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Universidade de Brasília foi criada há 60 anos para modernizar a educação do país

Ricardo Westin
Publicado em 20/4/2022

De todas as 69 universidades federais do Brasil, só a Universidade de Brasília (UnB) não tem a palavra “federal” no nome. Essa não é a única peculiaridade da instituição. Inaugurada há 60 anos, em 21 de abril de 1962, a UnB se destacou ao longo desse tempo por introduzir uma série de inovações na educação brasileira.

Em 2003, foi a primeira universidade federal a criar cotas raciais na seleção dos estudantes. Houve resistências. Uma ação levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) tentou derrubar a política. Posteriormente, contudo, o sucesso seria reconhecido. A Lei de Cotas, aprovada em 2012, estendeu a regra a todas as universidades e escolas técnicas do governo federal.

Em 2006, a UnB foi uma das primeiras universidades a organizar um vestibular exclusivo para estudantes indígenas, grupo para o qual o ensino superior era praticamente inalcançável.

Na década anterior, em 1996, havia sido uma das pioneiras na adoção da avaliação seriada, uma alternativa ao vestibular tradicional. Em vez de um único exame, o vestibulando da UnB tem a possibilidade de submeter-se a três provas no decorrer do ensino médio. A pressão diminui, e ele pode medir seu desempenho entre uma prova e outra e sanar as deficiências.

A avaliação seriada da UnB, além disso, recorre à interdisciplinaridade e afere certas competências e habilidades dos estudantes, sem exigir informações enciclopédicas e "decoreba" de datas e fórmulas. Por causa dessa característica, foi uma das inspirações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado em 1998.

Para celebrar o 60º aniversário da Universidade de Brasília, o Senado fará nesta segunda-feira (25) uma sessão especial no Plenário.

— A UnB nasceu com a responsabilidade de conduzir a educação brasileira ao futuro — diz a senadora Leila Barros (PDT-DF), que propôs a sessão especial. — Celebrar a universidade da capital do país se torna mais relevante ainda porque vivemos hoje uma disputa entre, de um lado, o fanatismo, o negacionismo e as fake news e, do outro lado, a ciência, o conhecimento e o progresso. Nessa luta, eu estou do lado da UnB, da inovação, do saber, do ensino público de qualidade e da educação como um todo.

A UnB é uma das maiores universidades do Brasil. Entre alunos, professores e funcionários, a comunidade acadêmica soma cerca de 57 mil pessoas — o equivalente a uma cidade do porte de Olímpia (SP), Congonhas (MG), Ibiporã (PR) ou Limoeiro (PE).

Com quatro campi localizados em diferentes pontos do Distrito Federal (Asa Norte, Ceilândia, Gama e Planaltina), a universidade oferece cursos e desenvolve pesquisas em todas as grandes áreas do saber — da ciência política à medicina, da pedagogia à agronomia, das relações internacionais à engenharia mecatrônica.

UnB foi uma das pioneiras na adoção de cotas raciais na seleção de estudantes (foto: Beatriz Ferraz/UnB)

No mesmo dia em que inaugurou Brasília, no feriado de Tiradentes de 1960, o presidente Juscelino Kubitschek enviou ao Congresso Nacional o projeto de criação da UnB. Houve oposição. Alguns parlamentares não desejavam que se abrisse uma universidade pública na nova capital, temendo a pressão que universitários tão perto do poder pudessem fazer sobre o governo.

Naquela época, o senador Mem de Sá (PL-RS) disse que a futura Universidade de Brasília poderia se transformar num reduto de comunistas.

O senador Coimbra Bueno (UDN-GO) discursou:

— Quanto à criação da Universidade de Brasília, admito-a para daqui a 50 anos; para o ano 2000, digamos assim. Apresentei um projeto para regular o auxílio do governo federal às universidades, e uma das medidas seria só cogitar-se do ensino superior em Brasília quando se conseguisse extinguir o analfabetismo não só aqui, mas também nos rincões que sempre viveram longe do governo.

Para o então deputado federal Raul Pilla (PL-RS), a juventude da recém-inaugurada Brasília deveria recorrer às grandes cidades se quisesse ter diploma, da mesma forma que faziam os filhos da elite na época colonial, que estudavam na Universidade de Coimbra, em Portugal.

Apesar das resistências, o projeto foi aprovado. A assinatura da lei coube ao presidente João Goulart e ao primeiro-ministro Tancredo Neves, em fins de 1961, no curto período em que o Brasil foi parlamentarista.

O primeiro dos quatro campi da UnB foi construído num amplo espaço reservado pelo urbanista Lúcio Costa entre a Asa Norte e o Lago Paranoá. O projeto dos prédios coube ao arquiteto Oscar Niemeyer. A nova universidade seguiu as mesmas linhas modernistas da nova capital. Feito de concreto aparente e composto de dois blocos curvos, paralelos e separados por um jardim, o edifício principal tem 700 metros de extensão e é a maior obra de Niemeyer em Brasília.

De forma improvisada, as primeiras aulas da UnB foram ministradas em salas do Ministério da Educação, num dos edifícios da Esplanada dos Ministérios. As obras correram a toque de caixa. O auditório onde se deu a inauguração oficial, em 21 de abril de 1962, ficou pronto quando faltavam apenas 20 minutos para o início da solenidade.

Para dar forma ao projeto pedagógico da futura universidade, JK chamou o antropólogo Darcy Ribeiro e o educador Anísio Teixeira. Eles criaram um modelo que não existia no Brasil. Até então, o ensino superior público estava mais preocupado com a diplomação dos filhos da elite nacional. A UnB surgiu com o objetivo primordial de olhar os problemas do país, em especial os sociais, e propor soluções.

O ex-senador Cristovam Buarque, que foi reitor da UnB entre 1985 e 1989, explica:

— A UnB é filha da modernidade e vetor da modernidade. Nasceu com o projeto de Brasília e no momento em que o Brasil marchava para o desenvolvimento econômico. Foi criada com um projeto inovador e revolucionário do que deveriam ser as universidades do futuro. Enquanto as universidades de então se fizeram unindo cursos e faculdades já existentes, a UnB criou seus cursos e departamentos dentro dela. Começou com uma visão universitária, integrada na sociedade nacional e na civilização contemporânea.

Diferentemente das demais instituições, a Universidade de Brasília foi criada sem cátedras. O catedrático era o professor que concentrava os poderes de determinada área, e os demais docentes se subordinavam a ele. As decisões eram tomadas de cima para baixo. A UnB nasceu dividida em departamentos, sem o engessamento das hierarquias, mais flexível e democrática.

Anos mais tarde, o Ministério da Educação baixaria uma reforma universitária transformando as bases experimentais trazidas pela UnB em modelo a ser obrigatoriamente seguido por todas as universidades brasileiras. Grosso modo, esse é o modelo que vigora ainda hoje no Brasil.

— As novas universidades olharam para a UnB, e as antigas fizeram reformas inspiradas na sua concepção — resume Cristovam.

Reportagem do Correio da Manhã de 1962 noticia a inauguração da UnB (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

Com o golpe de 1964, porém, a plena liberdade de que a UnB gozava desde a inauguração foi logo tolhida, sob a alegação de que o campus abrigava subversivos. Reitores foram substituídos por interventores. Em protesto contra as interferências da ditadura militar, dezenas de docentes se demitiram.

Nas décadas de 1960 e 1970, a polícia invadiu o campus algumas vezes e prendeu alunos e professores. Uma das vítimas mais conhecidas foi o líder estudantil Honestino Guimarães, detido arbitrariamente em 1973 e desaparecido desde então.

Em 1968, o senador Arthur Virgílio (MDB-AM) usou a tribuna do Senado para denunciar uma das ações repressivas na UnB:

— Antes das 6h, policiais invadiram os dormitórios. As moças foram retiradas do leito em trajes íntimos e assim levadas para o campus, após serem insultadas da forma mais torpe. O que faria o presidente Costa e Silva se fizessem isso com uma filha sua?

A era das intervenções só terminaria em 1985, quando Cristovam Buarque tomou posse como o primeiro reitor da UnB eleito pelo voto da comunidade universitária.

Estudantes da UnB são detidos pela polícia dentro do campus em agosto de 1968, na ditadura militar (foto: Arquivo Central/AtoM/UnB)

Em 2019, o então ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou que cortaria verbas de universidades que promovessem eventos com “balbúrdia”. Ele citou três instituições, entre elas a UnB. O ministro depois decidiu estender o corte a todas as federais, o que provocou protestos de rua nas principais cidades do país.

Cristovam explica por que muitas pessoas têm uma imagem distorcida das universidades como lugares de “balbúrdia”, “doutrinação” e “drogas”:

— Isso se deve ao fato de a universidade ser um lugar de jovens, contestadores, rebeldes, provocadores, alegres, festivos. Já na Idade Média os centros e locais de universidades eram vistos como promotores de festas. No caso do Brasil, ainda bem que a juventude é alegre e contestadora. E os conservadores não aceitam esse comportamento, talvez pela inveja por não estarem mais em idade para participar. Além disso, há um crescimento da visão conservadora e privatista que aponta eventuais excessos cometidos [pelos estudantes] como pretexto para tentar acabar com o sistema público universitário.

A UnB hoje se destaca pela qualidade do ensino e da pesquisa científica. Nos diversos rankings do ensino superior brasileiro, ela invariavelmente figura entre as dez instituições mais conceituadas. Na lista da revista britânica de educação Times Higher Education, aparece como a 16ª melhor da América Latina.

São inúmeras as contribuições da UnB à sociedade. Em 1985, por exemplo, a universidade sediou o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros da Amazônia, sob a liderança de Chico Mendes, considerado um dos acontecimentos responsáveis por despertar o Brasil para a importância da preservação do meio ambiente. Nesse evento formulou-se o conceito de reserva extrativista, que mais tarde passaria a ser adotado pelo governo federal.

Em meados dos anos 1990, a UnB desenvolveu um programa social que previa o pagamento de um valor mensal às famílias de baixa renda que mantivessem os filhos na escola. A ideia foi primeiro adotada pelo governo do Distrito Federal e mais tarde pelo governo federal. Esse seria um dos embriões do atual Auxílio Brasil (Bolsa Família até o ano passado), um dos maiores programas mundiais de transferência de renda.

A Universidade de Brasília também desenvolve tecnologia de ponta. No início deste mês, entrou em órbita, lançado dos Estados Unidos, um satélite criado por estudantes da UnB com o objetivo de ajudar na criação de uma nova técnica que permita a comunicação por rádio em lugares longínquos onde não há sinal de telefonia celular. Trata-se de um minúsculo satélite em forma de cubo, que mede 10 centímetros de altura e pesa 1 quilo. Ele ficará no espaço por três anos.

Nos próximos meses, a Universidade de Brasília planeja inaugurar o Centro de Pesquisa em Primeira Infância e o Centro de Biotecnologia Molecular, além de uma creche na Asa Norte, uma unidade básica de saúde em Ceilândia e um polo de extensão na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Também está previsto o início das obras da Aula Magna, um grande auditório no campus da Asa Norte.

Edifício da UnB projetado por Niemeyer: linhas modernistas e concreto aparente (foto: acervo/UnB)

A reitora da UnB, Márcia Abrahão, diz que o maior desafio da instituição hoje é de ordem financeira. Entre 2016 e 2022, os recursos oriundos do governo federal para custeio caíram de R$ 216 milhões para R$ 141 milhões. Entre 2015 e 2022, os recursos destinados a investimentos se reduziram de R$ 63,8 milhões para R$ 6,3 milhões. Por essa razão, a UnB tem buscado cada vez mais parcerias que lhe garantam verbas privadas. Abrahão lembra que, no Brasil, quase 100% da pesquisa científica é feita nas universidades públicas.

— Há um equívoco na forma de pensar a educação como custo, e não como investimento que assegura o desenvolvimento do país — ela lamenta. — Formação de pessoas de alto nível e produção de pesquisas de qualidade são a salvaguarda de uma nação para o enfrentamento de dificuldades econômicas e sociais, a exemplo do que países desenvolvidos fazem.

De acordo com a reitora, as comemorações do 60º aniversário são oportunas para mostrar à sociedade que a Universidade de Brasília é necessária para o país:

— Ao longo da história, a UnB deu inúmeras provas de compromisso com a sua vocação: o enfrentamento firme da ditadura militar, a formação acadêmica em nível de excelência em todas as áreas do conhecimento, a contribuição com o desenvolvimento nacional, o pioneirismo na adoção de políticas afirmativas e a busca incessante por mecanismos de inclusão e permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade social. Sua localização privilegiada, no centro das decisões do país, favorece a articulação com o Congresso, os ministérios, agências de fomento e embaixadas. Há 60 anos, temos uma universidade pública e gratuita de muita qualidade e cada vez mais acessível. Comemorar o aniversário é honrar essa trajetória de resistência e excelência.


Reportagem: Ricardo Westin
Pauta: Nelson Oliveira
Edição: Ricardo Koiti Koshimizu
Edição de fotos: Ana Volpe
Infografia: Cássio Costa
Foto de abertura: Beto Monteiro/UnB