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Liberalização da economia ganha espaço no Senado

mmcoelho
Publicado em 15/8/2019

O Senado Federal tem aprovado neste ano propostas na área econômica que acompanham o tom liberal do governo. Em maio, passou no Plenário a medida provisória que abre o setor aéreo ao capital estrangeiro (MP 863/2018). Em junho, os senadores aprovaram a abertura do serviço de saneamento básico a empresas privadas (PL 3.261/2019).

Ainda na área de infraestrutura, deve ser aprovada pelo Congresso até o fim do mês a MP 882/2019, que reformula a operação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Com a proposta, a Secretaria Especial do PPI ganha as responsabilidades de fomentar a integração no setor de infraestrutura, apoiar projetos do PPI junto a instituições financeiras, propor melhorias regulatórias e promover o diálogo entre os setores público e privado. A MP perde a validade após 30 de agosto.

O investimento do setor privado em ferrovias também tem sido tema de debate nas comissões da Casa. O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, esteve na Comissão de Infraestrutura (CI) no fim do semestre para dizer que o governo pretende expandir a malha ferroviária por meio de parcerias com a iniciativa privada.

Outra proposta que tramita no Congresso e foi aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados é a MP da Liberdade Econômica (MP 881/2019). Ela institui garantias para a atividade econômica de livre mercado, impõe restrições ao poder regulatório do Estado e facilita a desestatização e a abertura e fechamento de empresas, além de resolver questões concretas de segurança jurídica. Agora a medida, que tem validade até 27 de agosto, será votada no Plenário do Senado.

As matérias que estão em debate e em análise na Casa sinalizam o interesse, tanto por parte do governo quanto de parte dos senadores, em uma abertura de mercado. De acordo com o senador Marcos Rogério (DEM-RO), o país está sendo conduzido para uma nova visão, que valoriza o setor privado, ao contrário do que fazia nos últimos anos.

— Ao longo do tempo, colocaram o setor privado, as empresas brasileiras como inimigas do Estado, e o Estado, os governos, como o padrinho forte, uma ideia paternalista. E, na verdade, quem gera riqueza, progresso, desenvolvimento, renda é o setor privado. O setor público gera despesa, burocracia, ineficiência e muitas das vezes pobreza, pelos erros na condução da política macroeconômica — afirma.

Segundo o parlamentar, como o governo tem valorizado o setor privado, é natural que o Parlamento passe a ter uma atuação conectada a essa nova realidade. Marcos Rogério diz que a agenda mais liberal é de interesse nacional:

— Estou muito feliz que o Senado tenha adotado essa agenda. O Senado tem dado prioridade a essa agenda. Foi assim no marco regulatório do saneamento básico, que é um tema fundamental para a saúde pública, para a qualidade de vida da população, mas é também uma fonte importante na geração de emprego e renda.

Marcos Rogério explica que valorizar uma agenda mais liberal não significa descuidar dos direitos trabalhistas, ambientais ou sociais. Para ele, é preciso haver o equilíbrio:

— Todas essas garantias, se você não tiver um ambiente econômico saudável, com empresas fortes crescendo, tudo perece. A gente tem que parar com essa ideia de trabalhar uma matéria em detrimento da outra. O equilíbrio é um ponto central aqui.

A importância do equilíbrio entre a atuação estatal e privada também é ressaltada pelo senador Eduardo Braga (MDB-AM). Segundo o líder da Maioria no Senado, a iniciativa privada é fundamental na retomada do crescimento nacional, mas políticas públicas precisam ser exercidas.

— Precisamos ter equilíbrio. Tanto é que, na questão da lei de saneamento, nós fizemos aprovar uma emenda que não exclui a possibilidade de o Estado exercer a sua responsabilidade social nos pequenos municípios, onde não há viabilidade econômica para a privatização, de o Estado garantir o abastecimento de água — observa.

No setor de aviação, conforme Braga, o Brasil não pode abrir o mercado sem exigir uma contrapartida. Ele assinala que hoje o neoliberalismo vive um processo de liberalismo social:

— O Japão hoje pratica taxa de juros negativa. Já imaginou você aplicar um dinheiro em títulos do governo e receber menos do que você aplicou? E você botar o dinheiro sabendo desde o começo que a rentabilidade será negativa? Sabe por que tudo isso? Para fazer geração de emprego e renda no Japão.

Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), o Senado se compõe de parlamentares com opiniões bem divergentes, mas a maioria não é contra a presença a ocupação de espaços pela iniciativa privada, exceto naqueles que são precípuos do Estado.

— A maior parte dos senadores, de esquerda e de direita, concorda que é preciso ter essa cooperação, que o Brasil só anda com a colaboração do Estado brasileiro abrindo caminhos, às vezes necessários, fomentando. Por outro lado, a iniciativa privada entra onde o Estado não consegue mais, porque tem de dar conta de outros serviços — explica Jean Paul.

O parlamentar, no entanto, discorda da privatização quando o governo simplesmente quer fazer diferente do anterior ou quer vender visando apenas fazer caixa. Para Jean Paul, é importante ter uma boa regulação dessa abertura de mercado.

— Todos os setores hoje estão abertos ao capital privado. A questão é como manejar essa máquina e saber tirar do setor privado o que realmente você precisa dele. Por exemplo, vender refinaria. Simplesmente [vender] por vender e fazer caixa e superavit primário, eu sou contra e serei contra sempre. Agora, se você faz uma concessão ou uma autorização privada e diz ao privado: “Olha, venha investir no ramal ferroviário que eu não estou dando conta, e você pode ter interesse, faça isso que você vai ter uma tarifa, vai ser regulado, vai ter seu lucro lá, tudo admitido, tudo certinho”, vai em frente, meu filho, faça sua infraestrutura e ganhe seu dinheiro, legitimamente. Nem esquerda nem direita discordam nisso — avalia o senador.

O senador Carlos Viana (PSD-MG) acredita que a maior abertura do mercado brasileiro é uma necessidade, devido ao deficit que o país enfrenta, especialmente quanto à dívida externa. No entender do senador, a infraestrutura nas estradas e nos aeroportos será melhor com o investimento privado:

— A única maneira que nós temos de garantir investimentos e melhor qualidade nas estradas e nos aeroportos é pelo processo de concessões, que já é muito bem-sucedido. Os aeroportos brasileiros hoje não devem absolutamente nada (os principais das nossas capitais) a outros grandes aeroportos do mundo. O Senado tem colaborado muito e está preocupado e naturalmente buscando discutir e votar medidas que nos permitam abrir o mercado brasileiro e buscar a retomada do crescimento.

Senadores Marcos Rogério, Eduardo Braga, Jean Paul e Carlos Viana

Aeroportos

A Medida Provisória 863/2018, aprovada em maio no Congresso, autoriza até 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas com sede no Brasil. O presidente da República sancionou a MP em junho (Lei 13.842/2019), com vetos para os artigos que isentavam os passageiros da franquia de bagagem.

Até a edição da MP, o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/1986), alterado pela medida, permitia a participação de capital estrangeiro até o limite de 20%. Agora, esse controle sem restrições será igual ao de países como Argentina, Colômbia, Bolívia, Índia, Austrália, Nova Zelândia e União Europeia.

Na aprovação da MP no Senado, os senadores a elogiaram por considerarem que ela facilita o investimento no transporte aéreo. O senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) afirmou que o setor se encontra em crise devido à falência da Avianca Brasil. Também a senadora Simone Tebet (MDB-MS) disse que a medida era necessária em razão do oligopólio de três empresas que atuam no setor. A expectativa dos senadores é que a concorrência das empresas ocasione a baixa nos preços das passagens.

Medida aprovada em maio permite 100% de capital estrangeiro nas empresas aéreas com sede no país (foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Saneamento

O PL 3.261/2019, que apresenta um novo conjunto de regras para o saneamento básico, foi de iniciativa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Aprovada em junho no Senado, a proposta tramita agora na Câmara dos Deputados.

O projeto prevê a licitação do serviço com a participação de empresas privadas. A sustentabilidade econômico-financeira dos contratos de saneamento se dará por meio de pagamento de taxas, tarifas e tributos. O PL permite também licitações em blocos de municípios, para garantir ganho de escala e viabilidade técnica e econômica, e possibilita a gratuidade a famílias de baixa renda.

Ao contrário da proposta de abertura do setor aéreo ao capital estrangeiro, o projeto do saneamento sofreu críticas de alguns senadores, que temem a concentração de empresas privadas apenas nos grandes centros urbanos. Na sessão em que foi aprovada a matéria, o senador Eduardo Braga, por exemplo, lembrou a má experiência da privatização do serviço em Manaus.

“Vinte anos se passaram e as metas continuam não cumpridas na área de esgoto, apesar de a tarifa estar sendo cobrada”, afirmou na ocasião.

Mas os defensores do texto, como os senadores Carlos Viana, Kátia Abreu (PDT-TO) e o relator Roberto Rocha (PDT-MA), acreditam que será um avanço na melhoria do setor e dará maior cobertura para a população, pois garantirá recursos que não estão ao alcance do poder público.

Senadores aprovaram abertura do serviço de saneamento a empresas privadas (foto: Acácio Pinheiro/Agência Brasília)

Transporte terrestre

A infraestrutura no transporte terrestre também está entre os temas que têm sido debatidos no Senado em relação à abertura de mercado. O ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, veio a uma audiência pública em junho na Comissão de Infraestrutura e falou sobre os planos de ampliar a malha ferroviária com investimento privado.

— O investidor vai receber uma autorização para operar. Ele vai ser autorizado a realizar o investimento, tomando o risco de engenharia. Em compensação, ganha a perpetuidade. A perpetuidade faz muita diferença na decisão de investir. Não faz o menor sentido tomar um risco de capital, que é muito elevado, para depois ter o bem devolvido após um período de reversibilidade. A gente torna o processo dessa forma mais simples, ágil e elimina riscos — argumentou o ministro.

Tarcísio de Freitas citou o leilão da Ferrovia Norte-Sul como exemplo de experiência de parceria bem-sucedida entre o Estado e a iniciativa privada. Em março, a empresa Rumo venceu a concorrência para explorar o setor com um lance de R$ 2,7 bilhões. O valor é mais que o dobro do lance mínimo de R$ 1,35 bilhão, o que representa um ágio de 100,9%. Segundo o ministro, a empresa deve investir R$ 3 bilhões nos primeiros 18 meses de contrato.

O investimento privado no setor de transportes terrestres é beneficiado pela MP do PPI, que proporciona ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) fazer parceria com empresas privadas por meio de um novo instrumento licitatório, a colação. Esse novo tipo de licitação se baseia não apenas no menor preço, mas também na qualidade técnica da empresa. O objetivo é dar bom andamento às obras de infraestrutura, que constantemente são paralisadas por ineficiência das concessionárias.

Tarcísio de Freitas fala em audiência pública no Senado (foto: Jane de Araújo/Agência Senado)

Liberdade econômica

A Medida Provisória 881/2019, conhecida como MP da Liberdade Econômica, estabelece garantias para o livre mercado, simplifica a abertura e o fechamento de empresas e desburocratiza o desenvolvimento de novos produtos e serviços e a criação de empresas em estágio inicial que buscam inovação, as startups. Além disso, libera pessoas físicas e empresas para desenvolver negócios considerados de baixo risco. Essas atividades serão fiscalizadas mediante denúncia e não precisarão de atos de autorização. Estados, Distrito Federal e municípios devem definir quais atividades econômicas poderão contar com a dispensa total de atos de liberação, como licenças, autorizações, inscrições, registros ou alvarás.

Houve críticas à MP em relação à legislação trabalhista, que sofre algumas alterações. A medida provisória flexibiliza o trabalho aos domingos e feriados, definindo uma folga dominical a cada quatro semanas, sem necessidade de convenção coletiva. Também permite a adoção da carteira de trabalho digital. Alguns pontos — como a previsão de que contratos de trabalhadores que ganham acima de 30 salários mínimos não seriam mais regidos pela CLT — acabaram retirados do texto final pelos deputados.

Outra mudança é a extinção do atual eSocial, sistema que unifica o pagamento de obrigações fiscais, previdenciárias e trabalhistas. Pelo texto aprovado na Câmara, o eSocial será substituído por outro sistema — mais simples, segundo o governo — em um prazo de 120 dias a partir da publicação da lei originada da MP.

MP da Liberdade Econômica traz incentivos à criação de startups (foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Reportagem: Marília Coêlho
Pauta e coordenação de reportagem: Paola Lima e Sheyla Assunção
Coordenação de infomatéria e edição multimídia: Nelson Oliveira e Bernardo Ururahy
Infografia: Cassio Sales
Edição do Portal de Notícias: Tatiana Beltrão
Foto de capa: Roque de Sá/Agência Senado
Pesquisa de dados: Ana Luisa Araujo Moura (estagiária) e Nelson Oliveira

 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)