Cláusulas pétreas existem no Brasil desde 1891

Da Redação | 26/09/2008, 13h35

As chamadas "cláusulas pétreas" da Constituição de 1988 dizem respeito ao que determina o parágrafo 4º de seu artigo 60: não se pode eliminar, nem mesmo por emenda constitucional, a forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e as garantias individuais. Seu objetivo, portanto, é garantir que esses princípios não sejam revogados nem alterados. Nesse contexto, a designação "pétreas" refere-se ao caráter rígido dessa determinação, que, ao delimitar um núcleo que não pode ser modificado, estabelece limites às possibilidades de revisão constitucional.

As cláusulas pétreas, no entanto, não são uma novidade introduzida em 1988. Conforme destaca Gilberto Guerzoni Filho, consultor legislativo do Senado, em estudo sobre o tema, esse mecanismo existe desde a Constituição norte-americana de 1789. E, no Brasil, "a matéria é mais do que centenária" (referindo-se à Constituição de 1891). Ele observa ainda que, no decorrer do século 19 e principalmente durante o século 20, diversos países produziram Constituições que contêm ou continham limites às possibilidades de reforma do respectivo texto.

Guerzoni afirma em seu estudo que, "em regra, essas cláusulas têm relação com o contexto histórico em que a Carta é elaborada e, nesse sentido, a limitação mais comum parece ser a intocabilidade da república". Como exemplos, o consultor do Senado cita a Constituição francesa de 1884, a portuguesa de 1911, a italiana de 1947, a tunisiana de 1959 e a brasileira de 1891 - em todos esses casos, a república aparece protegida por cláusula pétrea.

Na Constituição brasileira de 1891, a primeira após a proclamação da República, determina-se que "não poderão ser admitidos como objeto de deliberação, no Congresso, projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado". Com esse mesmo objetivo, as Constituições de 1934, 1946, 1967 e a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 também continham cláusulas pétreas que visavam garantir a manutenção da federação e da república no Brasil.

A Constituição de 1988 não trata da questão da república - o que possibilitou, por exemplo, o plebiscito de 1993 sobre monarquia ou república -, mas, por outro lado, ampliou a quantidade de cláusulas pétreas para resguardar, conforme mencionado acima, a forma federativa do Estado, o voto (direto, secreto, universal e periódico), a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

Segundo Guerzoni, apesar de as cláusulas pétreas existirem no Brasil desde fins do século 19, "será apenas a partir da vigente Carta que a doutrina e a jurisprudência nacionais irão se debruçar em torno do tema da existência de limitações ao poder reformador da Constituição e da possibilidade de existirem normas constitucionais inconstitucionais".

Influência portuguesa

O estudo do consultor ressalta ainda a influência da experiência portuguesa - e especialmente das idéias do jurista luso Jorge Miranda - no debate brasileiro sobre as cláusulas pétreas. De acordo com a pesquisa, "o constitucionalismo português se viu compelido a discutir o tema intensamente na década de 1980, visando equacionar os problemas que o detalhado artigo 290 da Constituição de 1976 vinha trazendo". Ao tratar dos limites da revisão constitucional, esse artigo listava uma série de itens "pétreos" (um total de 15), os quais, pela sua abrangência, dificultavam a possibilidade de reformas.

O contexto em que foi elaborada a Constituição portuguesa de 1976 explica tal abrangência: a lei foi produzida logo após a Revolução dos Cravos, que acabou com o regime salazarista que havia no país, e tinha a preocupação - explicitada na Carta - de assegurar a transição ao socialismo e o poder do "Movimento das Forças Armadas", que promoveu a revolução, enquanto garantidor do novo regime.

Além da semelhança quanto ao contexto histórico, já que a Constituição brasileira de 1988 foi promulgada durante o processo de redemocratização do país, após o fim da regime militar, a Carta brasileira também teria herdado o caráter programático de sua congênere lusa, em vez de se restringir a princípios fundamentais. No que se refere especificamente às cláusulas pétreas, a influência portuguesa se reflete, por exemplo, em seu caráter descritivo - a Constituição de 1988 apresenta quatro itens, em contraste com as predecessoras que tratavam apenas da federação e da república.

Ao analisar a doutrina brasileira sobre as cláusulas pétreas, Guerzoni cita um artigo publicado em 1997 pelo atual presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. Além de mencionar o jurista português Jorge Miranda, Gilmar Mendes comenta, entre outros temas, a relação entre soberania popular e os limites à revisão constitucional: "Não se nega (...) que uma concepção radical da idéia de soberania popular deveria admitir que a Constituição poderia ser alterada a qualquer tempo por decisão do povo ou dos seus representantes. Tal entendimento permitiria questionar, porém, o próprio significado da Constituição enquanto ordem jurídica fundamental de toda a comunidade (...). A Constituição somente poderá desempenhar essa função (...) se puder estabelecer limites materiais e processuais".

Cláusulas pétreas implícitas

Além dos princípios preservados pelo parágrafo 4º do artigo 60, há juristas que defendem a tese de que há cláusulas pétreas implícitas na Constituição de 1988. Para esses autores, um dos limites implícitos seria a impossibilidade de se aprovar uma emenda constitucional que alterasse o próprio processo de votação de emendas - como seria o caso de uma proposta que facilitasse a aprovação de emendas ao exigir maioria absoluta de votos entre deputados e senadores, em vez dos três quintos atualmente exigidos.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

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