Dirigentes do Santos desviam US$ 1,5 milhão do clube em cinco anos

Da Redação | 17/05/2001, 00h00

Numa reunião de sete horas de duração, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar fatos envolvendo associações brasileiras de futebol, interpelou dois ex-dirigentes do Santos Futebol Clube e um empresário futebolístico, colhendo uma série de contradições mas revelando, com provas documentais, que foram desviados US$ 1,5 milhão de dólares do clube paulista, para contas de "laranjas". Alinhavou, também, diversos casos de evasão de divisas do país nos negócios do clube com agremiações estrangeiras, que podem resultar numa multa de R$ 3,33 milhões a ser imposta ao Santos pela Receita Federal. O ex-presidente do clube Samir Jorge Abdul Hak, após longo depoimento na CPI, mostrou-se surpreso com os fatos apurados.

Ao todo, a CPI do futebol apurou, segundo o seu relator, senador Gerlado Althoff (PFL-SC) um total de 16 casos flagrantes de irregularidades, que vão desde a cobertura de gastos indevidos com o automóvel do então presidente do clube, até o roubo de R$ 40 mil, depositados em uma gaveta numa escrivaninha dentro do clube.

O ex-vice-presidente do Santos José Paulo Fernandes, que assinava cheques na ausência do presidente, e que mantinha os contatos diretos com empresários e procuradores de jogadores, caiu em contradição e não soube explicar nenhuma das irregularidades apontadas, a maior parte envolvendo-o diretamente. O ex-vice-presidente do Santos teve seu CPF cassado pela Receita Federal, por ficar três anos sem declarar Imposto de Renda. Perante a comissão, ele tentou pôr a culpa no seu contador, Airton, do qual ele disse não lembrar o nome completo, ficando de depois encaminhá-lo ao relator.

O outro depoente, Ivani Targino de Melo, conhecido por Vando, que deixou o negócio de oficina mecânica para ser empresário de futebol, não escondeu que recebeu muito dinheiro em transações importantes envolvendo jogadores famosos, entre eles Viola, (atualmente no Vasco). O que ficou evidente, contudo, é que o empresário recebeu do Santos uma propina de R$ 200 mil para impedir que o jogador fosse vendido para o Corinthians, por R$ 4 milhões, segundo concluiu o relator, num momento de impaciência com as divagações do empresário.

O dinheiro foi pago pelo ex-vice-presidente do Santos que disse, no entanto, aos parlamentares, que Vando era agente do Corinthians e não de Viola. Foi por meio do empresário que o Corinthians encaminhou documento formal ao Palmeiras, tentando comprar Viola, que estava emprestado ao Santos. Havia, contudo, uma cláusula no contrato do empréstimo pela qual o Santos tinha preferência de compra do passe do jogador.

Nem o empresário e nem o ex-vice-presidente do Santos souberam explicar a triplicidade de contratos para um mesmo jogador (Lúcio), com a mesma data, e nem porque ele teve seus ganhos dobrados no clube, de R$ 60 mil para R$ 120 mil, quando econtrava-se contundido e mantido por oito meses fora do campo. José Paulo disse que o Santos fez isso "para dar um estímulo para que o jogador sarasse logo".

Mas o que mais estarreceu a CPI foi o desvio de R$ 1,5 milhão, em 1998, na época equivalente a US$ 1,5 milhão (o câmbio era de um dólar por um real). O dinheiro era para ser pago ao Internacional de Milão, pela compra do jogador Caio. O negócio foi acertado em US$ 2,5 milhões. Pelas contas rastreadas pela CPI, o Santos pagou US$ 3 milhões e ainda deve, segundo a contabilidade do clube, US$ 500 mil. O equivalente a US$ 1,5 milhão (os cheques foram emitidos em reais) foram parar em contas de pessoas que nunca tiveram nada com o clube, segundo o seu ex-presidente: Modesto Filgueiras, Raimundo Rato, Odemar Aguiar, Clóvis Aguiar, Odimar Fernandes Filho, Edson Antônio Pereira (esse de Campo Grande, MS), Ranulfo Franco, e a Indústria de Papel Ramezonni, de Minas Gerais. Na cópia do cheque, que ficava no clube, o crédito nominal era para o clube italiano. Mas no cheque mesmo, o nome escrito era o do "laranja".

O relator da CPI, senador Geraldo Althof apresentou dezenas de documentos comprovando toda a sorte de irregularidades, principalmente em transações do Santos com clubes no exterior, a venda dos passes de Geovane, para o Barcelona e de Marcos Assunção, para o Roma, por US$ 8 milhões cada um; a compra de Caio do Inter de Milão; de Argel, e de Alessandro para o Porto (Portugal), Jameli, para o Central Espanhola, do Uruguai, e ainda a venda de Zuriaga, Edgard Baez, e várias transações internas envolvendo Sandro, Viola, Athirson, Romerito, Lindomar, Dinho, Marcelo Silva, e muitos outros. Até uma empresa de Pelé, a Clavi Projetos Especiais Ltda, apareceu como intermediária do Santos, na negociação de Argel, sem que isso constasse em contrato e sem que o então presidente do clube tivesse conhecimento do assunto.

Os ex-dirigentes do clube também não souberam explicar o pagamento de comissões de US$ 500 mil feito ao empresário Juan Finger, nem a prática de vales na tesouraria do clube, feita pelos diretores; doações a outros clubes (ao Jabaquara), mesmo estando o Santos em graves dificuldades financeiras; a não cobrança de créditos do clube junto a terceiros, como a Unicór (patrocinadora); as comissões para Francisco Danbrós; o pagamento de comissões a intermediários que nada intermediaram; não contabilização no ativo do clube de 13 jogadores, propiciando a realização de negociações irregulares como a venda de Daniel para o São Caetano, e o contrato de um jogador por engano, por ele ter o mesmo nome de outro (o caso de Baez). O clube na verdade pensou estar comprando o que estava jogando no Japão. Tudo sem explicação.

O ex-presidente do clube Samir Abdyk Hak apenas se disse surpreso e aproveitou para criticar o atual modelo dos clubes de futebol, extremamente amadores. Ele mesmo, quando presidente do Santos, ia ao clube somente às 18h, após o final do expediente no seu escritório de advocacia. "Isso é assim em todos os clubes. Temos de buscar a profissionalização" - ele disse.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

MAIS NOTÍCIAS SOBRE: