Mulheres trans e travestis: um futuro com T

14/06/2017 15h39

Nesta terça-feira, no Auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional realizou o 14º Seminário LGBT, focado no tema Cidadania Trans – Nossas vidas importam”. O evento trouxe a Brasília militantes de várias partes do país, professores universitários, estudantes, especialistas e, principalmente, o depoimento vivo de pessoas transgêneras e cisgêneras de diferentes orientações sexuais.

O seminário foi realizado sob o formato de três talk shows, que discutiram “Transição cidadã em tempos de crise”, “Nossas vidas importam” e “Vai ter gênero, sim”, sempre intercalados por intervenções da cantora negra trans Valeria Houston, recentemente premiada com o troféu Mulher Cidadã, na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Valéria interpretou o Hino Nacional e apresentou, à capela, canções várias, a exemplo de Como Nossos Pais, de Belchior, cujos versos mostram o inconformismo da chamada Geração T, que pleiteia caminhos sociais para articular identidade de gênero e orientação sexual.

Teatralização

“O Estado não chegou nem a nos garantir os direitos civis básicos, como liberdade de expressão e direito de ir e vir, e nós estamos aqui também pedindo direitos sociais, como o trabalho e a educação”, disse Guilherme Almeida, professor negro da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).

Filho de uma costureira e de um funcionário público, Guilherme disse que no início de sua vida precisou “teatralizar” um gênero feminino e uma lesbiandade para conseguir estudar e encontrar um espaço digno de trabalho.

Ele designa como “teatralização” a estratégia de “jogar o jogo que tem que ser jogado”. Trabalhando sempre de roupa social e paletó e gravata, Guilherme diz que jamais seria identificado como professor se fosse com roupa comum.

Sua transição de gênero já ocorreu quando era professor da Universidade Federal Fluminense. “As pessoas com quem eu compartilhava o espaço de trabalho foram se educando comigo e eu com elas”, relembra.

Discriminação

Ao se transferir para o corpo docente da Uerj, Guilherme teve um pico de pressão alta durante o exame médico admissional, pois a atendente insistia em se referir a ele pelo nome do documento.

“Eu podia ter sido rejeitado no concurso por um quadro hipertensivo que nunca tive”, destaca, “causado pela situação de discriminação”.

Segundo Guilherme, a única reprovação em estágio probatório de que tem notícia na Uerj atingiu uma pessoa trans, que faltava muito por estar internada por depressão. “Para nós, o rigor é maior – a lei tem que se aplicar na sua crueldade”, disse.

Por fim, Guilherme denunciou também a existência de uma diferenciação dentro do processo transexualizador, no qual a cirurgia de faloplastia ainda conserva a condição de experimental, realizada em hospital universitário, resquício para ele do traço de misoginia na recusa de promover pessoas trans à condição masculina.

Mercado

Adriana Sales, integrante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, destaca que a prostituição não é uma opção para a maioria das travestis, pois simplesmente não encontram outra possibilidade de se inserir no mercado de trabalho.

Graduada em Letras e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, ainda consta como Adriano, no Currículo Lattes, que também se recusa a assimilar “puta” como profissão. “Para mim, não para a maioria, isso é uma opção”, disse, “sou uma mulher normal, de peito e de pau”.

“Parece que a sociedade adora nos ver na esquina, onde tanta gente pode procurar sexo conosco, inclusive muitos desses políticos que nos condenam”.

Agenda

Silvia Cavalleire, mulher transexual e feminista, ex-presidente da União da Juventude Socialista de Fortaleza (CE), esboçou uma agenda da luta LGBT.

Para ela é preciso combater a violência familiar e a violência no ambiente escolar; ser ousado para inserir a questão do gênero na Educação – aspecto desincentivado, mas não proibido pelos novos Planos de Educação –; pensar incentivos fiscais para dar empurrão a empresas que não aceitam que a imagem do funcionário esteja associada a orientações sexuais diferentes; lutar sempre pela equidade, que abrange a igualdade em direitos, mas respeitando as diferenças; e revolucionar as leis brasileiras que ainda falam em sexo, quando já deveriam falar em gêneros.

Representatividade

Ludymilla Santiago, gestora pública da Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social, Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do GDF (SEDESTMIDH), falou que além do discurso é preciso ter representatividade real das pessoas trans no mercado de trabalho. “Quantas pessoas trans existem nos gabinetes parlamentares?”, questionou.

Já Aléxya Salvador, professora e pastora evangélica, e também mulher trans, protestou sobre a falta de espaço de fala para pessoas transgêneras. Ela disse que o órgão sexual ou a falta dele não poderiam determinar sua identidade. Aléxya contou que foi chamada para militar em um local intocável, que é dentro da igreja, mas segundo ela é uma oportunidade de desconstrução de preconceitos. “A última revolução da humanidade será de gênero!”, bradou a pastora.

Exposição

O 14º Seminário LGBT foi complementado por uma exposição de arte produzida por e sobre pessoas trans. Dezoito artistas – como Christus Nóbrega, Alair Gomes, António Obá, Odinaldo Costa, João Henrique, Léo Tavares e Rosa Luz, que também fez as vezes de mestre de cerimônias do seminário –, com trabalhos em fotografia, vídeo-performance, pinturas, arte eletrônica e desenho, expõem trabalhos até o dia 28 de junho na Casa de Cultura da América Latina, até o dia 28 de junho.

A exposição transita entre o erotismo, a denúncia, o ativismo, o afeto e a poesia. Com curadoria de Clauder Diniz, é um recorte da produção de artistas do Distrito Federal e de outros estados que com seus trabalhos chamam atenção para os direitos básicos que são negados às minorias.

 

O seminário foi organizado por diversas comissões – como a Comissão de Assuntos Sociais, presidida pela senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) e a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, presidida pela senadora Regina Sousa (PT-PI) –, pela Frente Parlamentar dos Direitos Humanos, pela liderança do PSOL na Câmara e pelo mandato do deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ).

A mesa de abertura contou com muitos parlamentares: Glauber Braga (PSOL-RJ), Chico Alencar (PSOL-RJ), Edmilson Rodrigues (PSOL-PA), Luiza Erundina (PSOL-SP), Paulão (PT/AL), Érika Kokay (PT-DF), Maria do Rosário (PT-RS), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Alice Portugal (PCdoB-BA), Weverton Rocha (PDT-MA), Luzia Ferreira (PPS-MG), Flávia Morais (PDT-GO), Deputado Bacelar (Podemos/BA), Janete Capiberibe (PSB-AP), Ana Perugini (PT-SP), Odorico Monteiro (CE); e o senador João Capiberibe (PSB-AP).

Participaram do seminário, lideranças de entidades de defesa pelos direitos de pessoas transexuais e travestis, e também de gays, lésbicas e bissexuais, como o Instituto Brasileiro de Transmasculinidade (Ibrat), o Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (Fonatrans), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Fórum Nacional de Educação, Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas (ABRAFH), Rede Afro LGBT, além do Conselho Federal de Psicologia e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

A íntegra do debate pode ser conferida no facebook da Comissão de Direitos Humanos e Minorias:

https://www.facebook.com/cdhmcamara