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Futuro da Petrobras é discutido em debate que inclui liberalismo e economia de baixo carbono

Nelson Oliveira
Publicado em 26/11/2021

Desde sua criação, há 68 anos, a Petrobras esteve periodicamente envolvida em polêmicas relacionadas à conveniência ou não de uma empresa estatal explorar, extrair e refinar petróleo e outros hidrocarbonetos, incluindo o gás natural. A primeira delas deu-se em 1953, quando o Congresso Nacional aprovou a Lei 2.004, cujo texto final coroou a ação do grupo de nacionalistas responsável pela campanha pró-monopólio batizada de "O Petróleo é Nosso".

Em 1975, ainda durante a ditadura militar, a orientação monopolista recebeu seu primeiro arranhão. Os aumentos do preço do barril no mercado internacional provocados pela crise do petróleo deflagrada em 1973 levaram o presidente Ernesto Geisel, um nacionalista que chefiara a companhia, a permitir a prospecção de petróleo no Brasil por outras empresas com a utilização dos "contratos de risco", sem quebra formal do monopólio. Mesmo não prevendo compensação nenhuma pela pesquisa, o expediente foi criticado pela oposição ao regime e também dentro do próprio governo e, principalmente, na esfera da Petrobras. Em 1972 foi criada a Petrobras Internacional S.A. (Braspetro), subsidiária encarregada de atuar no exterior por meio justamente de contratos de risco.

Doze anos, 243 contratos e US$ 1,6 bilhão em investimentos depois, dez empresas (seis nacionais e quatro estrangeiras) haviam descoberto algumas reservas de petróleo e gás natural, mas pouco ou nada foi extraído dessas jazidas. Se em 1988, quando a Constituinte enterrou essa modalidade de acordo, os engenheiros da estatal apontavam para um volume de investimentos mais substancioso por parte da Petrobras, com melhores resultados em termos de produção, os críticos do monopólio argumentavam que a companhia governamental sabotara a pesquisa pela iniciativa privada. A essa última teriam sido destinadas áreas pouco promissoras e impostos empecilhos burocráticos.

Em 1997 houve nova controvérsia, dessa vez por causa da revogação da Lei 2.004, de 1953, e a sanção da Lei do Petróleo (Lei 9.478, de 1997) pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. O monopólio estatal foi mais uma vez mantido, mas permitiu-se a atuação de "empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país" mediante concessão ou autorização. Foram criados então a Agência Nacional do Petróleo (ANP), responsável pela regulação, fiscalização e contratação das atividades do setor, e o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), órgão encarregado de formular a política pública de energia.

Em 2010, depois da descoberta de óleo e gás na camada pré-sal, a Lei 12.351 passou a autorizar também o regime de partilha, por meio do qual as empresas dispostas a pesquisar a ocorrência de hidrocarbonetos receberiam compensação pelos investimentos e uma parcela do material encontrado. A estatal deveria ser operadora única no pré-sal. Em 2016, a obrigatoriedade foi convertida no direito de preferência para adquirir, no mínimo, 30% de participação nos consórcios e a possibilidade fazer as suas operações após o leilão.

Seis anos se passaram até que a propriedade de uma empresa pelo Estado fosse questionada no contexto da Operação Lava Jato. Para especialistas, a polêmica atual sobre a política de reajustes de preços da estatal e a venda de ativos apoia-se na crise vivida pela empresa em 2016, da qual resultou uma nova orientação direcionada ao mercado a partir do mandato tampão de Michel Temer, vice de Dilma Roussef, que sofreu impeachment.

Eleito em 2018 com um discurso liberal, o presidente Jair Bolsonaro tem reclamado de reajustes de combustíveis além da conta, mas na impossibilidade de interferir na gestão da empresa, já chegou a classificar a Petrobrás de “problema”. Em entrevista no dia 6 à Rádio Jovem Pan de Curitiba, Bolsonaro citou a possibilidade de privatização da companhia como forma de resolver o problema.

— Quando o preço aumenta nos Estados Unidos, culpam o Joe Biden ou Trump; aqui culpam a mim. Eu não tenho como interferir no preço da Petrobras. Se eu interferir, vou responder por crime, eu e o presidente da Petrobras. A gente quer resolver o problema, mas não queremos o problema pra nós também. O ideal é ficar livre da Petrobras, privatizá-la pra muitas empresas — afirmou Bolsonaro.

Nos pontos de venda, embora varie de cidade para cidade ou conforme o bairro, o preço do botijão de gás (13 kg) dificilmente sai por menos de R$ 100,00, com entrega em domicílio. Em Brasília, o preço mais comum está entre R$ 105,00 e R$ 110, quando o consumidor pechincha, já que os atendentes de telegás podem dar até R$ 122 como o primeiro preço. Em setembro, A ANP indicava o preço médio do botijão a R$ 118,00 em Mato Grosso, mas, conforme o senador Eduardo Braga (MDB-AM), no Alto Solimões, o botijão custa R$ 145. A vantagem costuma ser pequena ou inexistente para quem busca o produto na distribuidora.

Nesse quadro tumultuado, passou a circular uma informação falsa dando conta de que ao posicionar a torneirinha do botijão entre desligado e ligado, as donas e donos de casa poderiam economizar GLP sem perda de calor na chama. Com a indefinição sobre as punições para quem divulga notícias falsas pela internet, um casal chegou a encenar a farsa em um vídeo logo desmentido por empresas de checagem e bloqueado pelo mais popular dos aplicativos de mensagens.

A alta dos preços do gás não doeu só no bolso. Impossibilitada de comprar o combustível, muita gente passou a cozinhar com fogareiros a álcool, o que tem causado acidentes, alguns com vítimas fatais. A lenha, material de queima menos perigosa, é alternativa, do mesmo modo, mas representa um passo atrás no processo civilizatório e tem repercussões ecológicas negativas.

O que gera mais repercussão, no entanto, é a dimensão econômica desses aumentos. A alta no item Transportes do Índices de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) em outubro (2,62%) decorreu, principalmente, dos preços dos combustíveis (3,21%). A gasolina subiu 3,10% e teve o maior impacto individual sobre o índice do mês (0,19 ponto percentuais). Foi a sexta elevação consecutiva nos preços desse combustível, que acumula altas de 38,29% no ano e de 42,72% nos últimos 12 meses até outubro. Além disso, os preços do óleo diesel (5,77%), do etanol (3,54%) e do gás veicular (0,84%) também subiram.

Conforme o Observatório Social da Petrobras (OSP), o gás natural veicular (GNV) bateu recorde histórico em novembro, registrando “o maior preço real do século”. O combustível é vendido a R$ 4,256 o metro cúbico, 39% acima da média histórica (em valores reais), que é de R$ 3,06. E as perspectivas para 2022 são sombrias, em razão de queda na oferta de gás, que tem o acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para quebra do monopólio da Petrobras como uma de suas causas. Obrigada a se desfazer de investimentos e diminuir suas importações da Bolívia, sem que o mercado se estruturasse, a estatal não supre o mercado a contento. Fora isso, há falta de gás no mercado internacional, devido ao atraso de mais um gasoduto russo, ao passo que o incremento da demanda na Ásia e a expectativa de frio intenso no Hemisfério Norte pressionam ainda mais os estoques e encarecem sobremaneira as importações. De quebra, há necessidade extra de gás no Brasil para acionar termelétricas em face do baixo volume dos reservatórios das hidrelétricas.

Os preços do diesel por si só provocaram tumulto em um setor muito sensível, tanto do ponto de vista econômico quanto político: o dos transportes rodoviários de carga. Líderes de caminhoneiros chegaram a anunciar uma greve para o dia 1º de novembro, mas o movimento acabou refluindo. Isso não impediu que o aumento de custos enfrentados pela categoria colocasse mais um ingrediente explosivo no debate sobre o papel da Petrobras na economia brasileira e como uma empresa de economia mista. O governo detém 50,5% das ações ordinárias (com direito a voto) e é o principal beneficiário dos generosos dividendos que estão sendo distribuídos aos acionistas este ano.

No dia 28 de outubro, a Petrobras anunciava o pagamento de nova antecipação da remuneração aos acionistas relativa ao exercício de 2021, no valor total de R$ 31,8 bilhões (cerca de US$ 6 bilhões), equivalente a R$ 2,437865 bruto por ação preferencial e ordinária em circulação. Essa distribuição se somava aos R$ 31,6 bilhões anunciados em 4 de agosto, totalizando R$ 63,4 bilhões (cerca de US$ 12 bilhões) em antecipação aos acionistas relativa a este ano.

“A distribuição considera as perspectivas de resultado e geração de caixa da Petrobras para o ano de 2021, sendo compatível com a sustentabilidade financeira da companhia, sem comprometer a trajetória de redução de seu endividamento e sua liquidez, em linha com os princípios da política de remuneração aos acionistas”, dizia o informe da empresa.

O pagamento desses polpudos dividendos agradou os investidores e o mercado em geral, mas soou como ofensivo para os consumidores, que já enfrentam as dificuldades econômicas decorrentes da pandemia de covid e estão tendo de arcar com os reajustes dos combustíveis e de outros itens do orçamento familiar, como o das contas de luz, igualmente impulsionadas pelos combustíveis fósseis que movem as usinas a calor.

Os seguidos anúncios informais a respeito da intenção do governo de privatizar a Petrobras não ajudaram a amenizar esse quadro de revolta e desconfiança, embora as ações da estatal nas bolsas tenham subido a cada vez que o presidente mencionou o assunto. Como deve satisfações aos acionistas, ao mercado e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a própria Petrobras teve de vir a público no dia 25 de outubro esclarecer que desconhecia o assunto e que questionara o governo sobre a existência de estudos visando à venda do controle acionário da companhia. No dia 5 de novembro, em novo comunicado, a Petrobras deu conta que o Ministério de Minas e Energia (MME) também desconhecia esses planos, ao passo que o Ministério da Economia informava sobre a inexistência de recomendação para que a empresa fosse incluída em programa de desestatização.

Na interpretação do mercado, a privatização pode até vir, mas não no atual governo, por falta de condições políticas. Afinal, pelo menos informalmente, a corrida eleitoral já começou, e a proposta seguramente seria bombardeada à medida que avançasse a campanha de 2022. Outro obstáculo é a possível exigência de mudanças constitucionais, uma vez que há atividades da Petrobras entre aquelas exclusivas do Estado previstas na Constituição. Bolsonaro teria, na visão de alguns analistas, aproveitado um momento de notícias ruins para acenar com algo agradável ao paladar dos liberais quando disse que a venda estatal entrara “no radar”. De qualquer forma, a CVM abriu processo administrativo sigiloso a respeito.

O presidente entremeou seus anúncios com seguidas acusações aos governos estaduais por cobrarem alíquotas altas de ICMS sobre os combustíveis, enquanto o governo federal desonerava os produtos, ao zerar as alíquotas do PIS e da Cofins. Em contraponto, os governadores decidiram congelar os preços básicos sobre os quais incidem o imposto estadual, alertando, porém, para a forte possibilidade de os combustíveis continuarem a subir a partir de novos reajustes definidos pela Petrobras. De fato, em algumas cidades, a gasolina já está sendo comercializada nos postos a quase R$ 8, independentemente da medida.

Posto em Brasília anuncia gasolina na casa dos R$ 7 (foto: Ana Volpe/Agência Senado)

Uma possível, mas não definitiva solução, poderia ser o governo usar seus dividendos para criar um fundo destinado a compensar parte dos aumentos. Independentemente disso, a saída via ICMS ainda é parte das movimentações no Congresso. No dia 21 de outubro, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, declarou que pretendia debater com os governadores o PLP 11/2020, projeto de lei complementar que estabelece um valor fixo para a cobrança de ICMS sobre combustíveis. O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e agora aguarda votação no Senado.

— Ouvimos as demandas [na reunião do dia 21], as reflexões e as impressões dos governadores. Há convergência por parte deles de que o ICMS não é o único problema na composição de preços ou em relação aos preços altos dos combustíveis. Eles disseram muito da importância de se discutir uma política de preços no Brasil com a participação da Petrobras. Também defenderam a PEC da Reforma Tributária relatada pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA). Ficamos de evoluir e desdobrar essa reunião em outras reuniões ao longo da próxima semana para amadurecer esse projeto e identificarmos qual o caminho que nós temos de convergência em relação a essa tributação dos combustíveis. Explicou Pacheco. Segundo o presidente do Senado, a maioria dos governadores argumentou que a solução principal estaria na política de preços da Petrobras e também no restabelecimento do fundo de equalização dos combustíveis.

Quanto ao gás de cozinha, o Senado também decidiu se mobilizar e aprovou substitutivo do senador Marcelo Castro (MDB-PI) ao PL 1.374/2021, de autoria do deputado Carlos Zaratini (PT-SP), que cria subsídio destinado a famílias de baixa renda para a compra de botijões de gás de cozinha. Aprovado também na Câmara dos Deputados, o projeto foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro que o converteu na Lei 14.237. O auxílio, chamado Gás dos Brasileiros, terá prazo de vigência de cinco anos e poderá ser destinado às famílias inscritas no CadÚnico, com renda familiar mensal per capita menor ou igual a meio salário mínimo nacional, ou que tenham entre seus membros, residentes no mesmo domicílio, quem receba o benefício de prestação continuada (BPC). O valor será equivalente a, no mínimo, 50% da média do preço nacional de referência do botijão de 13 quilos, sendo o pagamento do benefício feito preferencialmente à mulher responsável pela família ou vítima de violência doméstica e sob o monitoramento em razão de medidas protetivas de urgência.

— Cada família que está no CadÚnico do Bolsa Família vai receber um subsídio que o governo federal vai definir entre 40 e 50 por cento, de acordo com o estado do Brasil em que a população esteja em maior ou menor dificuldade. E isso é muito importante, porque a média dos recursos que são pagos a famílias brasileiras no Bolsa Família é em torno de 200 reais por mês — explicou Castro.

O subsídio seria custeado por royalties devidos à União em função da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos sob o regime de partilha de produção; parcela da receita de comercialização do excedente em óleo da União; bônus de assinatura nas licitações de áreas para a exploração de petróleo e de gás natural; os dividendos da Petrobras recebidos pela União e outras dotações orçamentárias.

Marcelo Castro: projeto aprovado no Senado ajuda famílias de baixa renda a comprarem gás de cozinha (foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

Do ponto de vista estrutural, o dilema dos combustíveis é tratado em uma proposta do senador Rogério Carvalho (PT-SE) para substituir aquele que é um dos instrumentos principais usados pela Petrobras na sua nova estratégia de negócios e administração financeira: o preço de paridade de importação (PPI).

“A Petrobras age como se fosse uma importadora”, diz Carvalho na justificação do PL 1.472/2021, apresentado em abril e desde o dia 9 em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos sob a relatoria do senador Jean Paul Prates (PT-RN). De modo que os preços de venda são o resultado das cotações internacionais do óleo e derivados e da taxa de câmbio mais os custos próprios dos importadores. “Na medida em que tem custos de produção internos competitivos, a atual política de preços da Petrobras para derivados implica elevada margem bruta de lucro” observa o parlamentar de Sergipe, estado produtor de petróleo e gás natural.

O texto trata também do que chama de “nexo estreito” entre a venda de refinarias da Petrobras e sua política de preços. Como os valores de entrega dos derivados às distribuidoras são elevados, estimulam-se as importações, tendo como contrapartida o aumento da capacidade ociosa das refinarias da própria Petrobras. Esse movimento ampliaria o interesse do setor privado na aquisição das unidades de refino da estatal.

“A Petrobras reduziu sua capacidade de refino com vistas a ampliar a presença da iniciativa privada no setor e viabilizar privatizações. Desde 2017, as refinarias da Petrobras operam, em média, com 25% de capacidade ociosa. Ademais, a ANP flexibilizou o cadastro de importadores de derivados, de modo que o número de importadores subiu 35% desde 2018”, frisa Rogério.

Conforme o senador, com as variações cambiais e do barril do petróleo, a volatilidade dos preços impede agentes econômicos de contarem com uma previsibilidade mínima. Em 2021 a gasolina já foi reajustada 15 vezes, sendo 11 aumentos e 4 reduções, com alta acumulada na saída das refinarias de 74,1%. O preço do diesel nas refinarias foi reajustado 12 vezes, sendo 9 altas e 3 reduções, com acumulado de 64,7%.

“O PPI é uma política que impõe elevados custos à sociedade e à economia brasileiras. Em outros termos, a política de preços da Petrobras tem implicações para toda a economia, na medida em que, junto aos alimentos, vem determinando uma inflação pelo lado da oferta, isto é, não associada ao consumo, tendo em vista a forte ociosidade da economia”, analisa o parlamentar. Uma outra consequência dessa volatilidade, aponta ele, é que, em resposta à inflação, o Copom tem ampliado a taxa básica de juros da economia, o que provoca encarecimento do crédito e da dívida pública, com mais entraves à atividade econômica.

Rogério Carvalho é autor de projeto que altera a política de preços da Petrobras (foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

A proposta, afirma Rogério na justificação do PL, combina custos internos de refino, cotações internacionais do petróleo e custos de importação, quando aplicáveis, sem afetar a remuneração de acionistas. Outra inovação do projeto é a adoção de bandas de preços, que evitariam variações abruptas, limitando os repasses dentro de determinado período.

“O Brasil é produtor de petróleo bruto e derivados do petróleo, sendo que o custo de extração na província do pré-sal é inferior a US$ 6 por barril. Considerando os demais custos, o custo de refino da Petrobras gira em torno de US$ 40 por barril. A Petrobras tem custos internos competitivos, que deveriam ser considerados na formação de seus preços”, defende o senador.

O sistema de bandas seria viabilizado financeiramente por meio da instituição de fundo de estabilização dos preços de combustíveis, alimentado pela própria sistemática das bandas e por imposto sobre exportação do petróleo bruto, cujas receitas poderiam ser utilizadas para suportar o subsídio temporário na hipótese de reajuste de preços superior ao autorizado pela banda. Mecanismos semelhantes já foram adotados em países como Chile e Peru, conforme Rogério.

O imposto de exportação seria progressivo, variando entre 0% e 20%, com alíquota maior na medida em que crescessem as cotações do petróleo, modelo praticado, por exemplo, pela Dinamarca.

— É hora de trazer o preço do nosso gás e da gasolina para o mundo real. Não queremos controlar preços, mas não é admissível que o povo continue pagando preços abusivos na gasolina, no gás de cozinha e em outros produtos, enquanto apenas acionistas minoritários da Petrobras lucram — diz Rogério.

Nos cálculos do senador, se a Petrobras não utilizasse a paridade do preço de importação, o valor médio da gasolina na bomba seria hoje de R$ 5, considerando uma margem de lucro de 50% sobre os custos da Petrobras. Além do custo final da Petrobras para produzir a gasolina com a margem de lucro de 50%, nesse valor já estão incluídos os tributos federais, o ICMS, a margem de distribuição e revenda e o custo do etanol anidro, que é misturado na gasolina.

Em pronunciamento no dia 16 de novembro, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) informou que já havia elaborado uma primeira proposta de relatório para o PL 1.472/2021. O texto está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Para Jean Paul Prates, a urgência do tema exige a apresentação de um relatório que minimize o impacto no dia a dia dos brasileiros, em razão do aumento do custo de vida e do encarecimento de toda a logística nacional.

— No momento, trabalho com a perspectiva de um substitutivo estruturado da seguinte forma: diretrizes e referências da política de derivados de petróleo e, uma segunda parte, [com a] instituição de um programa de estabilização de preços e derivados. Ainda acho que vamos ter de trabalhar com o ICMS. E vamos ter de trabalhar com ele do ponto de vista da monofasia [em que o recolhimento de tributos é feito na fase inicial da cadeia produtiva], e das alíquotas ad rem [baseadas em quantidades], das quais sou defensor também. Mas, acima de tudo, o imperativo deve ser o diálogo. E nós estamos dispostos a dialogar e informar a sociedade sobre os ônus e bônus das escolhas políticas setoriais do governo, até para decidir se concordamos ou discordamos dessas escolhas, disse.

As alíquotas ad rem são baseadas em quantidades e as alíquotas ad valorem são aplicadas na forma de um percentual sobre uma base de cálculo. No caso da alíquota ad rem, em vez de se aplicar um percentual incidente sobre valor de uma operação comercial (ad valorem), se estabelece um valor fixo qualquer, por exemplo, R$ 2 por litro do produto comercializado (ad rem). A tributação monofásica ou concentrada responsabiliza um único tipo de contribuinte pelo tributo devido em toda a cadeia de um produto ou serviço.

A cobrança de preços menores é o que prega o Observatório Social da Petrobras (OSP), instituição de pesquisa, análise e ativismo impulsionada por sindicatos de trabalhadores ligados à Federação Nacional dos Petroleiros, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps) e pelo Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos (Ilaese):

“Nossa proposta é que a Petrobras passe a cobrar preços menores dos produtos derivados e, obviamente, isso diminuiria o pagamento de dividendos. Mas, mesmo assim, o lucro da estatal se manteria alto, não só porque os combustíveis ainda dariam lucros consideráveis, mas também porque o setor de exploração e produção da Petrobras está se beneficiando de custos baixos advindos do pré-sal e de preços elevados no mercado internacional para exportação.” (veja quadro abaixo)

O PPI foi objeto de uma minuciosa troca de opiniões entre o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) e o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque, em audiência pública sobre o panorama energético na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado, no dia 9 de novembro. O parlamentar lembrou ao ministro que muitos itens da planilha de custos da Petrobras não estão atrelados ao câmbio ou às variações do preço do petróleo no mercado internacional:

— Sou empresário. Entendo a lógica de que a formação de preços atrelada ao dólar traz um saneamento econômico à empresa, mas também traz dividendos a seus acionistas. Nós temos que pensar  nos brasileiros, que não estão aguentando pagar R$ 7, R$ 8 por um litro de combustível. Será que não é a hora de, nessa formação de preço, já que o custo de produção da Petrobras é em reais, o custo dos servidores da Petrobras, da companhia, da exploração, é feito em reais, nós bancarmos esse preço para os brasileiros superarem este momento de crise? A Argentina está vendendo gasolina a R$ 3,60, R$ 3,80, na divisa do Brasil. Então, será que não é a hora de nós, todos juntos, termos mais orgulho ainda do novo momento que a Petrobras vive e dizermos “olha, vamos ganhar um pouco menos, porque os brasileiros estão pagando essa conta! Essa empresa é dos brasileiros!"

Para explicar por que desaconselha mudanças no sistema de preços por paridade e prefere remeter solução para o campo tributário, o ministro elencou razões de ordem econômica, legal e prática.

No entender dele, o fator principal para a alta nos preços dos combustíveis foi justamente a alta do petróleo, que, só em 2021, chegou a 60%, com tendência a subir mais por causa da chegada do inverno no Hemisfério Norte

— O Brasil aumentou a produção dele, mas a produção no mundo caiu. Os investimentos em petróleo e gás no mundo, nos últimos três anos, caíram 40%. E agora nós temos uma crise de oferta e demanda. A demanda é maior do que a oferta. Daí o aumento. Então, se nós formos ver ali, o preço do barril de petróleo saiu de US$ 66, em janeiro de 2020, caiu a US$17 em abril. Aí subiu e hoje está na ordem ali dos US$ 84. E, se nós formos ver a desvalorização cambial, o nosso câmbio saiu, em janeiro de 2020, de R$ 4 [por dólar] e hoje está na ordem de R$ 5,55. Então, isso tudo leva a esse aumento no preço dos combustíveis.

Albuquerque afirma que o reequacionamento dos preços pode vir por negociação que já está ocorrendo no âmbito do Congresso.

— O ICMS é ad valorem, ou seja, é calculado sobre o preço total do combustível. Da forma em que o preço do combustível na refinaria vai subindo, ele vai crescendo numa proporção maior do que o preço na própria refinaria. E o Brasil ainda é importador de derivados de petróleo. Nós importamos hoje cerca de 27% a 30% do nosso GLP, importamos cerca de 25% do nosso óleo diesel e importamos de 6% a 8% de gasolina que consumimos aqui no Brasil.

Para descrever a grandeza do mercado em termos de arrecadação de impostos, o ministro informou que o Brasil é o quarto maior consumidor de combustíveis automotivos do mundo.

— O valor de mercado é de R$ 607 bilhões, que correspondem, por exemplo, a 50% da receita líquida da União em 2020. Isso é o comércio de combustíveis no Brasil, daí a importância para a União, para os estados e até mesmo para os municípios.

Carlos Fávaro e Bento Albuquerque em audiência pública no Senado no dia 9 de novembro (foto: Roque de Sá/Agência Senado)

Outro ponto importante que, segundo o ministro, tem que ser considerado para diminuir o preço final para o consumidor é a alteração da metodologia do preço médio ponderado ao consumidor final, base para a tributação via ICMS, que é realizado hoje de 15 em 15 dias. A redução de alguns tributos pelo Executivo [além do PIS e da Cofins] está em análise, já que teria de ser compensada. Além disso, pensa-se em um “colchão tributário” para permitir, ao longo do tempo, o amortecimento das variações dos preços do petróleo e dos combustíveis. Por fim, no conjunto de medidas em exame está a criação de uma reserva de capital para estabilizar os preços em momentos de “volatilidade muito grande”.

Dos pontos de vista legal e da estrutura do mercado, o preço de paridade se justifica, conforme Albuquerque, porque a Petrobras e a maior empresa de petróleo e gás no Brasil, mas não é a única:

— Há outras empresas entrando. A Petrobras já se desfez de duas refinarias e está em processo com mais quatro, talvez, no final deste ano, no início do próximo ano. E temos que ter uma preocupação agora muito grande com o desabastecimento, porque a importação do combustível que a gente pensa leva, no mínimo, 90 dias [entre outras providências]. Então, hoje nós temos uma parcela do mercado, cerca de 20% do mercado de combustíveis, que não é da Petrobras. Então, mudar qualquer coisa tem que ser uma mudança com bastante critério, com bastante transparência e governança, para que a gente possa atingir os objetivos. E eu não tenho dúvida de que todos nós estamos trabalhando nisso, o Congresso Nacional, o Executivo, para que a gente possa dar uma resposta à sociedade. Eu acredito que isso vá ocorrer.

Ele citou uma série de entraves legais a qualquer interferência do governo na Petrobras que possa desequilibrá-la econômica ou financeiramente. A Lei do Petróleo (Lei 9.478, de 1997), define a empresa como uma sociedade de economia mista, cuja maior parte dos acionistas (63%) não é a União, mas pessoas ou entes privados, como fundos de pensão estrangeiros e brasileiros. Mesmo sendo vinculada ao Ministério de Minas e Energia e tendo como responsabilidades a pesquisa, a lavra, a refinação, o processamento, o comércio e o transporte, deve desenvolver essas atividades “em caráter de livre competição com outras empresas, em função das condições de mercado".

Já a Lei das SAs (Lei 6.404, de 1976) proíbe alterações na empresa que possam vir em prejuízo dos acionistas minoritários. Mais recente, a Lei das Estatais (Lei 13.303, de 2016) prevê que “as ações e deliberações do órgão ou ente de controle [no caso, o Ministério de Minas e Energia ou o Conselho Nacional de Política Energética] não podem implicar interferência na gestão das empresas públicas a ele submetidas nem ingerência no exercício de suas competências ou na definição de políticas públicas”.

Coerente com todas essas limitações, o próprio Estatuto da Petrobras estabelece que, “quando orientada pela União a contribuir para o interesse público, a companhia somente assumirá obrigações ou responsabilidades que respeitem as condições de mercado definidas”. A cada exercício social, a União compensará a companhia “pela diferença entre as condições de mercado definidas e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida”.

Albuquerque fez uma retrospectiva para criticar a desvinculação da Petrobrás dos preços praticados no mercado internacional:

— Até 2016, houve efetivamente o controle de preço, que não só levou a Petrobras a pagar multas bilionárias para a Bolsa de Valores de Nova York, por exemplo, para investidores internacionais, mas levou a Petrobras também a ser a empresa de petróleo e gás mais endividada do mundo, por conta dessa política de controle de preços que estava também contrariando o nosso próprio arcabouço legal, que, eu mostrei aqui, vem desde 1997. O preço da energia e dos combustíveis cresceu no mundo todo. O que nós temos que fazer é, de acordo com as nossas características e as nossas vantagens competitivas, estabelecer as nossas políticas públicas para que o consumidor brasileiro tenha o preço mais justo possível e minimizar os impactos socioeconômicos em nossa sociedade.

Na sua rememoração, o ministro comentou igualmente sobre erros cometidos antes de 2016, que teriam dado prejuízos e impedido a formação de um fundo para situações de emergência.

— O Comperj é uma refinaria cuja construção começou em 2006 e deveria ter terminado em 2012, mas não foi concluída até hoje. E nem será concluída. Agora lá vai ter uma unidade de processamento de gás natural, que vai receber, a partir do final do ano que vem, início de 2023, 21 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia. Sabe quanto se perdeu lá em recursos? R$ 28 bilhões. Nós poderíamos, com esses R$ 28 bilhões, em termos de políticas públicas, por exemplo, atender todos os brasileiros do Cadastro Único com gás liquefeito de petróleo por três anos.

— Com relação à Petrobras, ministro, não tenha dúvida, os brasileiros já deram a resposta, nós não queremos mais aquele modelo. O que levou a Petrobras àquela formação de preço foi a corrupção. Os brasileiros já deram a resposta nas urnas. Aquele modelo não nos interessa mais, temos que olhar para frente — respondeu Fávaro, que, no entanto, manteve seu ponto de vista sobre a conveniência de a Petrobras sacrificar um pouco seus lucros em benefício da população.

Manifestação, em 2015, de trabalhadores demitidos após a paralisação das obras do Comperj (foto: Getty Images)

Monopólio

No dia 23 de novembro, a discussão sobre os rumos da Petrobras prosseguiu no Senado em uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) proposta pelo senador Otto Alencar (PSD-BA). Ali o presidente da empresa, general Joaquim Silva e Luna, não só creditou os reajustes de preços à lei da oferta e da procura, à variação cambial e à correta administração da empresa, como também procurou ressignificar o  papel da estatal no mercado. Segundo ele, o monopólio não existe formalmente desde 1997 e, de fato, já é coisa do passado no caso da exploração e da produção de petróleo. No refino, o cenário é outro.

A partir de 1997, a União permite que se licite a concessão de áreas petrolíferas para o mercado e fica estabelecido o regime de livre concorrência. Ou seja, há 24 anos não existe monopólio. A Petrobras compete livremente com outros atores do mercado. O monopólio terminou, vamos dizer, de fato, na parte de exploração e produção. Hoje, temos a ordem de 86 empresas explorando e produzindo petróleo no Brasil e recentemente 56 que apresentaram resultados. No entanto, essa mesma quantidade de empresas não se manifestou na área de refino , disse o presidente da empresa.

A reação dos senadores a essas e outras afirmações de Silva e Luna não foi uniforme (veja quadro). Embora ele tenha encontrado apoio à gestão da companhia como uma sociedade de capital aberto e, portanto, com satisfações a dar aos acionistas, recebeu questionamentos quanto aos efeitos da política de preços sobre a economia popular e sobre a política de investimentos adequada à segurança do país em matéria de combustíveis.

Para o senador Jean Paul Prates, ainda que não se possa realmente considerar o mercado atual de inteiramente monopolista, não há coerência nas avaliações do presidente da Petrobras em relação à fatia de cada participante na oferta de combustíveis e ao peso que a Petrobras acaba tendo na determinação dos valores cobrados ao consumidor.

O presidente da Petrobras reforçou o argumento de Albuquerque em relação à inconveniência de “preços artificiais”, já que desestimulariam as importações de derivados e poderiam levar a desabastecimento, e mostrou números (veja no Saiba Mais) que demonstrariam a importância relativa da empresa nos aumentos:

— A Petrobras tem que atuar como uma empresa privada, praticar preços de mercado.  No caso de acontecer a aplicação de preço artificial, a Petrobras tem que ser ressarcida, conforme o contrato que fizer com o acionista do controlador. Quero lembrar que, em 2018, no período da greve dos caminhoneiros, ainda no governo Temer, isso foi feito. A Petrobras foi ressarcida num valor da ordem de R$ 6,8 bilhões por ter praticado um preço controlado.

Apesar de o Brasil importar derivados de petróleo, Silva e Luna disse que a PPI é “apenas uma referência” quando se trata de reajustar preços.

 — O preço é uma equação em que a PPI é uma das suas variáveis, é um dos termos. A Petrobras reajusta os preços dos combustíveis observando o mercado externo e o mercado interno, como eles se comportam, a competição entre produtores e importadores. No caso do mercado externo, observamos, particularmente, os Estados Unidos, a Europa e a Ásia e a variação do preço do brent [óleo extraído do Mar do Norte] no mercado mundial, se se trata de um fenômeno conjuntural ou estrutural.

Senadores ouvem Silva e Luna em audiência pública presidida pelo senador Otto Alencar (foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

Silva e Luna relacionou algumas das grandes importadoras de diesel e gasolina no Brasil — Vibra, Ipiranga, Raízen e Atem — para reforçar seu ponto de vista de que a Petrobras não define tudo.

— A Vibra é aquela que antes era a BR, a BR Petrobras. Essa não pertence mais à Petrobras. A Petrobras responde por apenas uma fração nos preços de combustíveis no Brasil.

 A atual política de preços, por outro lado, seria a garantia de que a Petrobras possa gerar dividendos à União e tributos em todas as esferas da federação.

— Os bons resultados da Petrobras, que responde por 4% do PIB do Brasil, retornam para a sociedade através de investimentos, através de dividendos e [pelo fato de ser] uma empresa forte. Para cada R$ 1 milhão colocados [investidos pela estatal], há a ordem de 10 mil empregos criados e um avanço muito grande na área tecnológica.

De acordo com ele, em 2021, estão previstos pagamento de tributos no montante de R$ 201 bilhões, investimentos de R$37,4 bilhões, dividendos pagos e já anunciados, somente para a União, de R$ 27,1 bilhões e pagamento de dívidas de R$161 bilhões.

No que diz respeito à segurança ou autossuficiência em combustíveis, Silva e Luna entende que deve ser "estimulada por novos investidores".

— A Petrobras é autossuficiente na produção de petróleo, mas não é em refino, exatamente. As 13 refinarias não refinam a quantidade necessária para o consumo do Brasil. A ideia de aumentar a quantidade, permitir que outros investidores façam investimento em refino é exatamente para aumentar essa capacidade, ou construção de novas refinarias, ou ampliar as existentes. E aí, sim, abastecer todo o mercado. A Petrobras pretende ficar, nesse acordo feito com o Cade, com cinco refinarias, as quatro de São Paulo e a do Rio de Janeiro.


Clique e veja as participações de senadores em audiência sobre a Petrobras na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE)

Omar Aziz (PSD-AM)

Omar Aziz

"Essa política, general, é uma política anti-Brasil, é uma política antinacional, é uma política contra o povo brasileiro. Era importante os técnicos da Petrobras dizerem aqui, em números reais, qual foi o investimento da Petrobras em 2021. Previsão: R$ 37 bilhões. Já os dividendos, R$ 70 bilhões entre Petrobras e acionistas. Essa política é uma política contra os brasileiros, a favor do lucro. A Petrobras é uma estatal com investimento particular, mas ela tem uma razão de existir desde Getúlio Vargas: é a autonomia. Eu espero que o Presidente da Petrobras possa encaminhar a esta Comissão o valor exato de investimentos em 2021. As leis são feitas, mas, quando estão erradas, elas podem ser modificadas. E eu proponho ao general, que agora diz que está cumprindo a lei, que faça uma proposta para esta comissão de qual é a lei que nós temos que mudar para que a gente possa realmente ter uma Petrobras a serviço do povo brasileiro”.

 

Jean Paul Prates (PT-RN)

Jean Paul Prates

"O Cade acordou e disse, 'eu tenho a impressão de que a Petrobras é dominante no diesel e na gasolina. Manda vender refinaria'. A Petrobras foi lá e disse, 'ok, eu vou vender'. Não contestou nada. Não houve estudo de mercado para sustentar essa decisão. Foi uma impressão que o Cade teve. Esse ponto está na base desse processo do PPI [Preço de Paridade de Importação]. É a venda das refinarias que faz o governo lutar tanto para manter esse PPI, em detrimento do preço nacional e da população brasileira. Ele quer manter a possibilidade totalmente aberta, sem ter nenhum trabalho para fazer, o complexo trabalho de coadunar preço interno com interesse de investidor numa refinaria. Pode até querer vender uma refinaria ou outra, nem sou contra, mas criar um ambiente disso não requer necessariamente penalizar a dona de casa, para ela não ter gás de cozinha para cozinhar e ter que cozinhar com lenha. Isso é preguiça e incompetência desse governo”.

 

Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE)
líder do governo no Senado

Fernando Bezerra Coelho

  

"Na realidade, a Petrobras, na gestão do governo do presidente Bolsonaro, se desincumbiu de uma tarefa muito desafiadora: reduzir dívida da empresa. Os números eram astronômicos. Eu acabei de ouvir agora que a Petrobras é a mais lucrativa empresa do setor de petróleo do mundo! Que coisa boa! Porque, há quatro anos, a Petrobras era a empresa mais endividada do setor de petróleo. Na realidade, hoje, através de um plano bem definido de desmobilização de ativos, a Petrobras, com mais eficiência, com controle dos seus custos, retoma a sua capacidade de voltar a investir e de remunerar os seus acionistas. O Senador Jean Paul Prates tem diante de si um grande desafio, que é, de fato, tentar colocar de pé um fundo de estabilização que possa não desarrumar todo o marco legal que foi construído nos últimos anos para viabilizar os investimentos expressivos no setor de petróleo e gás neste País. Queria me colocar contra a ideia de se criar esse fundo a partir da criação de um imposto, porque isso desarruma todo o marco legal. Em vez de ser solução, vai trazer desalento, desemprego e falência para setores da nossa economia. Todo movimento de interferir em preços no mercado livre e competitivo termina trazendo distorções. Isso não foi neutro no passado. Nós quebramos a indústria sucroalcooleira. Diversas usinas em São Paulo, em Goiás, em Minas Gerais, em Pernambuco, em Alagoas entraram em processo de falência, de demissão, de desemprego porque se mexeu de forma artificial nos preços e desestimulou um combustível que é competitivo e que concorre com a gasolina, que é o álcool, que é o etanol".

 

Esperidião Amin (PP-SC)

Esperidião Amin

"No ano passado, o valor de um barril de petróleo era menos do que zero e agora chega a US$ 80. Então, se você não tiver um fundo de equilíbrio, e jogar isso para a bomba, vai acontecer isso que está acontecendo no Brasil, e a culpa não é da Petrobras. É culpa da política pública, de que nós somos responsáveis. Qual é a fonte? Eu não vou nem citar quais são as alternativas, mas a primeira delas é o royalty do petróleo. Ou nós vamos querer ver cidades, uma cidade receber R$ 1 bilhão, por ano porque ganhou na loteria? Confina com o mar e ali na frente tem uma boa safra. Para quem se lembra das manchetes da Petrobras nos últimos oito anos ou dez anos, eu acho que o General merece o meu aplauso, porque está fazendo, do ponto de vista de gestão, uma empresa que não é apenas uma estatal, é uma empresa que tem ações na bolsa de valores de Nova York, e isso já nos custou algum trocado, inclusive com decisões judiciais lá havidas. Eu acho que a gestão da Petrobras está sendo aqui analisada com mais aspectos positivos do que negativos. Agora, a política pública — e isso é de responsabilidade nossa e do governo, do Executivo — está falhando, especialmente pela falta de um fundo de equilíbrio que impeça essa oscilação doida de especulação e guerra, ameaças, especialmente dos países que detêm as maiores reservas. Basta dar um espirro, e o barril de petróleo vai lá para cima. Isso tem que ter um amortecedor, e esse amortecedor nós não temos. É nosso dever prioritariamente criá-lo”.

 

Oriovisto Guimarães (Podemos-PR)

Oriovisto Guimarães

"Em 2017, a Petrobras não distribuiu nenhum centavo de lucro, pela simples e boa razão de que não teve lucro, o lucro dela foi zero. Em 2018, a Petrobras fez um lucro de R$ 25,8 bilhões, distribuiu 7 bilhões. Um pouco mais do que a obrigação legal [25%], 27,19%. Em 2019, ela fez R$ 40 bilhões de lucro, distribuiu R$ 10,57 bilhões, 26%, pouca coisa a mais que obrigação legal. Em 2020, ela teve apenas R$ 7 bilhões de lucro, distribuiu R$ 10,2 bilhões, distribuiu 144,51% sobre o lucro, distribuiu mais que o lucro; usou caixa de anos anteriores, por óbvio. Em 2021, ela está realmente com uma previsão de lucro muito interessante: deve fazer R$ 75 bilhões de lucro, e está falando em distribuir 63,4 bilhões ou 84%. A Petrobras tem um sócio majoritário, pelo menos com relação às ações que dão o comando, que nomeiam o presidente, que é o governo central, mas 64% do capital da Petrobras hoje é privado. Se a Petrobras não paga dividendos, esse capital privado simplesmente vende essas ações. Ninguém que compra ação da Petrobras compra por patriotismo. É uma empresa, trata-se de lucro. Esse acionista que tem o poder de mando, mas não tem a maioria do capital, gosta muito de dividendo, precisa muito de dinheiro. Então, é muito natural que a Petrobras seja pressionada a distribuir dividendos para o governo federal. Se ela não pagar os dividendos ao acionista majoritário, o acionista que tem poder de mando, o acionista majoritário pode simplesmente trocar o presidente, fazer o que bem entender. E, ela pagando ao acionista majoritário, obviamente terá que pagar a todos. Então, eu acho que o grande problema não está na Petrobras. Está na nossa política macro, nas interferências que sofre, nas exigências que deve obedecer do seu acionista majoritário. Todo mundo fala que o petróleo afeta tudo! Tudo bem, eu concordo isso. Só que o que afeta o preço do petróleo? O dólar. Só do petróleo? Não. O Brasil não só é autossuficiente em soja, como exporta soja para o mundo inteiro. E a soja para os brasileiros sofre influência do preço do dólar, porque a bolsa de Chicago acaba dando o preço internacional da soja. Temos que pensar em resolver os problemas nacionais, temos que pensar num fundo de compensação. O imposto não é a melhor ideia. Mas simplesmente fazer da Petrobras um bode expiatório e achar que todos os problemas estão na Petrobras, desculpem, é uma análise muito superficial”.

 

Angelo Coronel (PSD-BA)

Angelo Coronel

"O abastecimento nacional de combustível é considerado atividade de utilidade pública. Assim sendo, a produção e o refino não podem ser tratados como simples negócios privados, ainda mais no caso dos derivados de petróleo, em que os preços apresentam altíssima volatilidade no mercado internacional e no caso de países como o Brasil, onde há alta volatilidade na taxa de câmbio. A Petrobras tem adotado uma política de preço de paridade de importação. Desta forma, a estatal cobra preços pelo derivado como se todo ele fosse importado. O Brasil é praticamente autossuficiente em derivados como óleo diesel e gasolina. Assim sendo, não faz sentido a Petrobras praticar a paridade de importação que tanto prejuízo traz à sociedade brasileira, ao cobrar das distribuidoras um preço maior do que o do mercado internacional. O presidente Joaquim Silva e Luna disse que o preço que sai da Petrobras, até chegar às bombas dos postos de combustíveis, sofre praticamente uma alta aviltante. O senhor quis dizer, na minha ótica, que os postos de combustíveis são os algozes do aumento de combustíveis. Já vi que precisamos fazer uma CPI no Senado para investigar realmente onde está, quem é o algoz do preço de combustível para o consumidor brasileiro: se é a Petrobras, se são as distribuidoras ou se são os revendedores. Sr. Presidente Joaquim Luna, o senhor informou também que o Brasil importa 30% dos derivados. Eu vejo nisso uma certa contradição. Mas a minha proposta aqui — e o senhor na sua apresentação já foi contrário — é a criação de um imposto de exportação, que, a meu ver, seria uma das soluções para esse problema da alta do combustível nas bombas. Seria o ideal, porque, se cobrássemos o imposto de exportação para as empresas exportadoras do nosso óleo bruto, criaríamos um fundo de estabilização que talvez desse para fazer frente a essas altas”.

 

Eduardo Braga (MDB-AM)

Eduardo Braga

"Esse tal de PPI precisa ter uma neutralização. A minha proposta é no sentido de que tenhamos, sim, o fundo de equalização, talvez não com imposto sobre exportação, mas, sim, com recursos da PPSA [Pré-sal Petróleo S.A.], ou com uma parte dos recursos da nossa reserva cambial, porque isso é um fundo para equalizar. Esse não é um fundo para gastar, é um fundo para equalizar, para acabar com o que está acontecendo de fome e de desespero! Isso impacta o preço do feijão, do arroz, do sal, do açúcar, a cesta básica. O óleo diesel impacta tudo, a gasolina impacta tudo e o GLP é fundamental. E não dá mais para ter o efeito cascata de tributação, seja dos estados, seja da União, em cima da gasolina, em cima do óleo diesel, em cima do gás de cozinha e em cima da energia elétrica. Se nós fizéssemos a tributação com o mesmo percentual que existe hoje, monofásica no preço da distribuidora, nós estabilizaríamos o preço, com uma redução de no mínimo 30% para o consumidor. Se estabelecêssemos o fundo de equalização, nós equalizaríamos a paridade cambial e com isso nós voltaríamos a ter uma redução da inflação, e o preço do combustível não impactaria da forma dramática, desesperadora com que está impactando a todos”.

 

O caminho das políticas públicas conduzidas pelo governo, ao lado de uma administração das estatais voltada para os seus objetivos empresariais é também o que advoga o consultor legislativo do Senado para a área de Energia Luiz Bustamante:

— Uma empresa bem administrada beneficia a sociedade e todos os acionistas. Essa separação entre a União e os “demais acionistas” é usada de forma demagógica. Como principal acionista, a União é quem recebe a maior parte dos dividendos da Petrobras, gerados pelo lucro das operações da empresa. Se for o caso, o governo pode realizar políticas públicas com esses recursos, evidentemente seguindo todo o processo legislativo-orçamentário. Haveria maior transparência do que nas decisões empresariais e a sociedade poderia participar por meio de seus representantes no Legislativo. Por exemplo, se há R$ 30 bilhões de dividendos da Petrobras, seria melhor utilizá-los num programa de transferência de renda ou barateando o diesel? O risco de “políticas públicas” realizadas por empresas é a sua captura por interesses particulares. Há poucos anos, por exemplo, a Petrobras foi utilizada como ferramenta para alavancar a indústria naval. O resultado dessa “política pública” é bem conhecido. (veja entrevista abaixo).

Baixo carbono

Outro ingrediente a complicar a definição de um futuro para a Petrobras é o fato de que o principal negócio da empresa, como o próprio nome diz, é petróleo, matéria prima composta em quase 90% por carbono. E carbono é tudo o que o mundo precisa armazenar, e não lançar para a atmosfera, dadas as exigências do acordo do clima.

Esse frágil telhado ambiental foi a peça de uma declaração dada em 25 de outubro pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em defesa da privatização da empresa — enquanto há interesse pelo que ela extrai do subsolo e o mercado estiver disposto a pagar até R$ 100 bilhões por seus papéis.

“O presidente Bolsonaro falou que estudaria o que ia fazer com a Petrobras. E, se daqui a 10 ou 20 anos, o mundo inteiro migra para hidrogênio e energia nuclear, abandonando o combustível fóssil. A Petrobras vai valer zero daqui a 30 anos. E deixamos o petróleo lá embaixo com uma placa de monopólio estatal em cima”.

O ministro acha que o mais sensato é produzir petróleo a todo vapor e converter o dinheiro desse negócio em “educação, investimentos e tecnologia”. De acordo com ele, “não adianta ficar uma placa dizendo que é estatal e o petróleo não sai do chão. E quando sai, sai com corrupção. Se houve a maior roubalheira da história no ‘petrolão’ e agora o preço do petróleo só sobe, o que o povo brasileiro ganha com isso?”.

Os fatos não dão margem a procrastinações. Em agosto o próprio governo apresentou ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) um plano para o desenvolvimento de tecnologias e do mercado de hidrogênio.

"Sem a viabilização técnica e econômica do hidrogênio de zero ou baixo carbono, será muito difícil para os países atingirem os compromissos e ambições nacionais do Acordo de Paris e de neutralidade líquida de emissões de carbono em 2050. Ademais, o desenvolvimento da economia do hidrogênio pode trazer outros benefícios aos países nas áreas de segurança energética e inovação tecnológica. Observa-se um movimento internacional em torno do hidrogênio como solução de descarbonização em importantes mercados de produção de eletricidade como a União Europeia (UE) — em particular a Alemanha —, o Japão e os EUA, por exemplo", diz o texto do documento entregue ao CNPE. (Acesse pelo Saiba Mais)

De acordo com o relatório de diretrizes, o mercado de hidrogênio "trará ampla gama de oportunidades de negócios" para o próprio petróleo, mas também para o gás, para combustíveis renováveis biocombustíveis, para a energia nuclear e outras indústrias. "Existem diferentes rotas tecnológicas e insumos para a produção de hidrogênio. Atualmente, cerca de 70% da produção do hidrogênio é obtida pela chamada reforma do metano a vapor usando gás natural como insumo. "As tecnologias de captura, sequestro e uso de carbono (CCUS) podem tornar o hidrogênio produzido a partir de gás natural (cinza) em hidrogênio de baixo carbono (azul), reduzindo em 90% sua pegada de carbono", relata o informe. O grande passo rumo às energias limpas, contudo, é a geração de hidrogênio verde pela eletrólise da água a partir de eletricidade gerada por fontes renováveis como a hidrelétrica, a eólica e a solar. O hidrogênio verde será competitivo até 2030.

Embora enalteça em relatórios e comunicados o aprimoramento de seus processos produtivos com vistas a uma menor emissão de carbono e publique os números de seus projetos socioambientais, em relação ao objeto de sua atividade, a geração de energia, a Petrobras tem usado a venda de ativos para se colocar um pouco mais distante das energias limpas, em sentido estrito, com a venda de participações em sociedades nas áreas de energia eólica e biodiesel. A diminuição do percentual de biodiesel no diesel de petróleo, aliás, foi motivo de uma das queixas do senador Carlos Fávaro durante a reunião da CI com Bento Aluquerque.

— Quero compreender um pouco a lógica do ministério em diminuir o incremento de biodiesel no diesel. O Brasil tem que ter estímulo para a sua produção. Nós temos uma política de biocombustíveis de 50 anos. Com o planejamento das empresas que se instalaram neste país, que investiram, acreditaram, era para nós estarmos já incrementando o B15 — 15% de biodiesel no diesel brasileiro —, um produto verde, ecologicamente correto, sustentável, que gera empregos, que não depende da importação. "Ah, mas o biodiesel, neste momento de commodities caras, da soja cara, do óleo de soja caro também, vai encarecer ainda mais a produção!". Mas apenas R$ 0,03. Foi reduzido de B13 para B10, para se economizarem R$ 0,03 no litro de biodiesel, colocando em risco, ministro, mais de 100 mil empregos diretos. Nós não podemos fazer isso com os brasileiros, em detrimento de importar o diesel S500, um diesel sujo, poluente.

Conheça as análises e posições do Observatório Social da Petrobras (OSP)

Sobre o presidente Jair Bolsonaro dizer que "a Petrobras é um problema" e tem que ser privatizada:

A Petrobras ser encarada como um problema por Bolsonaro por conta do debate entorno dos preços dos combustíveis é muito ruim. É um setor estratégico para o país, e hoje só podemos discutir se o preço é muito alto porque temos uma grande estatal inserida na cadeia produtiva. Por exemplo, nos últimos 24 meses o preço da carne subiu 66%, segundo dados do IPCA/IBGE. No entanto, não temos debate sobre isso, simplesmente as pessoas vão deixando de comer carne e substituindo por ovo ou por nada. Já a gasolina, nos últimos dois anos, subiu 49%. E temos muitos questionamentos. Claro que é mais difícil de substituir a gasolina do que a carne, até porque o etanol sobe junto. O cenário deixa claro que ter estatais em setores estratégicos é fundamental para que a população diga quando está insatisfeita, além de poder atuar para contornar a alta de preços. Ter a Petrobras nas mãos do Estado não é um problema. Pelo contrário, é a solução.

Sobre as possíveis desvantagens para o país com a venda das ações que o Estado tem na Petrobras

A primeira desvantagem em relação a privatizar a Petrobras é o que tratamos anteriormente: o setor privado passará a ditar seus preços unicamente em função do lucro e o PPI se tornará piso, e não mais o teto. A Petrobras está fazendo isso hoje e chegamos aos maiores preços do século XXI. E isso acontece em meio à crise econômica e social que o Brasil vive. Mas enquanto a Petrobras for estatal, há alternativas (e é justamente disso que Bolsonaro reclama). Ela pode se comportar como em períodos anteriores, onde aliviava grandes altas de preços e mesmo assim era uma forte geradora de caixa.

A segunda é que esse setor é extremamente oligopolizado, dada a sua própria natureza. A venda de pedaços da estatal já vem criando monopólios e oligopólios privados. A venda da Liquigás concentrou o mercado de venda de gás de cozinha. A venda da Gaspetro está criando um grande monopólio da Cosan e da Mitsui na distribuição de gás natural. A venda das transportadoras de gás natural (NTS e TAG) criaram um enorme monopólio no setor, controlado por empresas estrangeiras. Estudos já mostraram que as vendas das refinarias criarão monopólios regionais. É uma transferência de monopólio estatal para monopólios privados, o que é um pesadelo para o consumidor brasileiro.

Sobre as alternativas aos constantes aumentos de preços de combustíveis e à distribuição polpuda de dividendos aos acionistas

Segundo projeções do banco UBS, em 2021 a Petrobras deverá ser a terceira maior pagadora de dividendos dentre todas as petrolíferas do mundo e, em 2022, será a maior pagadora de todas (em termos de “rendimento de dividendos”). Se compararmos a anos anteriores, a Petrobras está pagando 5,5 vezes o que pagava de dividendos anteriormente. Tudo isso às custas da privatização da empresa (o programa de desinvestimentos está indo para o bolso dos acionistas), da valorização do barril de petróleo e de uma política de preços elevadíssimos. Nossa proposta é que a Petrobras passe a cobrar preços menores dos produtos derivados e, obviamente, isso diminuiria o pagamento de dividendos. Mas, mesmo assim, o lucro da estatal se manteria alto, não só porque os combustíveis ainda dariam lucros consideráveis, mas também porque o setor de exploração e produção da Petrobras está se beneficiando de custos baixos advindos do pré-sal e de preços elevados no mercado internacional para exportação.

Sobre projeto de lei (PL 1.472/2021) que tramita no Senado para mudar a política de preços da Petrobras 

Taxar exportação de petróleo cru é positivo, por dois motivos. O primeiro é que incentiva o consumo interno, a venda do petróleo para as refinarias locais (que estão com ociosidade há anos), ao invés de simplesmente exportar o produto bruto. Isso gera economia de divisas e aumenta a produção de produtos de maior valor agregado nacionalmente.

O segundo é que o Brasil cobra menos participações governamentais do que o restante do mundo no setor de petróleo e gás. E temos que corrigir isso, pois o Estado é o proprietário dessa riqueza. No entanto, temos dúvidas sobre o efeito do financiamento aos comercializadores de combustíveis a partir desse fundo, se pode ocorrer simplesmente a transferência desse imposto para importadores de combustíveis. Esse problema se acentua, pois mesmo com o PPI estamos com uma defasagem em relação ao preço internacional e, dependendo de como for a versão final do projeto, podemos criar apenas um financiamento para importadores (que passariam a receber mais receitas do que estão recebendo hoje, já que o preço de referência seria o internacional, na prática um pouco superior ao que está sendo praticado nesses últimos meses no mercado local).

Por isso, ainda defendemos que o melhor caminho seja um projeto que estabeleça a precificação da Petrobras baseada nos custos reais da empresa (o que está parcialmente contemplado em proposta no Senado).

Entrevista

Luiz Bustamante, consultor legislativo do Senado

“A privatização da Petrobrás tende a ser vantajosa, desde que haja garantia de concorrência”

Luiz Bustamante em audiência pública na Câmara dos Deputados (foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O consultor do Senado, Luiz Bustamante tem um vínculo com a área de Minas e Energia que ultrapassa em muito a abordagem meramente teórica. Pesquisador em siderurgia, obteve em 2005 seu doutorado em engenharia metalúrgica e de materiais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com a apresentação de tese na qual demonstra a viabilidade de ligas de magnésio para a constituição de baterias de hidrogênio. O hidrogênio é uma das esperanças para a substituição de combustíveis fósseis — a gasolina, por exemplo — no transporte automotivo, de modo a diminuir a emissão de gases de efeito estufa e conter o aumento da temperatura global. A transição da economia para um ambiente de energias limpas, no entanto, será mais lenta do que se imagina, conforme Bustamante, que é também mestre em direito pela Queen Mary University, de Londres. E esse compasso lento é um dos parâmetros para as decisões que o Brasil deve tomar daqui para a frente quanto ao futuro da Petrobras, empresa que opera majoritariamente no setor de combustíveis fósseis. Entre as alternativas para a companhia defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro está a venda da empresa à iniciativa privada, seguindo o que se deu com a Eletrobras. O consultor não vê problemas em uma privatização bem estruturada, mas adverte que só será realmente benéfica com a quebra efetiva do monopólio hoje detido pela estatal: “A privatização da Petrobras tende a ser vantajosa porque a administração empresarial privada é usualmente mais eficiente do que a estatal, mas antes é preciso garantir a concorrência nas áreas em que a empresa é monopolista de fato. O monopólio privado pode ser tão ruim ou até pior que o monopólio estatal”.

Agência Senado — A Petrobras pode mesmo ser responsabilizada pela alta dos preços dos combustíveis ou estamos diante de um falso dilema e os mecanismos para estabilizar os preços internamente são de outra natureza, como o câmbio?

LB — Sem dúvida os principais fatores que explicam a atual alta dos preços dos combustíveis são o aumento da cotação do petróleo e a desvalorização do real. Contudo, é preciso lembrar que a Petrobras é monopolista de fato na área de refino e, sem concorrência, a estatal não precisa reduzir suas margens para manter sua participação no mercado.

Agência Senado — É possível a essa companhia viver ao mesmo tempo o papel de estatal de petróleo, pressionada por demandas do governo e da sociedade, e empresa de economia mista, tendo de dar satisfação aos demais acionistas?

LB — É possível, mas é difícil porque o modo “empresarial” das estatais não faz parte de nossa cultura política e social, muito contaminada pelo patrimonialismo e o populismo. Uma empresa bem administrada beneficia a sociedade e todos os acionistas. Essa separação entre a União e os “demais acionistas” é usada de forma demagógica. Como principal acionista, a União é quem recebe a maior parte dos dividendos da Petrobras, gerados pelo lucro das operações da empresa. Se for o caso, o governo pode realizar políticas públicas com esses recursos, evidentemente seguindo todo o processo legislativo-orçamentário. Haveria maior transparência do que nas decisões empresariais e a sociedade poderia participar por meio de seus representantes no Legislativo. Por exemplo, se há R$ 30 bilhões de dividendos da Petrobras, seria melhor utilizá-los num programa de transferência de renda ou barateando o diesel? O risco de “políticas públicas” realizadas por empresas é a sua captura por interesses particulares. Há poucos anos, por exemplo, a Petrobras foi utilizada como ferramenta para alavancar a indústria naval. O resultado dessa “política pública” é bem conhecido.

Agência Senado — Recentemente tem se falado bastante na privatização da empresa, mesmo que não seja para já. Que vantagens e desvantagens pode haver na transferência dela ao setor privado, tanto do ponto de vista da produção de petróleo e derivados, além do gás natural, quanto do ponto de vista da administração econômico-financeira do Estado?

LB - A privatização da Petrobras tende a ser vantajosa porque a administração empresarial privada é usualmente mais eficiente do que a estatal, mas antes é preciso garantir a concorrência nas áreas em que a empresa é monopolista de fato. O monopólio privado pode ser tão ruim ou até pior que o monopólio estatal. Com relação ao petróleo e ao gás natural, certamente a Petrobras privatizada continuaria a explorar e produzir no Brasil. Afinal, várias petroleiras privadas, nacionais e internacionais, já investem bilhões de dólares nessas atividades no país. O refino local pode ser um pouco mais complicado porque existe excesso de capacidade de produção de derivados em nível mundial e o custo Brasil é uma barreira quase intransponível para a instalação de novas indústrias. Sem falar do risco representado pela eletrificação dos automóveis. De qualquer forma, a Petrobras “estatal” também não foi capaz de dotar o Brasil da autossuficiência em derivados de petróleo. Não podemos esquecer que a empresa começou a construção de quatro refinarias (Comperj, Premium I, Premium II e Rnest) na década de 2010 e só entregou meia (o primeiro dos dois trens da Rnest) e acumulou bilhões de reais em prejuízos e desvios.

Agência Senado - Se a empresa for mesmo privatizada será aconselhável o governo manter algum controle estratégico, por exemplo, por meio de uma golden-share?

LB - Quase certamente, isso ocorreria. Na privatização de empresas consideradas estratégicas já realizadas, como a Vale e a Embraer, a União criou golden-shares com poderes variados. O mesmo também acontecerá na privatização da Eletrobras. Porém, o principal controle estratégico é a soberania. As instalações e os campos de petróleo da Petrobras, em sua grande maioria, estão situados no Brasil. Como a União mantém o monopólio sobre as atividades relativas ao petróleo, elas podem ser nacionalizadas, mediante justa indenização, evidentemente. É um engano comum achar que o investidor em recursos naturais está na posição mais forte. Aliás, basta ver quantas reservas de petróleo e minas foram nacionalizadas mundo afora.

Agência Senado - Que futuro podemos vislumbrar para uma petroleira num mundo que, pelo menos em tese, caminha para a energia limpa. Por quanto tempo ainda será lucrativo extrair e vender combustíveis fósseis?

LB - É a pergunta de bilhões de dólares. Provavelmente a transição energética será mais lenta do que a maioria dos ambientalistas gostaria. Estamos tão acostumados com as vantagens decorrentes da energia barata dos combustíveis fósseis que nem percebemos, julgamos que é um “estado natural e garantido”. A atual crise energética é uma pequena amostra de como é difícil de abrir mão dos combustíveis fósseis. Bastou um pequeno choque de oferta e as consequências foram imediatas: inflação, redução do crescimento econômico, fome, intranquilidade social, etc. Apressar o fim da produção dos combustíveis fósseis sem que haja outras formas técnica e economicamente viáveis de atender à demanda por energia é o caminho para desastres tão graves quanto aqueles que serão provocados pelo aquecimento global. É um problema de difícil solução. 

Agência Senado Poderia analisar a situação brasileira em termos de segurança da produção energética e de sustentabilidade? A matriz energética está mudando em ritmo adequado às necessidades econômicas do país e às demandas por energia limpa?

LB - Comparativamente a outros países, a situação energética do Brasil é muito confortável, tanto em termos de segurança energética quanto em termos de sustentabilidade. O país possui grandes reservas de petróleo, gás natural e urânio. Possui também grande potencial eólico, solar, hidráulico e de produção de biomassa. A matriz energética brasileira é provavelmente a mais limpa entre as grandes economias. A participação das fontes renováveis na nossa matriz energética foi de 48,4% em 2020, contra 13,8% e 11%, respectivamente, da média mundial e da média dos países da OCDE em 2018. Segundo o cenário mais otimista do World Energy Council, em 2050, os combustíveis fósseis ainda representarão 59% da matriz energética mundial. Ou seja, a matriz energética brasileira nos dias atuais é mais limpa que a média mundial estimada para 2050, mesmo no cenário mais “verde”. Se o mundo como um todo tivesse uma matriz energética tão limpa quanto a brasileira, provavelmente o aquecimento global não seria uma questão relevante.

Comentários semelhantes podem ser feitos a respeito da matriz elétrica brasileira. A participação das fontes renováveis alcançou 84,8% em 2020. De acordo com a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês), no cenário ideal, 85% da matriz elétrica mundial terá origem em fontes renováveis em 2050. Ou seja, o Brasil já chegou lá com trinta anos de antecedência. O setor energético não é o vilão das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, mas isso não quer dizer que não possamos avançar mais. Todavia, não precisamos limpar nossas matriz energética a qualquer custo.

Agência Senado- No caso da Petrobras, o que temos visto é um recuo na conversão da empresa a projetos de energia limpa. A eólica Mangue Seco foi vendida e subsidiária de biocombustíveis reduziu de tamanho. Qual o sinal que a companhia está dando com esses movimentos?

LB - Penso que há dois fatores que explicam esse movimento da Petrobras. O primeiro decorre do custo de oportunidade. Não há nenhum investimento mais lucrativo para a Petrobras do que a produção de petróleo no pré-sal, além de ser a expertise da empresa. Investir dinheiro em outras atividades é “perder” dinheiro. O segundo fator é a pressa da Petrobras em monetizar suas reservas de hidrocarbonetos antes que elas percam valor no decorrer da transição energética. Imagino que depois de feitos os grandes investimentos no desenvolvimento dos campos de petróleo do pré-sal, a Petrobras volte a pensar e a agir como uma empresa de energia e não somente de petróleo. Nesse contexto, outros investimentos em energia, como geração eólica offshore, podem tornar-se foco do interesse da empresa.


Reportagem: Nelson Oliveira
Pauta, coordenação e edição: Nelson Oliveira
Coordenação e edição de multimídia: Bernardo Ururahy
Edição e tratamento de fotos: Ana Volpe
Infografia: Cássio Costa
Foto de capa: André Motta de Souza/Agência Petrobras