sigilos bancário, fiscal e telefônico, de cinco anos, não abrangerá o período em que houve a negociação da compra da casa: a quebra só irá até junho de 2007 e a negociação foi encerrada em maio do mesmo ano.

Ainda sobre a casa, o deputado Izalci Lucas (PR-DF) apontou a subavaliação à época da venda. Segundo ele, se Agnelo a comprou por R$ 400 mil, está abaixo do preço de mercado na ocasião, que era R$ 1,6 milhão. O deputado disse ainda que a construtora Delta repassou recursos para o diretório nacional do PMDB e este, por usa vez, fazia os repasses para a campanha do vice-governador do DF, Tadeu Filipelli, durante as últimas eleições. Izalci citou alguns exemplos, como o repasse da Delta para o PMDB nacional em 17 de setembro de 2010, no valor de R$ 350 mil. Cinco dias depois disso, o mesmo montante foi transferido para a campanha do então candidato a vice-governador na chapa de Agnelo.

O clima, entretanto, foi favorável a Agnelo, que contou com amplo apoio de deputados e senadores da base do governo. Os deputados do PT Geraldo Magela (DF) e Paulo Tadeu (DF), que exerciam cargos no governo de Agnelo, renunciaram para apoiá-lo no seu depoimento à CPI.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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